domingo, 31 de dezembro de 2006

A eterna tensão




Nem sonho de valsa
nem toque de Ketu
nem papel de enrolar
nem pedaço de pão
sagrado na divisão
nem Ederlezi
nem vela acessa
mas bela e fera
nem Rio-Ribeira
nem quarta-feira
cinzas ferrugem
nem Jovelina
nem Argentina
nem Mestre André
nem álibi
nem ai de mim
nem invenção



só a eterna tensão
entre esperança
e decepção.








Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)


Foto de Syril Nicolas

sábado, 30 de dezembro de 2006

Patti faz sesentinha







We waltzed beneath motionless skies


all heaven's glory turned in your eyes


we expressed such sweet vows




oh till death do us part


oh till death do us part


oh-oh




We waltzed beneath God's point of view


knowing no ending to our rendezvous


we expressed such sweet vows




oh till death do us part


oh till death do us part


oh-oh


oh till death do us part


oh till death do us part


oh-oh




We waltzed beneath motionless skies


all heaven's glory turned in your eyes


you pledged me your heart




till death do us part


you pledged me your heart


till death do us part


till death do us part





(My Madrigal, Patti Smith - Luis Resto)


Foto de Robert Mapplethorpe


Foto de Franz Gertsch

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Deus em insulfilme


A merda do Dona Marta
vaza na baia
em volta dos veleiros
que ninguém guia
vermelho Pão de Açúcar
gringalegria
no chafariz da Glória
inglória sangria

e nesse tudo vale
aceito vale
olha o rapa
correr pra quê?
“Só Deus é fiel”
em insulfilme
cachorros latem
nas ribanceiras
depois dos tiros
fumaça azul
do churrasquinho
“Santa Izabel
saindo agora!”
e por aí vai

e nesse tudo vale
aceito vale
ninguém merece
fugir pra quê
se o bicho pega
mesmo no pé
no peito e fome
esperapena
na plataforma
uns têm cancela
outros têm... porra
nenhuma senha
nem sonho dorme

e por aí vai...



Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Pessoas pelas que vale a pena "quemar el cielo" (V)


HOY: MARIANA



Inocente natalina
ela é toda brasileira
ela é toda argentina
ela é toda estrangeira
e de nada ela é toda
não está pra marias ritas
nem pra letras distorcidas
ela é toda Luluzinha
vira a noite
dormem os justos
nos seus cabelos
molhados

raiou o dia
vira
a noite
virou dia

mãos que desenham no ar
tem uma em Las Cañitas
e uma outra Guanabara
Poa por que por acaso
Luluzinha das avencas
delicadas de umidade
era noite
já é dia
teu santo rir amanheça

seja contigo a leveza.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)

Jovelina


Deixa comigo, deixa comigo

Eu seguro o pagode e não deixo cair é

Sem vacilar é é

Sem me exibir

Só vim mostrar, é

O que aprendi


Eu sou partideira da pele mais negra

Que venho e que chego para improvisar

Já vi partideiro que nunca vacila

Entrando na fila querendo versar

Mais dou um aviso que o meu improviso

É sério é ciso não é de brincar

Otário com aço eu mando pro espaço

Eu sambo, eu faço o bicho pegar.


Luz do repente (fragmento). Marquinhos PQD, Arlindo e Franco criaram. Jovelina Pérola Negra cantou como ninguém.


terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Stipe


"When you meet a stranger, look at his shoes. Keep your money in your shoes".


Michael Stipe


IGNORELAND


These bastards stole their power from the victims of theUs v. Them years

Wrecking all things virtuous and true

The undermining social democratic downhill slide into abysmal

Lost lamb off the precipice into the trickle down runoff pool


They hypnotized the summer, 1979

Marched into the capital

Brooding duplicitous, wicked and able, media-ready, heartless andlabeled

Super U.S. citizen, super achiever, mega-ultra power dosing

Relax. Defense, defense, defense, defense.

Yeah, yeah, yeahYeah, yeah, yeah

Ignoreland

Yeah, yeah, yeah

Ignoreland


The information nation took their clues from all the sound-bitegluttons

1980, 84, 88, 92, too. Too

How to be what you can be

Jump jam junking your energies

How to walk in dignity with throw up on your shoes

They amplified the autumn, 1979

Calculate the capital

Up the republic, my skinny ass, T.V. tells a million lies

The paper’s terrified to report anything that isn’t handed on apresidential spoon

I’m just profoundly frustrated by all this

So, fuck you man (Fuck ‘em)

Yeah, yeah, yeah

Ignoreland

Yeah, yeah, yeah

Ignoreland


If they weren’t there, we would have created them

Maybe it is true

But I’m resentful all the same

Someone’s got to take the blame

I know that this is vitriol

No solution, spleen-venting

But I feel better having screamed, don’t you?

They desecrated winter, 1979

Capital collateral

Brooding duplicitous, wicked and able, media-ready, heartless andlabeled

Super U.S. citizen, super achiever, mega-ultra power dosing

Relax. Defense, defense, defense, defense.

Yeah, yeah, yeah

Yeah, yeah, yeah

Ignoreland

Yeah, yeah, yeah

Ignoreland

yeah, yeah, yeah

Ignoreland

Yeah, yeah, yeah

Futuro Presentíssimo


Irei saber um dia
serei arquivo serei companhia
envelhecer verei darei vigília
terei virilidade sem intrigas
tal e qual velho vinho sentarei
o bom do meu segredo cultivado
irei saber um dia
onde tremeu olhar que me desfia
isso será um dia
más nada tira o ato o agora
desse hoje
seu presentismo esse nesse instante
que os braços abre até explodir as veias
que estica meu expande e meu abrange espalha
que é mais presente do que todos os ponteiros
mais esperanço do que os meus peregrinos
agradarei não sei se saberei agradecer
agarrarei seus graus temperatura sua

irei saber um dia aonde irei parar.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Sérgio P.

Eterno Miguel



Miguel Hernández, poeta e soldado republicano, morto na Guerra Civil da Espanha. Ante la vida, sereno em versão bilíngüe. Pois é, tive a ousadia de traduzir.


ESPANHOL


Ante la vida, sereno

y ante la muerte, mayor;

si me matan, bueno:

si vivo, mejor.


No soy la flor del centeno

que tiembla al viento menor.

Si me matan bueno:

si vivo, mejor.


Aquí estoy, vivo y moreno,

de mi estirpe defensor.

Si me matan, bueno:

si vivo, mejor.


Ni al relámpago ni al trueno

puedo tenerles temor.

Si me matan, bueno:

si vivo, mejor.


Traidores me echan veneno

y yo les echo valor.

Si me matan, bueno:

si vivo,mejor.


El corazón traigo lleno

de un alegre resplandor.

Si me matan, bueno:

si vivo, mejor.



PORTUGUÊS



Diante da vida, sereno

e diante da morte, maior;

se me matarem, bom:

se eu viver, melhor.


Não sou a flor do centeio

que treme ao vento menor.

Se me matarem, bom:

se eu viver, melhor.


Aqui estou, vivo e moreno,

de minha estirpe defensor.

Se me matarem, bom:

se eu viver, melhor.


Nem do relâmpago nem do trovão

posso ter temor.

Se me matarem, bom:

se eu viver, melhor.


Traidores me jogam veneno

e eu lhes jogo valor.

Se me matarem, bom:

se eu viver, melhor.


O coração trago cheio

de um alegre resplandor.

Se me matarem, bom:

se eu viver, melhor.


segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Saudades do Itamar


na sala numa fruteira

a natureza está morta

laranjas, maçãs e pêras

bananas, figos de cera

decoram a noite torta

sob a janela do quarto

a cama dorme vazia

encaro nosso retrato

sorrindo sobre o criado

no meio da noite fria

está pingando o chuveiro

que banho mais apressado

molhado caíste fora

no espelho minh'alma chora

lá fora está tão gelado

sozinho nesta cozinha

em pé eu tomo um café

na pia a louça suja

me lembra da roupa suja

no tanque que a vida é.

Noite torta, de Itamar Assumpção

No meio


Por onde entra coxa sai desejo
por onde entra medo sai tremor
por onde entra bala sai vermelho
por onde entra lira sai cantor
por onde entra massa sai biscoito
por onde entra soul sai Ed Motta
por onde entra taco bola oito
por onde entra negro sai a cota
por onde entra pau sai ser humano
milagre mandarim manjericão
miragem sai entra motor cigano
mistério do delírio piração
por onde entra noivo sai marido
por onde entra dor sai oração
por onde faz de conta sai sentido
por onde entra amor sai ilusão.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Kris Laudato

Juliette


Estou apaixonado por Juliette Binoche desde que vi Mauvais sang, em 1987.
Ela tem a capacidade de abrir o sorriso mais luminoso sem exibir um dente e, quinze segundos depois, cobrir seu rosto de melancolia.

E ela nunca perde a elegância. Até pra morrer ela é elegante.
É, estou apaixonado por Juliette Binoche. Só que ela ainda não sabe.

Mutismo



Não diga nada
nem isso nem aquilo
até pensar abrir a boca
pode mas não diga amor
nem por acidente
não diga tire essa palavra
seja prudente prove silente
pode falar bobagem besteira
separar lábio vibrar dente
botar a língua pra fora palavra
instalar ar arrumar arrepio
barquinho vela navio estaleiro
cuidado cale pecado punido
não diga agora nem fale depois
não chega basta segure mutismo
essa palavra amor que maltrata
maldigo diga bendito ditado
acalme tudo teu gelo sagrado
piedade pele peleja paciência
não nunca nada nem abre censure
pelo amor de Deus do Dalí do dadá
por favor rogado favor por favor.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Gabina

Música para pastillas


Flacas gimnastas de América.
Secas, austeras soviéticas,
muchachitas fatales
en blancos zoquetes chinos.
Son todas joyas, patricias de amor.
La más hermosa niña del mundo
puede dar sólo lo que tiene para dar.
Música para pastillas (¡rápido!)
y mucha cuchillería.
¡Pará, mi amor, esto está muy Shangai!
Roqueros bonitos, educaditos.
Con grandes gastos, educaditos.
Emboquen el tiro libre,
que los buenos volvieron,
y están rodando cine de terror.


Música para pastillas, de Indio Solari

Musa minha


Minha musa
sem você
a taça está vazia
musa misa mousse
chocolate na boca
efímera maçã
pobre alma oca
casa sem asa
pobre pedreiro
sem massa
musa minha
sem você
nessa folha
nada passa
toque de medusa
musa minha
andorinha.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Emma Laroche

Pessoas pelas que vale a pena "quemar el cielo" (IV)


HOJE: BIA


Tia Bia do samba, do Mengão, do Rio... Tia Bia da Portela, do Beco da cirrose e do sorriso.

Sandino


Con un gesto suave se sacó de encima a ese cuerpo blanquecino sudoroso, a ese rostro enrojecido por la excitación que torpemente se hundía en su cuello moreno. La cama dejó de crujir. El polvo de los caminos ardió en su nariz con el movimiento de las sábanas desentramadas por tantas piernas.
El gringo se vistió con sus ropas de marine y antes de calzarse las botas, sacó unos dólares arrugados del bolsillo. Pero esta vez ella no quiso dinero, pidió un fusil de recuerdo. “Uno de los nuestros” le dijo con sonrisa compradora. Y fingida.
Cargó el viejo fusil y una ristra de municiones y fue al encuentro de las demás. Otras putas de Puerto Cabezas que habían hecho lo mismo. Entre las sombras de la noche y la alborada fueron a buscar a los hombres que venían de San Albino para entregarles las armas.
Eran treinta mal trazados y tan humilde era su estampa de soldados como lo era la de esas muchachas para ofrecer su cuerpo. El jefe se abrió paso entre la tropa, enjuto, mirada firme, sombrero de ala ancha, rostro aindiado…
Volvió a agradecer y les pidió que se apuraran, que andaban los milicos de Chamorro.
Los hombres se perdieron en la espesura y las mujeres volvieron andando a ritmo sostenido y cuchicheando…
- ¿Cómo dijo que se llamaba?
- Sandino. Augusto César Sandino.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Texto sobre o início em 1926 da luta armada de Augusto César Sandino em Nicaragua, escrito em 2000 para o programa de rádio Doble Equis

Reconvexo


Eu sou a chuva que lança a areia no Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não
Eu sou o preto norte-americano forte com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música,
A mais velha e mais nova espada e seu corte
Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãosinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo.


Caetano Veloso

Foto de Bob Portugal

Língua estrangeira


Como eu digo
vontade de comer
como eu digo
desejo de matar
como eu digo
atração pelo sexo
chamado de oposto
como eu digo
adriana calcanhotto
barca vital brazil
como eu digo
corrente no pescoço
ninguém quer te ouvir
ferreiro espeto de pau
caminhando contra o vento
e otras cositas más
como eu digo
cadê o fim do tunel
dor de dente de repente
como eu falo
labirinto menstruação
um dia tive uma idéia
como eu digo
as pedras de São Conrado
deserto na geladeira
blecaute no iluminismo
beira da beira do abismo.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)

Bonga... e viva Angola


MULENGA XANGOLA


Kassanzu uá bixila

Menekenu mukuenu

Kubanza kuá muxima

Menekenu kubata


É mulemba Xangola

Ai-ué mulemba xangola


Ai-ué luanda

Ai-ué N'gola

Ai-ué Bahia

Etu Mudietu


É mulemba Xangola

Ai-ué mulemba xangola


Mulembeira milenar

Da magia kalundu

Angola ritual

Africanos olodum


É mulemba Xangola

Ai-ué mulemba xangola


Salvador da tradição

Mulemba Xangola

Unidas nações

Saudai-vos agora


É mulemba Xangola

Ai-ué mulemba xangolas

El sueño de la razón produce monstruos


Soñando que soñaba me encontré

al lado de un extraño personaje,

un viejo entre el Capricho y el Desastre

fundido a una paleta y a un pincel.


Pintaba, ensimismado, en la pared

un fresco con los locos más infames

revueltos en un sórdido aquelarre

a modo de ensalada Baudelaire.


Quinta del sordo,

casa de locos,

el sueño de la razón

produce monstruos.


En medio de la insólita reunión

batíase el de la Triste Figura

en duelo contra un órgano que Schumann

tocaba con la oreja de Van Gogh.


Bailaba junto al fuego Maldoror

un vals con Luis II de Baviera

debajo de los pétalos que Ofelia

regaba desde un éxtasis de Artaud.


Quinta del sordo,

casa de locos,

el sueño de la razón

produce montruos.


Sufría una alucinación Rimbaud

y en ella se le aparecía Hamlet

montado a lomos del Marqués de Sade

tirado por Calígula y Nerón.


Atada por el Capitán Ahab

dejábase violar Juana la Loca

por Hölderlin y Nietzche en plena euforia,

un poco más allá del bien y el mal.


Quinta del sordo,

casa de locos,

el Sueño de la Razón

produce monstruos.


Transido por aquella bacanal

de reyes, criminales y poetas

caí desvanecido en la quimera

del otro lado de la realidad.


De pronto aquella orgía se esfumó

y al despertar me vi mirando a Goya

dormido bajo el Reino de las Sombras

del sueño que soñaba mi razón.


Quinta del sordo,

casa de locos,

el sueño de la razón

produce monstruos.


Luis Eduardo Aute

Grabado de Goya, El sueño de la razón produce monstruos

Caligrafia carioca


Luis de Góngora



Esqueci espanhol
de tanto falar sozinho
de tanto cantar Caetano
de muito escrever assim
caligrafia carioca
nas tuas costas
escureci Quevedo
desvaneci Dom Luis
por força de ler teus lábios
ainda filho do latim
eu já fui uma língua
que não sou.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)

Nick in the mercy seat



I don't believe in an interventionist God

But I know darling that you do

But if I did I would kneel down and ask Him

Not to intervene when it came to you

Not to touch your hair on your head

But to leave you as you are

And if He felt He had to direct you

Then direct you into my arms


Into my arms oh Lord

Into my arms oh Lord

Into my arms oh Lord

Into my arms


I don't believe in the existance of angels

But looking at you I wonder if that's true

And if I did I would summon them together

And ask them to watch over you

To each light a candle for you

To make bright and clear your path

And to walk like Christ in grace and love

And guide you into my arms


Into my arms oh Lord

Into my arms oh Lord

Into my arms oh Lord

Into my arms


But I believe in love

And I know that you do too

And I believe in some kind of path

That we can walk down me and you

So keep your candle burning

Make a journey bright and pure

That you'll keep returning always and evermore


Into my arms oh Lord

Into my arms oh Lord

Into my arms oh Lord

Into my arms.
Into my arms, de Nick Cave

Exposição de amores


Amores absurdos
sem limite sem sentido
linha de trem
pra lugar nenhum
possuir ninguém
carne viva
chaga pele
amores retocáveis
intocáveis
incontados
amores sem destino
vermelha cor
rasga coração
pressos na garganta
e na veia motim
amores sem fim
com princípio
e quem sabe
quem sabe
quem sabe.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Anton Solomoukha

Aldir


Meu coração tropical

está coberto de neve mas

ferve em seu cofre gelado

e à voz vibra e a mão escreve mar

bendita lâmina grave

que fere a parede e traz

as febres loucas e breves

que mancham o silêncio e o cais


roserais

Nova Granada de Espanha

por você eu teu corsário preso

vou partir na geleira azul da solidão

e buscar a mão do mar

me arrastar até o mar

procurar o mar


Mesmo que eu mande em garrafas

mensagens por todo o mar

meu coração tropical partirá esse gelo e irá


com as garrafas de náufrago e as rosas partindo o ar

Nova Granada de Espanha


e as rosas partindo o ar.
Corsário, de Aldir Blanc e João Bosco

Sinéad



In this heart

lies for you

A lark born

only for you

Who sings

only to you

My love

My love

My love

I am waiting for you

For only to adore you

My heart is for you

My love

My love

My love

This is my grief for you

For only the loss of you

The hurting of you

My love

My love

My love

There are rays on the weather

Soon these tears will have cried

All loneliness have died

My love

My love

My love

I will have you with me

In my arms only

For you are only

My love

My love

My love.
In this Heart, de Sinéad O'Connor

El tacazo


Un curda fileteando la vereda
un perro relamiendo el vendaval
los curas revoleando la moneda
para elegir tu arco celestial.

Un pibe saca lustre a su pobreza
un cielo vende luz artificial
dos ojos van paseando su belleza
por días de dolor tradicional.

El humo subre sobre las cabezas
las sillas se cansaron de sentar
las vidas que ya nadie endereza
los sueños que ya no pueden soñar.

Quién junta los olores de la pena
qué bandoneón retuerce la verdad
qué bola de billar la luna llena
que el tacazo la vuelve realidad.


(Esse era um poema chamado Endotango, que depois ganhou música de Marcelo Saraceni, virou um valsecito e foi gravado, rebatizado El tacazo)

Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)

Esses círculos nossos


Pobres círculos nossos
fechados
pobres gados sem campo
sem rumo
eu não sei o que dizer
mas eu sei
porque quero e mais quero
mas duvido e silêncio
eu não sei o que fazer
com as mãos
eu as vezes coloco
algum cerco de arame
ao redor
toco fogo no campo
e procuro a saída
ainda
antes de entrar
pobres círculos nossos
maravilhosos
todos cheios de mar
amorosos
eu andei no abismo
de tênis
porque vou até o fim
ou nem parto
esses círculos nossos
esses sambas de roda
labirintos rituais
dimissões e fogueiras
de domingo à segunda
e depois terça-feira
esses jeitos de ser
quiromantes e prezes
hare-krishna naná
tai-chi chuan divã
divismo coração
um vai ter que se abrir
para o outro fechar
porrada inquisição
lençóis conspiração
trans piração
poeira punição
penetras do perdão
círculo de giz
contramão
andamos em círculos
no jardim botánico
tonto vagalume
olho no cardume
desenhamos círculos
na areia da vida
que o mar vai levar
um vai ter que se abrir
para o outro fechar.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Brassaï

Remoção não!


Favela

Numa vasta extensão

onde não há plantação

nem ninguém morando lá

cada um pobre que passa por ali

só pensa em construir seu lar

e quando o primeiro começa

os outros depressa procuram marcar

seu pedacinho de terra prá morar.

É aí que a região

sofre modificação

fica sendo chamada de nova aquarela.

É aí que o lugar então passa a se chamar

favela.

(Jorginho Pessanha e Padeirinho, 1966)

Escuro


Estou chovendo aí?
Brilhando estou?
Eu só quero saber
sou muito escuro pra você?
Tá tudo meio assim
te-brilho vem me-ver
uns dias estou Gardel
sorriso perfeição
uns dias não sei não
tô negro quieto no canto
uns dias canto baixinho
bossa nova acalanto
digo doce no ouvido
outros dias nem consigo
latir para te afastar
te chovo te raio sol
estou assim Miracema
cavalo de Troia andor.

Dor no tempo



A dor quando é do outro
dói no osso
no osso que quebrou e fez barulho
no osso que é fraco e já foi duro
a dor quando ela passa deixa marca
e deixa um cansaço de estação
a dor um dia para e vem alívio
o tempo é que não para de doer
o tempo é que não para de passar
parece um abajur feito na China
que gira gira gira gira gira gira
a gente fica olhando hipnotizado
uma fragilidade de papel
semelha o tempo
eu quis sentar no corredor
e abraçar à espera
mas qual é a maneira de conter a dor
porque a dor não tem horário de visita.

Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
Foto de Guy Le Querrec

Self-Picture

Para continuar o espírito da entrada anterior
-e para aproveitar a foto que, naquele momento, inspirou o texto-


SELF-PICTURE


Self-picture
de você
autoreferência da referência
preto e branco
olho no olho
objetivo
e além quem sabe
quem sabe além
do teu olho.

Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)

Pessoas pelas que vale a pena "quemar el cielo" (III)


HOJE: SAN



En tu silencio habita el mío

Y en alguna parte de mi cuerpo habitó

Un trozo de tu olor,

En tu silencio habita el mío

Y en alguna parte de mis ojos habitó

Un trozo de dolor.

Ahora estás aquí,

Ahora estoy aquí,

Abrázame para que piense alguna vez en ti.

(Com versos emprestados por Bebe)

Frank Zappa




Deitada on the sofa
você vem me pede pra que eu não sofra
se você não vacila
eu já aprendi de vez a ler sua cartilha

agora eu sou vampiro negra é minha capa
pescoço nenhum do meu canino escapa
você era princesa hoje é sapa
devolve o meu disco de frank zappa

agora eu sou bandido um michê da lapa
resolvo disavenças na base do tapa
se você quer perdão que vá pedir pro papa
devolve o meu disco de frank zappa

(Essa é das menos conhecidas do Zeca Baleiro e nunca foi gravada por ele)

Foto de Cartier Bresson

O mundo que foi


Assim era Buenos Aires em 1936

Esquina de Rivadavia com Misiones


Foto do mestre Horacio Cóppola

Agora


Agora


Agora já não sinto nada agora
depois eu já senti isso aqui agora
o antes e o depois estão por fora
sem antes não tem unha pêlo agora
ressaca relva e ralé estão na moda
depois está na moda o que está na moda agora
notícia já foi antes mas só é notícia agora
nudez com roupa acima é nudez a toda hora
não pode ser antes da hora
mas também não é depois da hora
as vezes o ausente é sinónimo de agora
faxina dor de dente esnobismo gravadora
agosto agorafobia antes e depois agora.

Depois eu já senti isso aqui agora.
Depois eu já senti isso aqui agora.


Juan Trasmonte (Todos os direitos reservados)
(Foto de Robert Mapplethorpe)

Pessoas pelas que vale a pena "quemar el cielo" (II)


HOJE: ALESSANDRA


Se meu mundo cair, então
caia devagar
não que eu queira assistir sem saber evitar
cai por cima de mim
quem vai se machucar
ou surfar sobre a dor até o fim

cola em mim até ouvir
coração no coração
o umbigo tem frio e arrepio de sentir
o que fica pra trás
até perder o chão
ter o mundo na mão
sem ter mais onde se segurar

se meu mundo cair
eu que aprenda a levitar.

(Com versos emprestados por Zé Miguel Wisnik)

Os milagres da primavera




A UN OLMO SECO



Al olmo viejo, hendido por el rayo


y en su mitad podrido,


con las lluvias de abril y el sol de mayo


algunas hojas verdes le han salido.


El olmo centenario en la colina


que lame el Duero un musgo amarillado


le mancha la corteza blanquecina


al tronco carcomido y polvoriento.


No será, cual los álamos cantores


que guardan el camino y la ribera


habitados pardos ruiseñores


ejército de hormigas en hilera


va trepando por él y en sus entrañas


urden sus telas grises las arañas.


Antes que te derribe, olmo del Duero


con su hacha el leñador y el carpintero


te convierta en melena de campana


lanza de carro o yugo de carreta.


Antes que rojo en el hogar, mañana,


ardas de alguna mísera caseta.


Al borde de un camino


antes que te descuaje un torbellino


y tronche el soplo de las sirenas blancas.


Antes de que el río hasta la mar te empuje


por valles y barrancos


olmo, quiero quiero anotar en mi cartera


la gracia de tu rama verdecida


mi corazón espera también,


hacia la luz y hacia la vida


otro milagro de la primavera.

(O poeta espanhol Antonio Machado escreveu isso ao ver um broto num velho olmeiro, na esperança de que sua mulher Leonor, muito doente, não morresse).

Braguinha (1907-2006)


"A vida só gosta de quem gosta dela"

domingo, 24 de dezembro de 2006

Calendário



Pensei abril
pensei luz branca
padaria
rezei fevereiro
julho eu daria
o que não tenho
surfei agosto
você na crista
sonhei Dublin
samba de roda
surtei março
língua de cobra
anjo Berlim
piripaquei
te paquerei
vejo dezembro
toco rosto
não mais lembro.

(Juan Trasmonte) Todos os direitos reservados
Foto de Chema Madoz

Sven Nykvist




Em 23 de setembro foi-se Sven Nykvist, o senhor da luz.

Pessoas pelas que vale a pena "quemar el cielo" (I)


HOJE: ALMA

La era está pariendo un corazón,
no puede más, se muere de dolor
y hay que acudir corriendo
pues se cae el porvenir
en cualquier selva del mundo,
en cualquier calle.
Debo dejar la casa y el sillón,
la madre vive hasta que muere el sol,
y hay que quemar el cielo si es preciso por vivir,
por cualquier hombre del mundo, por cualquier casa.

(Versos emprestados por Silvio Rodríguez)

Pé do meu samba



Dez na maneira e no tom

Você é o cheiro bom

Da madeira do meu violão

Você é a festa da Penha,

A feira de São Cristovão,

É a Pedra do Sal

Você é a Intrépida Trupe

A Lona de Guadalupe

Você é o Leme e o Pontal


Nunca me deixa na mão

Você é a canção que consigo

Escrever afinal

Você é o Buraco Quente

A Casa da Mãe Joana

É a Vila Isabel,

Você é o Largo do Estácio,

Curva de Copacabana

Tudo que o Rio me deu!


Pé do meu samba

Chão do meu terreiro

Mão do meu carinho

Glória em meu Outeiro

Tudo para o coração

De um brasileiro.

(Um dia Caetano deu de presente pra filha de Martinho e Anália)

Clementina, Rainha Quelê


Clementina de Jesus

É minha mãe

Minha Santa Clementina

É minha mãe

Clementina Milagrosa

É minha mãe

Com a saia verde e rosa

É minha mãe

A benção mãe Clementina

É minha mãe

Rogai por nós Clementina

É minha mãe

Cantando tu és divina meu amor

Qual uma flor

Na umbanda tu és

de Deus nosso Senhor

É minha mãe

Salve os teus Orixás,

o teu povo baiano

O teu candomblé,

o teu povo africano

Tua criançada, teu anjo da guarda

Que assim seja

Ó mãe!

Salve a cruz da nossa igreja

Em teus passos salve seu guia de luz

Em teus braços dorme menino Jesus


(Zé Kéti)

Tem que pentear às crianças


En ella y sólo en ella están ahora
los patios y jardines.
(Adrogué, Jorge Luis Borges)


Tem que pentear às meninas
que o dia chama verão
que a tarde cheira rua
tem que pentear às meninas
eu molharei seus cabelos
tu buscarás vestidos de algodão
perfumados de soneca e sabão
que o dia chama verão
e o verão é tão curto
a água lava e disfarça
qualquer lágrima forajida
o pente imagina a caricia
que o passado não devolve
mas vai
acorde já
tem que pentear às meninas.

(Juan Trasmonte) Todos os direitos reservados

Ninguém escuta Smiths nessa comarca


Será que ela
será aquela
será que alguém escuta Smiths nessa comarca
eu sou o inocente estrangeiro
acredito em vento forte
tapa na cara
mas meu olho está ferido
de miséria humana
irei por caminhos tortos
em busca da minha árvore
(pode ser uma araucaria)
enquanto ouço melodias diferentes
porque ninguém escuta Smiths nessa comarca
treparei na minha árvore
e sentarei a esperar
a chegada da hora.

(Juan Trasmonte) Todos os direitos reservados

Night & Day


Rio de Janeiro

Foto de Ivana Vollaro (Todos os direitos reservados)

Viva Candeia!


MORA NA FILOSOFIA
Pra cantar samba

não preciso de razão,

pois a razão

está sempre com dois lados.

Amor é tema tão falado,

mas ninguém

seguiu nem cumpriu a grande lei:

cada qual ama a si próprio,

"liberdade e igualdade",

onde estão,

não sei.

Mora na filosofia,

morou, Maria...

Morou, Maria?

Morou, Maria!

Pra cantar samba

veja o tema na lembrança:

Cego é quem vê

só aonde a vista alcança.

Mandei meu dicionário às favas:

mudo é quem

só se comunica com palavras.

Se o dia nasce,

renasce o samba.

Se o dia morre,

revive o samba.

Mora na filosofia,

morou, Maria...

Morou, Maria?

Morou, Maria!

(Candeia)