quinta-feira, 31 de julho de 2008

Oito milhões de suspeitos


Soldado, aprende a tirar:
tú no me vayas a herir,
que hay mucho que caminar.
¡Desde abajo has de tirar,
si no me quieres herir!

Abajo estoy yo contigo,
soldado amigo.
Abajo, codo con codo,
sobre el lodo.

Para abajo, no,
que allí estoy yo.
Soldado, aprende a tirar
:tú no me vayas a herir,
que hay mucho que caminar.

Soldado aprende a tirar, de Nicolás Guillén
Foto de Carles Ribas de um acampamento cigano nos arredores de Roma

A palavra comunidade que nomeia o status político europeu está esvaziando de conteúdo. O governo Berlusconi, que cada dia parece mais com um patético Mussolini do novo século, anunciou que vai colocar três mil soldados nas ruas das principais cidades italianas.
Mais uma vez, em nome da segurança o estado italiano aperta o cerco contra os imigrantes chamados ilegais. Segundo anunciado pelas próprias autoridades, serão especialmente vigiados os "centros de retenção", construções precárias onde, de acordo com a nova lei, os sem papeis podem ficar detidos até 18 meses sem processo.
Curioso é que a velha Europa, agora orgulhosa e medrosa, é um continente de emigrantes. Milhões de europeus partiram nos séculos dezenove e vinte fugindo da fome e das guerras.
Uma comunidade para merecer tal nome, precisa respeitar valores fundamentais.
Oito milhões de pessoas na Europa são hoje suspeitos a priori pelo fato de serem estrangeiros, desconhecendo garantias e leis básicas, como a Convenção dos Direitos dos Imigrantes da ONU.
Essa luta continua.

Assine contra os centros de detenção de imigrantes na Europa
Assine contra a perseguição de ciganos na Itália

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Os sessentinha de Jean Reno


"Eu não faço publicidade nem filme pornô"
Essa foi a frase pronunciada pelo ator francês da origem espanhola Jean Reno quando foi chamado para o seu primeiro papel no cinema, em 1979. Só que quem estava do outro lado era o diretor Costa Gavras!
Nascido em Casablanca, Marrocos, onde seus pais espanhóis tinham se exilado por causa da ditadura franquista, seu nome de batismo é Juan Moreno Herrera Jiménez.
Depois daquelas pontinhas, ele conheceu Luc Besson e virou seu ator fetiche. Com mais de cinqüenta filmes realizados, hoje é provavelmente junto com Depardieu o ator francês mais popular no mundo.
Se bem ele fez há pouco tempo uma publicidade de cigarros pro Japão, ele continua firme nas suas convicções: diz que o ator é uma ferramenta dos diretores, que não quer virar um produto e que o lugar onde os atores vivem é nos olhos do público.
O grande Jean hoje faz sessentinha.

Foto de Jean Reno no filme de 2004 L'empire des loups

terça-feira, 29 de julho de 2008

Miguel Hernández, a Espanha que não foi


Menos tu vientre,
todo es confuso.

Menos tu vientre
todo es futuro
fugaz, pasado,
baldío, turbio.

Menos tu vientre
todo es oculto.

Menos tu vientre
todo inseguro,
todo postrero,
polvo sin mundo.

Menos tu vientre
todo es oscuro.
Menos tu vientre
claro y profundo.

Versão em português

Menos seu ventre
tudo é confuso.

Menos seu ventre
tudo é futuro
fugaz, passado,
baldio, turvo.

Menos seu ventre
tudo é oculto.

Menos seu ventre
tudo inseguro,
tudo postreiro,
poeira sem mundo.

Menos seu ventre
tudo é escuro.
Menos seu ventre
claro e profundo.

Miguel Hernández foi um dos maiores poetas da língua espanhola. Lutou junto aos republicanos na Guerra Civil espanhola e morreu no cárcere. Em apenas 31 anos deixou uma obra belíssima. A morte do poeta pelo regime franquista privou ao mundo de um artista que estava na melhor fase da sua criação e foi definida como o símbolo da Espanha que poderia ter sido e que não foi.
Desde o ponto de vista literário, o poeta se vale aqui da figura de repetição (anáfora) no início de cada verso. Mais um poema dedicado à sua esposa
Josefina Manresa, Menos seu ventre destaca o valor da mulher como o único espaço seguro num mundo caótico e também como emblema da fertilidade. Nesse sentido, a obra do poeta está atravessada pela idéia de uma mulher forte e ao mesmo tempo profundamente feminina.

Menos tu vientre, de Miguel Hernández
Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto do arquivo de Miguel Hernández na prisão

segunda-feira, 28 de julho de 2008

O declínio moral segundo Al Capone




Devemos manter à América íntegra, salva, livre da corrupção. Se as máquinas tirarem as vagas dos operários, teremos que achar outra coisa que eles possam fazer. Devemos manté-los afastados da literatura e as armadilhas dos vermelhos para nós certificar que as mentes deles permaneçam sadias.
(...) Hoje em dia as pessoas não respeitam mais nada. Antes colocávamos num pedestal à virtude, a honra, a verdade e a lei. Tivemos quase doze anos para aprumar-nos e olha em que caos virou a vida! Hoje tem mais gente bebendo álcool nos bares clandestinos que todas as pessoas que bebiam antes de 1917. É isso que opinam sobre o respeito à lei. Ainda assim não podemos chamar à maioria das pessoas de criminosos, embora tecnicamente o sejam. Entre o povo aumenta a sensação de que a proibição é responsável pela maioria dos nossos males, mas também cresce o número de pessoas que atua contra a lei.
Faz dezesseis anos que eu cheguei a Chicago com quarenta dólares no bolso. Três anos depois já era casado. Meu filho já está com doze anos, continuo casado e amo minha mulher. Nós tinhamos que viver, eu era mais novo e achava que precisava mais coisas. Não achava justo proibir ninguém que tentasse obter o que desejava. Achava, e continuo achando, a Lei Seca uma lei injusta. De alguma maneira fui encostando naturalmente na ilegalidade. E suponho que vou continuar até que a lei seja abolida.

Se eu não tivesse colocado essa manchete, caros leitores, vocês jamais teriam imaginado que o autor dessas declarações foi Al Capone, o mais famoso gangster de todos os tempos.
Esse texto é um fragmento da entrevista que concedeu a Cornelius Vanderbilt Jr. -da dinastia dos descendentes do magnata das ferrovias-; um mestre do jornalismo que chegou a quebrar uma vitrine para ser preso e poder entrevistar ao Hitler, que estava na cadeia, nos primórdios da sua atuação política.
Essa entrevista foi publicada na revista Liberty, apenas dias antes de Capone ser preso no processo por sonegação de impostos. Como é sabido, as autoridades não conseguiam provar suas atividades criminosas. Capone permaneceu preso nove anos e depois, ainda rico mas doente e sem poder foi morar numa mansão em Miami. Morreu aos 48 anos.
Em 1990 a reconstrução do seu processo mostrou que as provas com que ele foi condenado não ressistiriam um juízo na atualidade.

Fragmento da entrevista de Al Capone a Cornelius Vanderbilt Jr.
Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto de Al Capone pescando em Palm Beach
Na segunda foto, de 1930, o local em Chicago onde Capone dava sopa e café de graça para os desempregados

domingo, 27 de julho de 2008

O samba de Clementina que virou música dos Parchis



Eram altas horas da madrugada quando, naquele zapping narcótico antes de dormir, me deparei com o filme argentino La gran aventura de los Parchis (1982), dirigido por Adrián Quiroga, pseudônimo do cineasta Mario Sábato, filho do reconhecido escritor Ernesto Sábato.
Parchis foi um grupo de crianças espanholas inventado como negócio de um verão só pela gravadora Belter, mas cujo sucesso estourou de tal maneira que foram três anos de Parchis até na sopa. Eu fui salvo de cair naquela febre porque na época já estava saindo do serviço militar e pronto pra ir pra guerra das Malvinas, o que felizmente depois não aconteceu.
Espremendo o sucesso, os garotos protagonizaram vários filmes. Esse um que peguei ontem foi filmado em Buenos Aires, Rio de Janeiro e as Cataratas do Iguaçu.
Quando a minha chupeta eletrônica foi dar com ele, os Parchis estavam prestes pra voar pro Rio. Aí larguei o controle remoto, com o perigo que a minha namorada acordasse, me flagrasse assistindo isso e fosse embora pra sempre.
É uma antiga afição minha descubrir esses links impensados entre Argentina e Brasil, mas o que aconteceu a seguir foi o mais bizarro dos achados. Como é típico desses filmes, as canções estão embutidas e de uma hora pra outra, no meio da trama sai todo mundo cantando e dançando. Assim foi como pareceu me reconhecer uma música no meio do sotaque espanhol das crianças que brincavam nas areias de Copacabana numa coreografia insofrível. Pois não era outra que o samba de morro Pergunte ao João, de Helena Silva e Milton Costa, popularizado pela nossa saudosa rainha Quelé, a Clementina de Jesus. O assassino da versão em espanhol -vejam a incoerência da letra- é um tal de M. Salina. E o resultado só vendo para acreditar.
Então, aqui está um fragmento da
música original interpretada por Clementina. Debaixo seguem as duas letras e a pérola é o clipe do filme onde os Parchis cantam Pregúntale a Juan.
Agora só me resta achar esse dvd que merece fazer parte da minha coleção.

Pergunte ao João

Quem quiser ver é só subir o morro
O samba mora no meu barracão
Pergunte ao João, ele sabe a picada
Ele sabe a morada
lá do meu barracão

Pregúntale a Juan

Si un día vas a Río de Janeiro
Subir al morro es todo tu afán.
Tú pedirás ambiente verdadero,
Y con Juancita te contestarán
Pregúntale a Juan, que está en el ambiente,
Conoce a la gente
y sabe hacer plan.
Pregúntale a Juan,
por bossa y por samba
Porque él, de la banda
es el capitán.

sábado, 26 de julho de 2008

Dez grandes artistas brasileiros pouco divulgados





1) Maurício Pereira

Formou na década de oitenta, junto com André Abujamra a irreverente banda Os Mulheres Negras, que deixou, entre outros, o ótimo Música serve pra isso. Depois do fim dos Mulheres, Maurício Pereira vem construindo uma carreira solo de uma liberdade criativa admirável, com obras como Na tradição, Pramarte e o imprescindível Mergulhar na surpresa.

2) Adriana Deffenti

Os artistas gaúchos possuem uma informação musical única que inclui a riqueza do Brasil mais o que vem do eixo Argentina-Uruguai. Com formação lírica, um olho certeiro na escolha do repertório e um misto exato de técnica e emoção, Adriana merece ser reconhecida entre as melhores cantoras do Brasil atual. O disco que leva seu nome é um presente para os ouvidos e corações afortunados por onde entrou.

3) Jovelina Pérola Negra

Se bem no mundo do samba carioca, ela é uma figura muito reconhecida, Jovelina foi da época em que cantor era cantor e sambista era sambista. Apesar dessa última fornada em que o samba voltou para a grande mídia, existem numerosos exemplos de artistas que não tem o valor que merecem além das fronteiras do gênero. Nos Estados Unidos, uma cantora dos quilates da saudosa Jovelina seria reverenciada por todas as mídias e não só pelo mundo do samba.

4) Elomar

O grande cantor e violeiro é uma célula-tronco da música regional brasileira. Com uma carreira que faz agora quarenta anos, Elomar representa a tradição dos trovadores numa obra vastíssima que inclui até sete óperas. Eu sei que quem é mais informado sobre música brasileira sabe quem é Elomar, mas muita gente nem sabe.

5) Sacha Amback

As vezes é preciso deixar de lado esse pudor da amizade que priva a gente de dizer o que pensa por medo aos outros acharem que é propaganda enganosa. Pianista (discípulo da mestra Heloisa Zani), compositor, tecladista, produtor, Sacha Amback é uma referência da produção musical brasileira. Produziu discos para Zeca Baleiro, Nenhum de Nós, Adriana Calcanhotto, entre muitos outros. Com raiz acadêmica, entrou no popular com solidez enorme. Fera da eletrônica e criador de trilhas de filmes que você já viu e ouviu. Mantém um projeto no escurinho com Moska e Marcos Suzano que ainda pode dar muito a falar.

6) Tetê Espíndola

Criada no manantial artístico familiar, Tetê começou a ter destaque no under paulista junto do Arrigo Barnabé. O poeta Augusto de Campos disse dela que tinha “pássaros na garganta”. É a melhor definição que achei até hoje. Sozinha com sua craviola pode criar um universo onde a música e a voz se confundem com a natureza em estado puro.

7) Arthur de Faria

Com a singularidade dos músicos gaúchos já citada, Arthur é além do grande compositor e pianista, uma usina criativa, um permanente aglutinador de talentos e aquarelas que fazem sentido depois de atravessadas pelo seu traço. Fora isso, é o exemplo do artista comprometido com a sua arte, longe dos cantos de sereia do mercado. Mas bem que o mercado as vezes poderia olhar mais para esses artistas.

8) Rodrigo Bittencourt

Quem anda pelos circuitos alternativos cariocas com certeza pelo menos já ouviu falar do Rodrigo Bittencourt. Aquele caso de artista-orquestra cuja melhor definição é: artista. A expressão pode estar na poesia, na composição ou na direção de cinema. Eu acho um escândalo o fato de Rodrigo não ter disco lançado pelos canais de distribuição que sua obra merece.

9) Xangô da Mangueira

Para dizer de modo curto e grosso: Xangô da Mangueira não deveria precisar do dinheiro da sua aposentaduria para pagar as contas. Diretor de harmonia que deu sete títulos à Mangueira, grande mestre do partido alto e do improviso, ele deveria ser tombado. Um verdadeiro patrimônio do samba e do Rio de Janeiro.

10) Zé de Riba

Ou o dia em que a embolada ficou eletrônica. Zé de Riba vem batalhando desde a década de oitenta, de sentar na rua com o violão mesmo. Só com vinte anos de carreira conseguiu lançar seu primeiro cd. No Reprocesso, de 2006, tem samba, repente e programações com letras focadas em histórias da vida cotidiana. Recomendadíssimo. Outro grande José Ribamar que o Maranhão deu pro Brasil.

Quem já navegou entre as fronteiras do Nemvem Quenaotem pode ter visto vários desses artistas em diversas postagens. Mas como eu tenho licença de gringo decidi juntar num tópico porque não canso de dizer que, apesar do valor que o Brasil da aos seus músicos, o mercado de consumo enfia o rabo entre as pernas na hora de sustentar os artistas que não são caixas registradoras.
Fico feliz quando confiro que o Google traz aqui pessoas procurando por algum desses nomes ou pelas obras deles. Se o meu blog ajuda para que mais alguém conheça, estou feito.

Nesse link, a segunda entrega da série

Foto de Zé de Riba de Zeca Caldeira
Foto de Elomar de Luciano Mattos

sexta-feira, 25 de julho de 2008

A morte vai dar praia


Hoje Mara, que faz os ótimos blogs Pintando música e Lux Feminae, deixou esse recado na matéria sobre Saban Bajramovic que postei em junho:

Dia 23, duas crianças ciganas, de 11 e 13 anos, morreram em uma praia perto de Nápoles. Morreram afogadas, duas foram salvas, as outras duas não. Os cadáveres ficaram estendidos na praia e o que causou-me espanto na notícia, já que sou normal, foi saber que os banhistas indiferentes continuaram a se bronzear, a jogar bola e a beliscar os quitutes no quiosque da praia bem próximo dos corpos. Nápoles enfrentou recentemente a crise do lixo, creio que para alguns freqüentadores da praia: tudo é lixo.Como faço para assinar contra a perseguição aos ciganos na Itália? O banner à respeito na sua página não funciona como link.

Pensei em publicar essa foto quando li a notícia, mas achei realmente forte e por esses dias o blog estava motorizando a campanha das assinaturas contra o registro de impressões digitais de crianças ciganas. Mas agora, a mensagem de Mara me fez perceber que a publicação dessa foto, pode ajudar para que mais pessoas assinem.
Isso foi um escândalo e uma outra prova da indiferença com o povo cigano na Itália e a falta de pudor até com a morte.
Mara e todos, se clicar no banner que está à direita, funciona mesmo que não faça aquela mãozinha de link, mas por via das dúvidas fica aqui o link por extenso:

http://www.petitiononline.com/08041971/petition.html

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quando o tempo misturar


Eu quero que você lembre de mim
com um sorriso riso gargalhada
depois que o tempo passar
quando o tempo misturar
poesia e chocolate quente
letra no corpo Goyeneche
língua no pau vai Sombra!
depois que o tempo passar
quando o tempo misturar
glorieta com coreto
silêncio do meio-dia
confissão de meia-noite
cantigas para ninar
eu quero que você lembre de mim
e dê risada
porque eu não sou bom
eu sou assim
de todos eles
entre todos eles
outro signo
o estranho
que você nunca conheceu
depois que o tempo passar
quando o tempo misturar
(o tempo vai misturar)
Bolas de Nieve Cartolas
o acho com mirá vos
vinho com jantar normal
dedo maior na buceta
e vamos abrir o bar
passarinho crocodilo
meus pêlos e teus rouquidos
desenho lua e fainá

eu quero que você lembre de mim
com um sorriso riso gargalhada

Quando o tempo misturar, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de Beatrice Neumann

Vocabulário

Goyeneche, Roberto: cantor argentino de tango.
Vai Sombra!: vinheta usada pelo apresentador de tevê Ratinho para chamar seu locutor, o Sombra (Alvino Batista Soares), na separação de quadros.
Glorieta: em espanhol, coreto
mirá vos: em espanhol, olha só
fainá: massa de farinha de maiz, de uso comum como acompanhamento da pizza

terça-feira, 22 de julho de 2008

Klaus oficialmente maluco


Herzog é um indivíduo miserável, rancoroso, invejoso, fedorento de ambição e cobiça, malvado, sádico, traidor, chantagista, covarde e um farsante da cabeça aos pés. Seu suposto "talento" consiste únicamente em torturar criaturas sem defesa e, se for preciso, matá-las de cansaço ou assasiná-las. Ninguém nem nada lhe interessa, exceto a sua penosa carreira de pretendido cineasta. Impulsado por uma ânsia patológica de causar sensação, ele mesmo provoca as mais absurdas dificuldades e perigos e põe em jogo a segurança e inclusive a vida dos outros, só para depois poder dizer que ele, Herzog, tem subjugado forças aparentemente insuperáveis. Para os seus filmes acode a pessoas pouco desenvolvidas mentalmente e diletantes, aos que pode dirigir como bem quer (e, em teoria até hipnotizar!), aos que paga um salário de fome, e isso se ele pagar. O resto são aleijados e abortos de todo tipo, a fim de parecer interessante. Ele não tem a menor idéia de como se faz um filme. Já nem tenta me dar instruções. Faz tempo que renunciou a me perguntar se eu estou disposto a fazer suas tediosas besteiras, pois eu lhe tenho proibido de falar.

Diario das filmagens do Aguirre, a cólera dos deuses, de Klaus Kinski (fragmento)
Versão para o português de Juan Trasmonte

A notícia de hoje diz que foi achada na Alemanha a história clínica de Klaus Nakschinki, o ator Klaus Kinski. O documento do artista morto em 1991 vem descobrir o que era óbvio: Kinski tinha sérios problemas mentais. A descrição diz na sua primeira página: "diagnóstico temporário: esquizofrenia. Definitivo: psicopatia" e define o paciente como um "perigo público".
O texto postado acima é um fragmento do diário das filmagens do Aguirre, um dos seis filmes que ele fez com o diretor também alemão Werner Herzog.
O relacionamento deles verdadeiramente só Freud explica. Existem inúmeras histórias contadas pelo próprio Kinski, por Herzog no documentário Meu melhor inimigo e outras lendas que ficaram no tempo na fronteira entre a fantasia e a realidade. Entre elas, Kinski contou que Herzog queria matá-lo ("tenho aqui oito balas pra você e uma pra mim!") e Herzog contou que no meio das filmagens do Aguirre, o cacique da tribo que estava trabalhando no filme lhe ofereceu gentilmente "acabar com o diabo".
Agora que Klaus é oficialmente maluco, também pode se entender de onde veio a grande arte dele.

Foto de Thomas Mauch de Klaus Kinski caraterizado como Aguirre. Na segunda foto o ator com o diretor inimigo.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Rio pra não chorar


Rio, rio, rio
Rio pra não chorar
Pra quem não sabe eu sou rio
A cantar

Som do Flamengo
Soa ali em Botafogo
Sou da casquinha do ovo
E essas flores
Na Rocinha vou plantar
Quem olhar minha barraca
No morro de Dona Marta
Quer morar

Rio, rio, rio
Rio pra não chorar
Pra quem não sabe sou Rio
A cantar

Se tenho fome
Como logo o Pão de Açúcar
Urro no morro da Urca
Se quero abraço
Tenho o Cristo pra abraçar
Tamborim pra ti tarol
Escolados pelo sol
Rio e morro de amar

Vide Gal, de Carlinhos Brown
Foto de Martinho da Vila e Mart'nália, devidamente ataviados para sair na Vila

Fazia tempo que não dedicava uma postagem para celebrar o Rio de Janeiro. Esse retrato singelo que o baiano Carlinhos Brown fez, acabou de ganhar sua versão definitiva. A querida Mart'nália, que aos poucos está virando o rosto feminino da música com selo carioca, gravou em dueto com o pai Martinho para a trilha sonora do filme Era uma vez, que estreia essa semana.
A letra foi colocada do jeito que eles cantaram. Infelizmente, por enquanto o cd não tem previsão de lançamento

Ganho e reparto abraços







Não sei bem como funciona esse negócio de selos do folclore da blogosfera, mas se for pra sair dando abraços e beijos, tô dentro.
Eu ganhei esses mimos do Babel.com e as regras de etiqueta dizem que devo repassar para outros quinze blogueiros, então eis aqui minha lista, com meu agradecimento para as pessoas que dedicam horas do seu tempo em pensar nos outros.
Pois é, reconhecer a existência do outro é que vai nós redimir. Como dizia Paul Eluard, "o amor está no mundo para esquecermos o mundo".





domingo, 20 de julho de 2008

Just one more thing



Imagens de domingo para celebrar a arte de Peter Falk, que reencontrei fazendo uma pontinha no filme Next, de Lee Tamahori com o bom do Nic Cage.
O velho Peter já passou a curva dos oitenta e continua na ativa. Ainda está em post-produção um filme desse ano, American Cowslip, onde interpreta um padre.
Esse "Just one more thing" do título, é a frase que seu detetive Columbo usava para introduzir o raciocínio brilhante que sempre acabava destruíndo o álibi do suspeito. Grande Peter. Compañero.

Na primeira foto, Peter Falk interpretando Columbo, no famoso seriado dos anos setenta. Na segunda foto, ao lado de Nicolas Cage no filme Next (no Brasil, O Vidente)

sábado, 19 de julho de 2008

Nkosi sikelel’ iafrika!



Esta manhã entrou um raio de luz pela janela. É uma luz morna e fragmentada que projeta às grades na parede. É uma parede branca como são brancos os homens que me têm confinado aqui.
Eles teimam em nós taxar de comunistas, violentos, terroristas e quem sabe quantas outras coisas, e a gente só quer andar pelas nossas ruas, sentar nos nossos bares no fim da tarde. Porque esta é a nossa terra.
Mas como será a prisão dos que me têm prisioneiro? Como serão as mãos do carrasco de Benjamin?
Os silêncios ficaram acumulados nas minhas costas como ficaram acumuladas as chicotadas nas costas de todos os meus companheiros, daqueles que nunca vi, daqueles que nunca verei.
Lembro da minha primeira noite no cárcere de Robben Island. “Nativo! Banto!”, gritavam eles.
Tenho meus ossos contraídos pela umidade, mas eles nunca souberam disso. A ignorância foi a lei deles, e as armas, a valentia.
Aqui conversei com as minhas dúvidas, toquei com insistência as marcas da minha pele nas palmas das mãos, procurando respostas. Aqui as lágrimas me levaram até a fronteira onde só restava claudicar.
Rufa o tambor. Fogo em Soweto. Agora lembro dos que já não verei: Tambo, Moloise, Bikko. Mas essa luz teima em entibiar as grades. Embora eu não possa viver, um dia essas portas vão se abrir. Nkosi sikelel’ iafrika!! Deus abençoe África.

Texto de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Primeira foto de Nelson Mandela queimando seu passe em 1960, pouco antes do CNA tomar as armas e ser declarado ilegal
Segunda foto de Nelson Mandela na cela em Robben Island onde passou 18 dos 27 anos que ficou preso


Escrevi essa crônica para o programa de rádio Doble Equis em 2000. É um texto em primeira pessoa que fiz tentando me colocar no corpo de Nelson Mandela na cadeia.
O resto da história todos conhecemos. Ontem Nelson Mandela fez 90 anos.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Nome aos próprios





O filme Nome próprio finalmente vem aí. E daqui de longe posso dizer que é um dos poucos filmes daqueles que da vontade de assistir, mesmo antes de ler ou ouvir elogios.
Guardo no coração a sorte de ter dois amigos envolvidos na realização desse filme, amigos que conhecia separadamente e que um bom dia cruzaram seus caminhos artísticos: o diretor Murilo Salles (na segunda foto, dirigindo uma cena) e o músico Sacha Amback, que fez a trilha sonora (na terceira foto, comigo na gravação do show de Ramiro Musotto para o programa Ciudad Abierta em Buenos Aires) .
Faço um esforço estéril para tirar as roupas da subjetividade. Vocês que podem divulgar e assistir o nome próprio não deveriam se interessar com as qualidades humanas dessas duas figuras. Então pensem no diretor certeiro de filmes de autor como Faca de dois gumes; pensem no autor de trilhas como Ônibus 174 e Madame Satã ou no produtor de discos como Pet Shop Mundo Cão, do Zeca Baleiro ou Adriana Partimpim, da Calcanhotto.
Mais, pensem nas histórias da autora Clarah Averbuck, conhecida a partir do seu blog, pensem no mundo posmoderno da blogosfera levado pra telona, no trabalho -dizem- comovente de Leandra Leal.
E saibam que eles estão fazendo uma guerrilha de divulgação para que a famosa média de espectadores não faça do Nome próprio um filme de culto logo apôs sua estreia.
O Nemvem Quenaotem não é nem um pouco imperativo, já aprendi que esse tempo verbal ouve-se natural em espanhol mas indelicado em português. Mas a verdade é que hoje tenho uma vontade danada de escrever essas três palavras:
Ajudem
Divulguem
Assistam

É agora ou nunca!

Nessa próxima sexta-feira dia 18 de Julho "Nome Próprio" entra em cartaz.Depois de 4 anos de muita batalha e ralação de uma equipe de atores, técnicos e artistas muito especial e apaixonada...

CRUELDADE Além de enfrentar o BATMAN (parece que é um filme muito bom...) que está sendo lançado NA MESMA DATA, estamos submetidos a uma crueldade incrível: na sexta-feira 18, no sábado 19 e no domingo dia 20 nosso destino será traçado.Se o público NÃO for assistir Nome Próprio nesses três primeiros dias, CAIREMOS no esquecimento, quer dizer, o filme SAI DE CARTAZ.

CRUEL é depender de um fim de semana!É bem assim: se as pessoas forem ao cinema e o filme cumprir a ‘renda média’ ele continua em cartaz por mais uma semana.Se isso não acontecer, o filme será substituído por outro. Serão 4 anos de trabalho apaixonado entregues ao esquecimento.

Estamos lançando o filme com a CARA E A CORAGEM, apostando que fizemos um trabalho de excelência, desafiador, intenso e delicado.

ESTAMOS PUBLICANDO ESSE POST para dizer que CONTAMOS COM VOCÊS e com a CAPACIDADE DE MOBILIZAÇÃO de vocês, que assistiram o filme e gostaram, de vocês fiéis seguidores de nosso BLOGUE, vocês que assistiram nossos clips e acharam bacana.

PRECISAMOS DE VOCÊS! Copiem esse POST, mandem para os amigos, façam seus próprios Flyers, espalhem essa convocatória de militância pela internet!É militância SIM pela sobrevivência de um cinema autoral, mais pessoal, mais digno. Esse filme foi feito para essa turma ENORME de gente muito especial, com sensibilidade à flor da pele! Quem é fã da Clarah Averbuck, quem é fã da Leandra Leal, quem tem blog, quem é sensível, inteligente e especial vai gostar do filme!

VAMOS AO CINEMA NESSE FIM DE SEMANA (Sexta feira dia18, Sábado dia 19 e Domingo dia 20) para garantir que o filme continue mais uma semana, para que o boca a boca pegue.Vamos vencer a batalha contra o esquecimento e a mesmice!

Contamos com todos vocês.
EQUIPE, ELENCO DE “NOME PRÓPRIO”.

NOME PRÓPRIO ESTRÉIA
Sexta-Feira dia 18 de JULHO !
http://nomepropriofilme.blogspot.com/
http://www.murilosalles.com/film/f_film.htm
http://www.myspace.com/nomepropriofilme

Em São Paulo
Espaço Unibanco - Rua Augusta
Artplex Unibanco - Shopping Frei Caneca

No Rio de Janeiro
Artplex Unibanco - Praia de Botafogo
Armazém Digital do Rio Design Center do LEBLON

Em Brasília
CASA PARK

Em Belo Horizonte
BELAS ARTES

Em Belém
Shopping CASTANHEIRA

Em Campinas
Shopping JARAGUÁ

Em Fortaleza
Dragão do Mar

Em Natal
Praia Shopping

Em Santos
ESPAÇO UNIBANCO MIRAMAR

Em Goiânia
Shopping BOUGANVILLE

À partir de 25 de JULHO
Em Recife
Fundação Cultural Joaquim Nabuco / Derby

Após o Festival de Gramado
Em Porto Alegre e Curitiba

No final de Agosto
Em Salvador
Na inauguração do Cine Glauber Rocha

O Nemvem Quenaotem apoia essa causa. Veja o post acima

terça-feira, 15 de julho de 2008

Um poema é uma notícia?



Ha pouco mais de um mês comecei a participar na rede social DiHitt, com o intuito de trazer mais leitores para o Nemvem.
Depois de mais de um ano de colocar o blog no ar e deixar lá pra quem achar e quem quiser pegar, descobri que abrindo um pouco as fronteiras dessa nação dos sem fronteiras, poderia conhecer virtualmente pessoas e sites bacanas. Entre umas redes e outras ganhei um blog hermano, o Babel.com, claro, foreigners se dão bem com babeis. Conheci o Coisas Nossas, militante da cultura brasileira; o M’zONe que me mantém por dentro da cibercultura, com um notável registro de edição de notícias; o .Blog de Jorge Reis, que devolve meu lado de sangue português com fina sensibilidade; o Blog do Catarino com novidades da blogosfera e uma presênça e uma força marcantes do editor; o Kmmad, com seu rigor editorial e sua reciprocidade bacana; a Monika, do Toques de prazer, que descobre que poesia e sensualidade são sinônimos; o Oscar Luiz, que foi um dos primeiros a me apoiar lá, e outros que irei reconhecendo mais explicitamente, além do fato de colocar um link.
E nessa troca humana, que os moderninhos chamam de interação, embora seja por um meio eletrônico, achei muita riqueza.
O Nemvem Quenaotem foi mutando naturalmente, não na essência mas na forma. No começo, basta ver um post como esse, era só a obra, a imagem e o autor. Depois, meu olhar sobre a obra e o autor começou a ganhar espaço. E no meio dessas obras de outros, dessas escolhas estéticas, sempre estiveram os meus poemas, os poemas em português de um sujeito que foi alfabetizado em espanhol e que depois de morar no Brasil retomou o espanhol como primeira língua no dia-a-dia.
E também está o lado estrangeiro, que atravessa o blog. Artistas que construiram sua obra em outros países que não os de nascença, dores e paixões dos exílios, lutas, enfim, o grande universo que significa ser estranho a uma nação, a uma cultura. E o olhar estrangeiro, que já me acompanhava antes de ter meu passaporte carimbado pela primera vez, e que entranha ao mesmo tempo curiosidade e desconfiança, como se todo fosse novo e deslumbrante, como se todo fosse raro, alhéio e perigoso.
E como assim se conforma o conteúdo desse blog, com minha participação mais ativa no DiHitt, que tem as notícias como motor da comunicação entre os membros, há uns dias que estou me interrogando: um poema é uma notícia?
O resto dos assuntos que eu abordo no blog podem ser veiculados como tais, mesmo que nem sempre estejam relacionados com a mais urgente atualidade. A prova é que uma das minhas notícias mais votadas no DiHitt é uma entrevista com Freud do ano 1930. Mas um poema, e ainda por cima escrito por mim?
Afinal, trabalhei muitos anos como jornalista e não posso me iludir, da um certo pudor colocar lá os poemas. Eu sei que tem um pessoal que coloca qualquer coisa e que vão atrás dos votos como quem vai atrás do velocino de ouro.
Pois ainda não tenho uma opinião acabada, mas lembrei por esses dias o tempo em que poetas alternavam nos jornais seus poemas, suas crônicas e suas reportagens sobre criminosos, por exemplo. Tudo cabia e tudo era uma delícia de se ler.
Se bem não tenho certeza, acho que um poema é uma notícia. Porque traz uma informação que não tinhamos, porque anuncia alguma coisa de nós mesmos, porque traz um olhar e porque tem uma novidade: o que essas palavras dizem de nós mas nós não sabiamos até elas virarem poema.

Reprodução de um original do Cantar del Mio Cid, o poema dos poemas

Tu não me disseste que maio fosse eterno!


Artifex vitae artifex sui

Muy cerca de mi ocaso, yo te bendigo, Vida,
porque nunca me diste ni esperanza fallida,
ni trabajos injustos, ni pena inmerecida;

porque veo al final de mi rudo camino
que yo fui el arquitecto de mi propio destino;
que si extraje la miel o la hiel de las cosas,
fue porque en ellas puse hiel o mieles sabrosas:
cuando planté rosales coseché siempre rosas.

Cierto, a mis lozanías va a seguir el invierno:
¡mas tú no me dijiste que mayo fuese eterno!
Hallé sin duda largas noches de mis penas;
mas no me prometiste tan sólo noches buenas;
y en cambio tuve algunas santamente serenas...

Amé, fui amado, el sol acarició mi faz.
¡Vida, nada me debes! ¡Vida, estamos en paz!

Versão em português

Artifex vitae artifex sui

Perto do meu ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança falida
nem trabalhos injustos, nem pena imerecida.

Porque vejo no fim de meu rude caminho
que fui eu o arquiteto de meu próprio destino;
que se os méis ou o fel eu extraí das coisas
foi que nelas pus mel ou biles amargosas:
quando plantei roseiras, não colhi senão rosas.

Às minhas louçanias vai suceder o inverno;
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!
Julguei sem fim as longas noites de minhas penas;
mas não me prometeste noites boas apenas,
e, afinal, tive algumas santamente serenas...

Amei e fui amado, o sol beijou-me a face.
Vida, nada me deves! Vida, estamos em paz!

En paz, de Amado Nervo
Versão para o português de Anderson Braga Horta


Associado ao modernismo, o poeta mexicano Amado Nervo tinha porém um traço místico, originado na sua adolescência de convicções religiosas, que o afastou do padrão modernista. Jornalista e poeta, foi pra Paris no auge do movimento, onde conheceu Wilde e fez amizade com Rubén Darío, voltou pro México e passou os seus últimos anos como embaixador em Argentina, Uruguai e Paraguai. Na época não havia um embaixador só para cada nação. Escreveu esse, seu poema mais célebre, em 1917, dois anos antes de subir. Ficou no seu estilo simples e admirativo como o mais belo exemplo de acerto de contas com a vida.
Relatam os livros que quando morreu em Montevidéu, o navio que levava seu corpo foi escoltado por outros navios argentinos, brasileiros e uruguaios, e que demorou meses em chegar no México porque todos os povos da América queriam prestar homenagens.
Bons tempos em que poetas eram cultuados pelos povos.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A grande arte de Neon Park








Grande parte da fama do designer Neon Park, nascido Martin Muller em 1940 e morto Neon Park em 1993, é devida à capa do disco Weasels ripped my flesh (As doninhas rasgaram minha carne), da banda de Frank Zappa, The Mothers of Invention.
Zappa, famoso além da sua prolífica obra pela sua capacidade para inventar títulos hilários, descobriu Neon Park em 1970 em San Francisco e o chamou para ir pra sua casa em Los Angeles com a proposta de ilustrar a capa do seu novo disco. No meio da conversa, Zappa exibiu um velho exemplar da revista Man's Life (na terceira foto) e perguntou: "O que você pode fazer pior que isso?" Então Neon Park satirizou uma publicidade de máquinas de barbear (na segunda foto) com o resultado conhecido.
Mas o caminho não foi simples. Até a assistente do Neon achou tão nojenta a ilustração que nem queria segurá-la nas mãos. Os executivos da gravadora Warner recusaram o desenho e quando Zappa os convenceu foi o dono da imprenta que achou ofensivo.
Mas finalmente o disco foi lançado com a arte original, Neon Park recebeu os 250 dólares acordados e o artista ("jovem demais para ser beatnik, velho demais para ser hippie") virou uma celebridade do design e das artes plásticas. Publicou livros, fez exposições e continuou fazendo capas de discos que, muitas vezes superavam o conteúdo, como foi no caso dos Little Feet.

Weasels ripped my flesh, ilustração de Neon Park

domingo, 13 de julho de 2008

Gisele politicamente incorreta


...E a gente vai fumando, que também sem um cigarro
ninguém segura esse rojão

Da sessão de 1999 do grande fotógrafo suiço Michel Comte. Na época em que Gisele Bündchen começava a brilhar. Una das fotos dessa série foi leiloada na Christie's inglesa. Para melhorar a paisagem do domingo.

Foto de Michel Comte
Fragmento de Meu caro amigo, de Chico Buarque

sábado, 12 de julho de 2008

A revelação revelada de Edu Krieger


Eu respeito a crendice dos ateus
E a descrença que mora nos beatos
O atrativo daqueles que são chatos
E o modesto que as vezes se acha Deus
Reconheço o valor dos versos meus
E a sujeira que habita a mente pura
A pureza que mora na mistura
E a discórdia que mora no consenso
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura

Eu respeito as hipócritas verdades
E o valor natural dos imperfeitos
Pois somente através dos seus defeitos
Poderão destacar as qualidades
Reconheço o valor das falsidades
E a mentira que mora em cada jura
Tanta lágrima mole em cara dura
Que eu já nem ofereço mais meu lenço
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucuras

Eu respeito o lamento dos contentes
E a alegria que mora em todo pranto
O pecado que mora em cada santo
E o temor que apavora os mais valentes
Reconheço a moral dos indecentes
E o sabor palatável da amargura
O azedume que mora na doçura
E a fumaça que limpa pelo incenso
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura

Eu respeito a breguice do elegante
E a desordem na mente do analista
O desânimo mora no otimista
E a inocência namora o meliante
Reconheço a modestia do arrogante
E o maestro que odeia partitura
O erudito que foge da leitura
E o aluno que adora ser suspenso
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura

Eu respeito a vontade do capacho
E o sucesso de todo o fracassado
A macheza do homem delicado
E a porção delicada do homem macho
Reconheço a elegância do esculacho
E o poder criador da criatura
A coragem que mora na paura
E o valor da derrota quando venço
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura

Eu respeito a esperteza que há no tolo
E a tolice que mora em cada sábio
O mau jeito que mora no mais hábil
Jubileu celebrado sem o bolo
Reconheço a desculpa para o dôlo
E o valor nutritivo da gordura
A doença saudável que nos cura
E a paixão que parece amor intenso
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura

Eu respeito a doideira do careta
Lucidez que se mostra no maluco
A memória que mora no caduco
E o fantasma que mora na gaveta
Reconheço o caráter da mutreta
E a beleza que mora na feiúra
Pilantragem que mora na lisura
E a pressão 10 por 8 do hipertenso
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura

Eu respeito o sorriso do sisudo
E a tristeza que mora na risada
Quem é tudo mas diz que não é nada
Quem é nada mas diz que sabe tudo
Reconheço a grandeza do miúdo
E a umidade que mora na secura
Noite em claro que ofusca a noite escura
E a incerteza que mora no que eu penso
Deus conserve pra sempre meu bom senso
temperado a pitadas de loucura.

Deus conserve pra sempre meu bom senso temperado a pitadas de loucura, de Eduardo Krieger

Conheci Edu Krieger faz anos quando ele fez a música da peça O Auto da compadecida, de Ariano Suassuna, na encenação do Antônio Abujamra. Anos depois veio o prêmio de revelação e o reconhecimento quando Maria Rita fez esse favor de gravar compositores como ele e o Rodrigo Bittencourt. Mas foram anos "sabendo a importância de subir cada degrau", como ele mesmo diz no seu samba Na escada, batalhando, sempre com um trabalho de muita qualidade, seja compondo trilhas para cinema, teatro, seja tocando o 7 cordas na banda do saudoso Sivuca.
Seu primeiro disco solo foi relançado pela Biscoito Fino. Inclui as mais conhecidas pelas gravações de outros como Ciranda do mundo e Maria do Socorro, mas eu gosto muito dessa que postei aqui, de nome e letra kilométricos. Espero que seu trabalho seja mais divulgado pra ele acabar de construir esse espaço de música popular brasileira que merece.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Vai tomar nas tuas impressões




O governo Berlusconi através do ministro do Interior Roberto Maroni, impulsa a abertura de um registro de impressões digitais de ciganos na Itália, incluindo crianças. Como sempre, a justificativa é a segurança, a proteção civil e outros eufemismos.
Vocês podem assinar contra essa medida racista clicando no botão que está no roll, aqui à direita. Mas o roll é a única coisa no Nemvem Quenaotem que está à direita.
Quem quiser saber mais também pode clicar aqui no link do La Voix des Rroms (A Voz dos Ciganos).

Na primeira foto uma das campanhas contra a perseguição de ciganos na Itália (Para mais segurança, ofereça um dedo a Maroni).
A segunda foto é de Marco Zatterin

A César o que é de César

Brasileiros em Buenos Aires, apelo à solidariedade
Gente de Buenos Aires y alrededores: llamado a la solidaridad


O escritor e jornalista Daniel Riera achou na rua essa fofura ferida. O bicho foi atropelado por um carro e levado por Daniel para os primeiros cuidados. Agora ele começou uma campanha entre blogueiros amigos para achar um dono ao César. E eu que na maioria das vezes tô fora dessas coisas, decidi apoiar. Devo estar ficando velho. É um recreio nos assuntos do Nemvem.


César

A una semana de haberlo encontrado, la campaña para ubicar a César es hoy el eje de mis desvelos. Su foto recorre las vidrieras del barrio y la inmensidad del ciberespacio. Ningún escritor regala perritos: ¡aprovéchense de mi! Repito, actualizado, el texto anterior. ¡César es lo más! Denle bola, che. Cópense.
Perrito
Me encontré un perrito herido por la calle. Lo había atropellado un auto y le sangraba una pata. Lo llevé a la veterinaria del barrio: lo curó, lo desinfectó, lo revisó, le cosió la herida de la pata, le dio antibióticos, etc. Le sacó una radiografía y constató que tiene una fractura leve. La semana que viene, cuando le haya sacado los puntos, le pondrá una férula y en pocos días podrá caminar sin problemas. Ahora está bien, vendado y cansadito, pero bien. Es un perrito de un año, mediano callejero color té con leche con más leche que te, más lindo y más bueno que el pan. Me consta que es bueno porque lo llevé a upa una cuadra hasta la veterinaria y el tipo ni se mosqueó. La pregunta del millón es ¿Y ahora? Yo ya tengo perrito y no puedo tener dos. Si alguna buena persona quiere venir a verlo y acaso compartir su vida con él, que me mande un mail y que me deje un teléfono de contacto. Por supuesto, que lo haga cuanto antes porque no lo puedo tener mucho tiempo. Desde ya muchas gracias.
danielcriera@gmail.com

O real inanimado


Eu deveria estar escrevendo
sobre o exausto feliz
lençol amassado
pingado de sêmen
o banho que não lava
os signos do desejo
as pintas que no acaso descobri
a imperativa necessidade
de te afastar de mim
para te esquecer uns segundos
a angústia de saber
que o Rio vai te levar.

Eu deveria estar escrevendo
sobre o homem
que por uns momentos
quebrou a cara da mesmice
sentou porrada
no sorriso do diabo.

Eu deveria estar trucidando
a arrogância do é-sempre-a-mesma-coisa
retaliando os corações
que abandonaram a luta.

Eu deveria estar escrevendo
arranhões nos antebraços
coxas marcadas
doce dor do músculo batalhado
o suor.

Mas nada disso acontece
então só posso escrever
sobre esse não sei que nem nome tem
e nem palavras
porque todas as palavras foram tão imensas
que me perdi
que me perderam.

O real inanimado, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de
Ralph Eugene Meatyard

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Morrer no Estreito


O Merendero de Papa O parece hoje um mercado ambulante. Em poucos minutos, passaram sucessivamente quatro homens negros: um vende relógios; outro DVD; mais um, óculos e bolsas e o quarto, chapéus.
A maioria dos produtos que eles oferecem são falsificações e cópias piratas. Enquanto Pedro prepara espetos de sardinhas para os turistas, um casal de romenos pousa no quiosque. Um toca o acordeom, o outro o pandeiro. Engrenam velhas melodias, La cumparsita, Amapola. Logo depois, os romenos passam o chapéu.
Em paralelo, a linha da praia da Cala de Mijas é percorrida por marroquinos carregados de véus, canjas e blusas. Meu amigo Mohamed leva vários anos fazendo este caminho sob o implacável sol do meio-dia. Do outro lado da linha do horizonte, em uma remota aldeia marroquina, aguardam sua mulher e os seus cinco filhos.
Os quatro negros, os romenos do acordeom, os marroquinos com os seus tecidos são, apesar de tudo, afortunados. Eles fugiram da fome e acharam abrigo nos trabalhos que nenhum espanhol quer e com que apenas conseguem mal viver e mandar uns euros aos seus familiares, tão distantes.
Pior destino tiveram catorze sub-saarianos que desapareceram engolidos pelo mar, a poucos kilómetros daqui, em Motril. A notícia da tragédia, mais uma, chega ao quiosque quando o tráfico de vendedores imigrantes é maior. Eles ainda não sabem. Mas quando acabem exaustos seu longo dia de trabalho, depois de horas e horas andando na areia sob este sol de justiça, com certeza vão comentar com o grupo. Alguém perguntará: Valeu a pena?
Faz uns dias, embarquei em Algeciras, no euroferry Atlántica, com destino a Tânger. O barco apenas leva passageiros. A Operação Estreito está chegando. Encostado na grade da coberta da popa, vejo afastar-se a orla espanhola. Tarifa, Algeciras, o Rochedo, vão ficando desbotados pela neblina. Penso nos milhões de africanos que tentam atravessar o Estreito. Contra o que disse o inefável Maior Oreja, não chegam na Europa pelo efeito chamada. Prefiro, porque é mais exata, a definição de outro ministro do Interior, Pérez Rubalcaba: eles chegam pelo efeito fugida. Eles fogem da fome e da violência dos seus povos.
Como não fugiriam? O 41% da população africana vive com menos de um euro por dia. Seus filhos morrem em uma proporção dez, doze, catorze vezes maior do que na Europa: 168 crianças em cada 1.000, falecem na África sub-saariana antes de fazer cinco anos. A tragédia de Motril levou a vida de 14 pessoas: nove homens, quatro mulheres e uma criança. Um dos 23 sobrevivente, um negro forte, chora arrasado e conta aos voluntários da Cruz Vermelha que perdeu no naufrágio sua esposa, seu filho e um irmão. Mas este homem negro devía estar tão desesperado que, ainda sabendo o perigo que corria, se lançou pro mar com a sua família, tudo o que ele tinha, em uma frágil barca neumática.
Pensava achar aqui o paraíso. Mas lhe esperam notícias ruins: a crise econômica também castiga Europa, a Espanha, a Andaluzia. Ontem mesmo, sabiamos que os 7.000 trabalhadores precários imigrantes que encontraram labuta na colheita da azeitona no ano passado em Jaén, vão ficar esse ano na décima parte, só 700. Os parados (desempregados) espanhóis que antes rejeitavam essa dura tarefa, vão ter que aceitar agora. As hipotecas pesam demais. A construção está um desastre.
E o pior ainda está por vir. Mais de quatro milhões de imigrantes na Espanha, deles 526.942 na Andaluzia, serão os que mais vão sofrer a crise.
Na privilegiada varanda natural do mítico Café Hafa de Tânger, dúzias de garotos sentam no fim da tarde com os olhos cravados no horizonte. Lá, nesses contornos de rochas, começa a Europa. E eles sonham com atravessar o Estreito.Para que? Para vender DVD pirata e relogios nos quiosques como o de Papa O?

Morrer no Estreito, de Román Orozco
Versão para o português de Juan Trasmonte

Na madrugada de hoje, depois de navegar cinco dias à deriva, naufragou uma embarcação com africanos imigrantes que tentavam chegar à Europa pelo Estreito de Gibraltar.
Eu tinha a intenção de escrever sobre isso, mas achei essa excelente crônica de Román Orozco no jornal espanhol El País e resolvi traduzi-la. Os mortos já são quinze, mais um do que quando foi publicada a matéria na manhã de hoje, segundo o fuso horário europeu. São seis adultos e nove bebês. Eles vêm aumentar a soma de catorze que tinham morrido na segunda-feira, num outro naufrágio perto de Granada.
O texto de Orozco vai um pouco mais além, porque a velha Europa está em crise, mas fundamentamente porque todos os dias morrem imigrantes ao mesmo tempo em que as leis da comunidade endurecem.
Román Orozco é jornalista e escritor espanhol. Foi diretor do Cambio 16 e correspondente cinco anos na América Latina. Escreveu vários livros sobre Cuba, entre eles Cuba Santa, e atualmente é editor do El País para Andaluzia.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

George Bernard Shaw e a distribuição de renda


- Como vê o senhor a situação económica da Inglaterra? As coisas vão piorar ou o velho pais conseguirá se dar bem?
- Ficou tarde demais para falar se a Inglaterra ou qualquer outra nação vai se dar bem. A pergunta hoje é: a civilização vai se dar bem? (...) Todo estudioso sério do assunto sabe que a estabilidade de uma civilização depende, no final das contas, da sabiduria com que ela distribui sua renda e tutela a carga de trabalho, assim como da veracidade da educação que fornece às suas crianças. Nós não distribuímos nossa renda em absoluto: a jogamos na rua para que briguem por ela os mais fortes e os cobiçosos, entre aqueles que estejam dispostos a se humilhar nessa briga, depois de entregar a parte do leão aos ladrões profissionais, gentilmente chamados de proprietários.
Enchemos de mentiras às nossas crianças e punimos todo aquele que tenta jogar luz nelas. Os remédios que administramos para reparar as conseqüências da nossa demência são mais impostos, inflação, guerras, vivisecções e inoculações, vinganças, violência, magia negra.Quanto à reforma, nem sequer temos suficiente bom senso para reformar a nossa ortografia. Não quero nem falar! Pergunte outra coisa!

Poderia ser o jornal de hoje, mas não é. Essa entrevista com o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw é de 1931. Foi feita por Hayden Church e publicada no Liberty. Mais de setenta anos depois, as velhas questões não foram resolvidas, as velhas mazelas continuam sendo as mesmas.
Foto de John Hammond
Versão para o português de Juan Trasmonte

terça-feira, 8 de julho de 2008

Corre touro até o mar




Às oito horas da manhã em ponto explode a fagulha, abrem-se as portas do curral e os touros -em média 600 kilos- ganham as ruas de paralelepípedos. Não demoram mais do que três minutos, em geral, em percorrer os 850 metros que os separam das areias onde uma multidão saúda com salvas de palmas fervorosas o final do encierro. Resulta difícil de acreditar que um espetáculo tão curto possa chamar tanto à atenção. Quem não consegue assistir ao vivo aos encierros das festas de San Fermín pode conferir através da excelente transmissão da televisão espanhola.
A tradição remonta à Idade Média, quando os pastores aproveitavam os primeiros clarões de luz para levar às reses até a Plaza Mayor. Eles faziam nessa hora para não atrapalhar o normal desenvolvimento das atividades. Assim nasceram os encierros que hoje são a principal atração sanferminera e atraem uma multidão de espanhóis e estrangeiros entre o 7 e o 14 de julho. TVE televisa o acontecimento desde 1981 com um nível de excelência que permite envolver o espectador que está longe, aquele para quem pode ser difícil comprender a raiz desse ritual. Se enxergar sem preconceito, sem cair no facilismo da brutalidade, os sanfermines são um espetáculo único, fascinante.
O narrador Javier Solano, que sabe tudo sobre a cultura dos touros faz silêncio pra gente ouvir os moços pedindo a proteção do santo, com os jornais enrolados nas mãos. Cada um desses três cânticos culmina com as vivas ao San Fermín, em espanho e em euskera.
E quando o encierro começa o narrador fica calado, ficando só o som direto e as imagens captadas por quinze câmeras distribuídas ao longo do percurso. Depois é só adrenalina pura, com os chifrudos avançando sobre uma massa humana que inclui grandes corredores, temerários corpos desastrados pelo álcool e desajeitados turistas lançados à rua, os principais candidatos a levar uma chifrada. O que eles chamam de “fator touro” é o que provoca essa tensão. O risco constante de ser atingido pelo touro. A cena temida e esperada.
É um verdadeiro milagre de San Fermín que a soma de mortos na história seja só de quinze pessoas, muitos deles estrangeiros que pagaram cara a falta de experiência. Depois vem a reprise com a descrição minuciosa de Javier Solano. Ele diz onde está a atenção, quais as caraterísticas de criação desses touros e o que as pessoas devem e não devem fazer para completar uma bela corrida. Mesmo que pareça a representação do caos, o encierro tem normas. Uma delas é parar de correr quando os touros passam pelo corredor.
Talvez seja difícil entender o que o touro significa na cultura espanhola há séculos, o desafio de forças, a procura do limite, mas esse seria assunto para outra história.

Corre touro, ao mar, investe, nada
e a um toureiro de espuma, sal e areia,
já que tentas ferir, fere à morte.

(Fragmento do poema De verte e no verte, de Rafael Alberti)
Texto de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Fotos da Agência EFE

segunda-feira, 7 de julho de 2008

O braço de Zélia Duncan


Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra.

Dor elegante, de Paulo Leminski, com música de Itamar Assumpção

E por falar em Itamar -duas postagens abaixo- e por falar no fantástico Pretobrás, reparem na tatuagem no braço de Zélia Duncan, que eternizou na própria pele a lembrança do cantor e amigo e também a do poeta.
Zélia gravou junto com Itamar essa música, com um belo arranjo de Paulo Lepetit. É uma recordação comovente.
A foto do braço de Zélia pertence ao arte gráfico do seu disco (e DVD) com Simone, Amigo é casa. O autor é João Wainer ou Emir Penna, não está indicado no encarte qual foto é de cada. Vai para os dois o crédito, porque todas as fotos do álbum -já vou escrever sobre ele- são belíssimas.

sábado, 5 de julho de 2008

O Metropolis que nunca vimos






Foi anunciada essa semana na Argentina a descoberta no Museo del Cine de Buenos Aires Pablo C. Ducrós Hicken da versão completa do clássico Metropolis, do diretor austríaco-germano Fritz Lang.
Até agora considerava-se perdida a versão original do filme mudo que foi estreado em 1927 na Alemánia com sua metragem original. Pouco depois, passou a exibir-se uma versão abreviada. Acontece que essa versão foi a que ficou na Alemánia e que também foi distribuída na Europa e nos Estados Unidos. Mas pra Argentina tinham enviado a inicial de duas horas.
O achado é o resultado de um trabalho de pesquisa da diretora do museu Paula Félix Didier e do pesquisador Fernando Martín Peña. "Quando demos a notícia, na Alemánia não acreditavam na gente." disse ela.
Peça fundamental do cinema de todos os tempos, Metropolis é considerada a primeira obra do gênero de ficção científica. Em sua grandiosidade, a obra de Lang mostra a luta do indivíduo contra o capital.
A última restauração do filme tinha sido feita em 2002. Com o negativo em 16 mm achado agora, Metropolis recupera vinte e cinco minutos para uma nova reconstituição e apresentação.
Pois é, o que tem de bom o juízo final da história é que as vezes muda o final.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

(Outras) Dez músicas brasileiras que fazem minha vida mais feliz




01. Trem das cores (Caetano Veloso)
Trens têm para mim uma magia única. Estão ligados a momentos felizes e também a um momento trágico da minha infância. Essa música, definida pelo próprio Caetano no Verdade Tropical como pertencente a “fase musical mais feliz” da vida dele, é da época da Outra Banda da Terra, que tinha Tomaz Improta, Vinícius Cantuária, Bolão, Zé Luís e Arnaldo Brandão. Sem nenhuma obviedade de colocar um som de buzinha, a música é uma viagem recheada de imagens sensoriais.

02. Vida de artista (Itamar Assumpção)
Incluída no excelente Preto Brás, é um retrato perfeito do saudoso Itamar, feito só com vozes (dele) e violão (dele). A letra, quase como um canto de cisne é indicadora da posição que o Negro Dito ocupou e sustentou.

03. Politicar (Tom Zé)
A volta por cima de Tom Zé via Luaka Bop/David Byrne deu num disco irretocável como é Com Defeito de Fabricação. Lá o espírito inquieto de Tom se apresenta com a teoria da Estética do plágio. Politicar é definida pelo autor como “um arrastão de Rimsky Korsacov com os músicos da noite de São Paulo”. O desprezo pelo poder em estado puro.

04. Cultura (Arnaldo Antunes)
Do projeto multimídia Nome, que tem um vídeo, poesia, pintura, música e que hoje duvido que a BMG publicasse como publicou em 94. Máquinas de ritmo, teclados programados e a obsessão estética de Arnaldo de redefinir as coisas com poesia. Jóia.

05. Olhos coloridos (Sarará Crioulo) (Macau)
Morando no Rio tive a imensa sorte de conhecer Macau e ouvir ele contando, lá do alto da Rocinha, as histórias da época da Black Rio e a Tropa Maldita. Soul y funk made in Brasil.

06. Estácio, Holy Estácio (Luiz Melodia)
E por falar em Macau, vem um amigão dele, mestre do blues e do funk mas com o DNA do samba no sangue. Conheci por Maria Bethânia e fui catar a versão original. Se Melodia tivesse nascido nos Estados Unidos seria cultuado como o Isaac Hayes. Mas acho que ele ainda prefere ter nascido no Estácio.

07. Que maravilha (Jorge Benjor – Toquinho)
Jorge Ben (jor) disse certa vez numa entrevista num jornal do Rio de Janeiro que ele se orgulha de nunca ter feito uma música triste. Que maravilha é o exemplo. “Toda molhada linda e despenteada, que maravilha, que coisa linda que é o meu amor” Pois é, nem o maior toró atrapalha o encontro amoroso (imagino que com Teresa). Parceria com Toquinho, o que é estranho também porque a maioria das músicas do Benjor não têm parceiros.

08. Sentimental eu fico (Renato Teixeira)
Ja dei minha opinião sobre Renato Teixeira. Isso aqui e existencialismo no bar. Na voz de Elis então é de arrasar. Ideal para “lobos cansados carentes”.

09. Pra você gostar de mim (Vital Farias)
Entre as muitas virtudes de Zeca Baleiro e a turma dos maranhenses, deve-se apontar a valorização do cantador paraibano Vital Farias. “Vou jogar toda esperança numa conta de poupança pra você gostar de mim”. Há uma ótima versão de Rita Ribeiro.

10. Pólvora (Herbert Vianna)
Esse Big Bang dos Paralamas é um disco fodástico. Ganhei da minha amiga Gisele Theodoro numa fita casete que tinha esse de um lado e o Blesq-Blom do outro. Só que era uma daquelas que tinham 30 minutos de cada lado então os discos não entravam por inteiro. Mas essa Pólvora estava lá, com um Herbert afiadíssimo em música e letra numa base ska, o Barone indomável, o Bi segurando a bola e uma seção de ventos nota dez num crescendo maravilhoso. Me deixem fazer justiça citando eles: Mattos Nascimento, Demetrio Bezerra, Monteiro Jr.

Continua a série, gente. De novo, não há ordem de valor. Curtam, procurem as que não conheçam, ouçam. É melhor que Rivotril.