terça-feira, 30 de junho de 2009

Pina



"Meus espetáculos vivem da fantasia de quem assiste. Eles não são só o que eu quero que sejam, mas o que cada pessoa cria com o seu olhar"


"Tenho tanto que fazer e o tempo passa tão rápido..."

Pina Bausch (1940-2009)

Foto 1 de Frank Augstein
Foto 2 de Marten vandeen Abele

domingo, 28 de junho de 2009

Benavente e a Espanha emigrante



Sábados ao meio-dia tem cerimônia de almoço na casa da minha mãe. Eu aproveito para ver ela e encontrar meus irmãos e sobrinhos. Mas a visita sempre tem um bonus. Difícil é voltar de lá de mãos vazias. Já é de praxis que ela diga:

- Vê se tem alguma coisa pra você lá.

“Lá” é uma pilha de papeis, recortes de jornal e afins e pode abranger desde uma entrevista da Marisa Monte no jornal Clarín até um caderno meu da escola.
A maioria das vezes eu digo

- Joga fora, mãe.

Mas quase sempre encontro pelo menos uma pérola. Ontem foram uns livros franceses da época em que ela estudava a língua, na adolescência dela, vários livros de teatro do meu pai, incluído uma espécie de “Manual do ator” de épocas pretéritas e um livro de crônicas e peças curtas do grande escritor espanhol Jacinto Benavente, prémio Nobel de Literatura em 1922.
Meu pai conheceu Benavente quando ele veio para Buenos Aires por causa da estreia da peça “Los intereses creados”. Um dos tesouros mais prezados da minha família é a dedicatória de punho e letra do autor, parabenizando meu pai pela interpretação de um dos malandros que protagonizam a peça.
Lembro da admiração com que meu pai falava de Benavente, das suas frases brilhantes e do humor irônico que o esanhol praticava. De maneira que não foi uma surpresa achar um outro livro dele entre tantos que meu pai deixou.
Mas foi uma surpresa e tanto encontrar naquele livro um texto de Benavente sobre os emigrantes espanhóis nos começos do século vinte. Isso no mesmo dia em que eu lera no jornal que Espanha adotava normas mais rígidas com os imigrantes.
Pensei que merecia uma tradução. Vejam como mudaram os tempos e o signo. Vejam o troco que a Espanha -outrora pais de emigrantes- da hoje para os imigrantes.

A Espanha dessangra-se, a Espanha despovoa-se; é uma fugida louca como de exército em dispersão, que na fugida consuma a sua derrota e a sua ruina. E em nome de quem vamos detê-los? Que lei pode obrigar a morrer de fome? Toda terra é terra de promessas para quem nada tem na sua. Quem foge não escolhe o caminho. Ai, a derrota dos otimistas que ainda julgam à natureza, mãe amorosa, que tem no colo calor para todos os filhos dela!
Como o rei Lear, na sua loucura de pai, assim pode clamar a Espanha: “Venham, filhos! Eu vos darei emigrantes para levar para terras longinquas. Não a grandeza da epopeia de outros tempos mas desolação, miséria e morte”.
Nada mais triste que um desses barcos atestados de emigrantes, mercadoria barata pela que ninguém vai exigir indenização por perdas e danos, aconteça o que acontecer. E se o barco não for daqueles destinados para ese transporte só, se os passageiros de luxo, com todas as mordomias são oferecidos como contraste, onde achar mais cruel desigualdade?



Emigrantes (fragmento), texto de Jacinto Benavente, do livro Crónicas y diálogos (Ediciones literarias J. Pallarés, Valencia, 1911)
Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto de imigrantes detentos nas Ilhas Canárias, da Agência AP

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O tom confessional



Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí. Deixem-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar. Ando meio desligado, já não sinto os meus pés no chão...
Tudo isso, mais ou menos.
Nesse último mês, como vocês perceberam, andei meio sumido do blog. Será que é possível sumir de um espaço virtual? Sei lá, mas é assim como eu me sinto. Curioso é que não estou tão preocupado pela ausência dos meus textos tanto quanto pelo fato de não estar prestando atenção aos amigos da área. Dizem os que são especialistas nesse negócio que o pior pecado que pode fazer um blogueiro é não prestar atenção aos visitantes.
A realidade diz que a produção do programa Club Brasil está tomando boa parte do tempo que eu dedicava ao blog. Quando não estou preparando o programa mesmo, estou ouvindo possíveis músicas para programar e assim os dias se passam até eu descobrir que pela primeira vez o blog ficou uma semana sem ser atualizado. Eu estou menos atento ao que acontece em volta e mais enfiado na realização desse programa que, aliás, está me deixando muito feliz, pelo trânsito e pelo resultado. Mas será o programa o vilão do blog?
Afinal para que ganhou a vida muito tempo escrevendo, um dos prazeres do blog que não tem pretensões comerciais é que o fato de escrever não é uma obrigação.
Ao mesmo tempo (a palavra tempo é a figurinha repetida), vejo que os últimos textos ganharam um tom confessional, quando na verdade sempre estive aqui nesse espaço mais interessado no olhar sobre a obra dos outros.
E no domingo passado ainda deu um tilt no meu micro que só não perdi tudo porque o apocalipse aconteceu na parte do rígido em que o Windows estava localizado.
Os meus textos e tudo mais (isso que Windows chama de “Meus documentos”, como se a gente estivesse na escolinha) foi salvo, mas os meus “favoritos” foram pro espaço, e com eles a pasta com todos os links do blog com que eu mexia. Essa parte é pra começar do zero.
Não sei se as coisas acontecem misteriosamente ou por determinação dos planetas, mas a soma disso tudo e cada uma dessas partes está dando nisso.
Nem pensei em parar. Imagino que este silêncio blogueiro seja parte de um ciclo.
Espero que os amigos e todos os meus três leitores saibam entender. O desejo não sumiu, só está olhando para outros cantos, e bota cantos nisso.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Especial Dia dos Pais no Club Brasil



Para ouvir online, acessar o site da Blue FM e clicar na opção "Radio en vivo"

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Valeria Ueno



A maravilha da arte é a capacidade que ela tem de surpreender a gente. Isso que, de repente, acontece. Essas pérolas que, de uma hora para outra, a gente tem nas mãos, ou na frente, ou entrando pelos ouvidos para atravessar o corpo.
O Boris Reith, que é meu colega na gravadora e além de colega é broder, organizou a mostra da jovem artista Valeria Ueno, cuja reprodução em escala menor vocês têm aqui.
Ralando pra caramba, com pouco apoio, eles conseguiram montar essa mostra e apresentar o trabalho da Valeria pra gente que como eu, não a conhecia.
Está lá, na Galería de Arte del Centro Flores de la Alianza Francesa, que fica na rua Granaderos 61.
Uma boa para os que estão em Buenos Aires. Pros outros ficam as imagens e o link do blog dela. A gente sabe bem onde esses links começam, mas nunca onde vão parar. Tomara que possa dar em uma boa troca para ela também.



Reproduções de pinturas de Valeria Ueno

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Moreno da Maria



Domingo que vem aqui é o Día del padre, seguindo a tradição dos Estados Unidos. Lá instituiram aquela data por causa do viuvo de uma tal Sonora Smart (bonito nome, certo?), que morreu no parto do sexto filho. Aí o Henry Jackson Smart criou sozinho os seis filhos e parece que virou heroi nacional.
Sei lá, em outros países católicos, estão regidos por São José (19 de março), no Brasil (e na Samoa!) e lá pra agosto e por aí vai.
O caso é que eu resolvi dedicar o programa Club Brasil do próximo sábado só à música de pais e filhos.
Então há dois dias que estou programando a brincadeira. E como o programa é completamente roteirizado, hoje entrei no site do mano Caetano para checar a data do lançamento do Cores, Nomes, onde está a primeira parceria dele com o filho Moreno. Aí me deparei com esta belíssima foto da amiga Maria Sampaio, de Caetano junto com Moreno num show de apresesentação daquele disco.
A querida Maria deve ter um contexto e talvez uma história por tras dessa imagem. Talvez ela venha aqui contar. Por enquanto fica a foto bela de Maria olhando pro Moreno e Moreno olhando pra Maria.
E eu vou continuar descascando o abacaxi do programa do próximo sábado.

Foto de Caetano Veloso e Moreno Veloso, de Maria Sampaio

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Dia dos namorados



Nem todas as histórias de amor têm final feliz, mas como dizia o Poetinha, "que seja eterno enquanto dure".
Não dou a mínima para essa data, mas esse ano me deu vontade de fazer algo aqui. Devo estar ficando velho.

Foto de Kurt Cobain e Courtney Love, de Michael Lavine

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Bonnie and Clyde, 75 anos depois


Os verdadeiros


Os do cinema

Setenta e cinco anos depois, Bonnie & Clyde, o casal mais famoso da história do crime, volta à cena, depois que o FBI achou arquivos que revelam detalhes da cilada que "os federais" montaram para caçar os bandidos.
Os jovens Bonnie Parker e Clyde Barrow começaram fazendo pequenos furtos em postos e, em pouco tempo, entraram num turbilhão de violência e viraram os maiores inimigos públicos dos Estados Unidos, em uma época em que histórias de gangsters eram acompanhadas como hoje acompanha-se a novela das oito. Em uma época em que a sociedade precisava de heróis e malvados para fugir do amargor da depressão econômica.
O FBI resgatou relatórios, documentos e fotografias da aventura que acabou com a morte do casal, em maio de 1934, e que até hoje é citado como um dos pilares da construção do prestígio do FBI.
Entre os telegramas oficiais da polícia de vários estados, apareceram cartas de civis que afirmavam ter visto o casal; um relatório que diz que no condado de Texas, alguém esperava Clyde com 250 balas e a reconstrução detalhada dos passos seguidos pelos bandidos e das ações policiais na perseguição. Todo essa informação poderá ser consultada por pesquisadores, jornalistas e também será texto de estudo nas academias da polícia.
E como nos Estados Unidos todo acaba em filme, em 1967, Warren Beatty e Faye Dunaway vestiram com seu charme os personagens, no hoje clássico filme de Arthur Penn. E já foi anunciado para o ano próximo um novo filme: The Story of Bonnie and Clyde, com Hillary Duff, Kevin Zegers e (talvez) Michael Madsen e Lee Majors.
A história de Bonnie and Clyde teve todos os ingredientes para despertar sentimentos encontrados: morbo, paixão e crime.

They don't think they're tough or desperate
They know the law always wins
They've been shot at before, but they do not ignore
That death is the wages of sin.

Someday they'll go down together
And they'll bury them side by side
To few it'll be grief, to the law a relief
But it's death for Bonnie and Clyde.



The Story of Bonnie and Clyde (fragmento), de Bonnie Parker, escrito umas semanas antes de morrer.
Foto de Bonnie Parker e Clyde Barrows da Agência AP
Foto de Faye Dunaway e Warren Beatty no filme Bonnie & Clyde, divulgação
Foto de curiosos e volta do carro dos arquivos do FBI

quinta-feira, 4 de junho de 2009

David Carradine e a inocência perdida



O protagónico do seriado Kung Fu era para Bruce Lee, mas parece que alguém na ABC não quis que o personagem fosse confiado a alguém que não era auténticamente estadunidense. Algo assim como quando chamaram Brando para fazer Emiliano Zapata. Aquilo só foi salvo porque Brando é Brando, mas o physique du rol não dava mesmo. Já no mesmo filme, estava o verdadeiro mexicano Anthony Quinn, que acabou faturando um Oscar.
Um dia eu escrevo sobre o racismo em Hollywood, mas o caso é que quando rejeitaram Bruce Lee, os executivos do estúdio colocaram no lugar dele "o filho do John Carradine", que tinha os olhos puxados mas era bem dos USA.
Deu certo porque o seriado teve um sucesso além do esperado. Durou cinco temporadas. O rosto pouco expressivo de David caia como uma luva no monge Shaolin, que havia sido ensinado para não exibir emoções.
Em casa, Kung Fu era ponto obrigatório. Uma vez por semana, depois da janta, a gente distribuia as cadeiras na frente da televisão em preto e branco. A luz era desligada, só ficava uma pequena lámpada da escrivaninha "porque não faz bem assistir tevê no escuro".
A mistura de filosofia oriental com cenas de porrada produzia um fascínio na criança que eu era.
Depois David foi sumindo, como tantos atores devorados pelos personagens de sucesso.
Com o tempo, ele apareceu como protagonista do filme A flauta silenciosa, que também herdara do Bruce, que mais uma vez tinha sido rejeitado por Hollywood. Era mais ou menos o mesmo personagem com nome diferente.
Quando comecei a viver de assistir filmes e escrever sobre eles, li que David foi uma figura tingida pela cultura hippie e comecei a achar mais simpatia na pessoa que nos personagens, tirando o Kwai Chang Caine, que como todas as coisas associadas à infância podem ser ruins, mas são intocáveis.
Foi Tarantino, o antropófago mor do entertainment dos setentas, quem resgatou para Kill Bill um David Carradine, caricato de si mesmo, que brincou com sua lenda.
Já estava além do bem e do mal, tanto como para aparecer morto sentado no teto de um armário e meu lado criança sentir tristeza, mas meu lado adulto não achar surpresa.
Quando perdemos uma figura dessas, também sentimos tristeza pela nossa inocência perdida.



Foto de David Carradine no seriado Kung Fu da Agência Reuters
Foto atual de David Carradine da Agência AP

quarta-feira, 3 de junho de 2009

As migranhas, Almodóvar e o Tai Chi Chuan



Na entrevista em que apresentou seu último filme, Los abrazos rotos, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar contou que o roteiro do filme foi escrito no meio de migranhas ferozes. Eu fiquei maravilhado, de novo, com o milagre da criação. Lembrei de Frida Kahlo, prostrada na cama depois que o acidente quebrou a coluna dela, pintando essas obras maravilhosas. Isso é tirar leite das pedras mesmo.
Poucas semanas depois, comecei a acordar no meio da noite por causa de uma dor no olho, como se alguém estivesse puxando dele para atrás com uma pinça. Eu padezi essas migranhas por ciclos, de cinco em cinco anos mais ou menos, sempre por questões relacionadas com a visão. A primeira vez foi quando descobri que precisava usar óculos; a segunda, quando os óculos ficaram velhos.
Lembro da última porque foi em 2001, na época em que morava no Rio.
Enfim, o caminho natural foi consultar meu oftalmologista que eu não via por mais de uma década.
Mas oftalmologista, igual que clínico e dentista eu acho que não é médico pra escolher de uma lista. São, na minha concepção integrista, que nem o amor, se for possível, eles têm que ser pra vida inteira.
Cheguei lá e encontrei a figura. Filho e neto de oculistas, membro conspícuo do Conselho de Oftalmologia. Magro, com essa barba de filósofo dos anos setenta, Rafael é do estilo menos é mais. Quando fui pedir mais aumento nos óculos, ele quis tirar; mandou eu ficar longe de todo tipo de telas e comer pouco nas épocas de muito trabalho.
Outra vez que uma conjuntivite estava me apurrinhando (e eu que não ia com ele porque não estava no meu serviço médico) e me mandou parar com todos os colírios e fazer uma solução com água e xampu Johnson pra crianças e passar nos cílios. Sarei depois de um mês de enfiar laboratórios inteiros nos olhos.
Dessa vez ele checou os meus óculos, olho fundo no fundo dos meus olhos, tomou a pressão deles e disse:

- Sua visão está melhor do que a última vez que eu te vi. Sim, você desenvolveu um pouco de astigmatismo, mas reduziu a miopia. Acontece com os anos. Não é por aqui. Você está bem do fígado?
- Acho que estou.
- Essas migranhas são típicas de pessoas que estão muito tempo sentadas. Quando você levanta da cama, passa, certo?
- Depois de um tempo, passa.
- Então... você não é que fazia Tai Chi Chuan?
- Iiiih, Rafael, há muito tempo que parei.
- Talvez seria bom voltar. Senão faça ioga. Vou te mostrar umas asanas, que são fáceis.

Ato seguido, Rafael deitou no chão do consultório e com os braços esticados e as palmas pro chão levantou as pernas e levou as por cima da cabeça.
- Andar também é muito bom. No sábado passado, minha mulher e eu andamos cinco horas.

Eu saí de lá aliviado por não ter nenhum tubarão mordendo meu olho, mas já cansado de pensar o que seria de mim saindo pra andar cinco horas.
Resolvi voltar pro Tai Chi, que já estava dando voltas na minha cabeça. E estou fazendo o esforço intelectual para começar essa semana, enquanto reservo uma sessão com minha fisioterapeuta, que é uma garota filha de japoneses que mistura as técnicas ocidentais com as orientais.
Mesmo assim, no percurso dessas novas decisões, está custando dormir a noite toda sem uma dose de ergotamina.
E como uma das minhas reclamações na frente do espelho estava sendo a falta de tempo pra escrever, decidi dar uma de Almodóvar. Claro, longe de pretender chegar na altura da unha do pé dele. Mas quando a dor me acorda, encaro o caderninho e maltrato versos. Série que já dei em chamar “Poemas da migranha”.

Ando perambulo ambulo devaneio
nas sombras da casa
feito uma criatura
dos pesadelos de Almodóvar
bêbado dos licores do aquecedor
ando feito pagador
carregando o andor
arrancado do reino
dos sonhos sem dor
feito zumbi de George Romero
zumbi de Cannes sem palmarês
do sonho mor de ser
no útero
ao chão de papelão
amanhecer sem cobertor
no escuro menos cúmprice
puxado pelo olho
que me expõe
jogado no mistério
dessa dor.

Migranha (I), de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de Pedro Almodóvar de Ruven Afanador