segunda-feira, 31 de março de 2008

Los nadies


Sueñan las pulgas con comprarse un perro y sueñan los nadies con salir de pobres, que algún mágico día llueva de pronto la buena suerte, que llueva a cántaros la buena suerte; pero la buena suerte no llueve ayer, ni hoy, ni mañana, ni nunca, ni en lloviznita cae del cielo la buena suerte, por mucho que los nadies la llamen y aunque les pique la mano izquierda, o se levanten con el pie derecho, o empiecen el año cambiando de escoba.

Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada,
los nadies: los ningunos, los ninguneados,
corriendo la liebre, muriendo la vida, jodidos,
rejodidos.
Que no son aunque sean.
Que no hablan idiomas sino dialectos.
Que no profesan religiones sino supersticiones.
Que no hacen arte sino artesanía.
Que no practican cultura sino folklore.
Que no son seres humanos sino recursos humanos.
Que no tienen cara sino brazos.
Que no tienen nombre sino número.
Que no figuran en la historia universal
sino en la crónica roja de la prensa local.
Los nadies
que cuestan menos que la bala que los mata...

Versão em português

Os ninguéns

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, os nenhunados (*)
correndo soltos, morrendo a vida, fodidos
mais que fodidos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns
que custam menos do que a bala que os mata.

(*) ninguneados, em espanhol, expressão popular para menosprezados
Los nadies (Os ninguéns), de Eduardo Galeano
Foto de Marcelo Sayão

domingo, 30 de março de 2008

Jagger e o medo cênico em Copacabana



Com motivo da estreia do documentário Shine a light, de Martin Scorsese, Mick Jagger acabou de dar uma das suas raras entrevistas e nela falou sobre o show de 2006 na praia de Copacabana.
"Foi incrível, mas as horas prévias foram muito estranhas. O hotel tinha vista à praia, e eu me lembro que no dia do show a mídia dizia que na praia já tinha mis de fãs. Mas quando eu olhava pela janela não se-via ninguém. Às seis horas da tarde, duas horas antes do show, continuava sem haver ninguém. Eu estava começando a ficar preocupado. Geralmente, acontece que antes de um concerto os fãs estão presentes com muita antecedência. Bom, não tinha razão para eu ficar preocupado. Porque os brasileiros são muito relaxados e chegaram à praia bem na última hora. Essa noite tocamos para mais de um milhão de fãs. Foi mágico."
As fotos de baixo mostram a praia de Copacabana na tarde do show, assim como o Jagger a enxergou desde o Copacabana Palace, e durante o show, com a multidão tomando conta das areias da Princesinha do mar.

sábado, 29 de março de 2008

Maria João


Choro ou sorrio, são estados da alma
quero e não quero, são coisas do meu coração
de braço dado com outras raparigas
lavo as minhas mágoas
de braço dado com as dores e alegrias
lavo a roupa em água fria.

Larga o teu xaile
atira fora os sapatos
ai roda, a saia rodou
gira ó ai, direitinha
mão na anca
ai roda, roda, roda.

Trago um rosário de rosas vermelhas
dependurado ao pescoço como um colar
preguiço ao sol quentinha
não quero mais
nem olho para trás
o dia entardecendo ganha uma cor
tá ali rindo o meu amor.

Larga o teu xaile
atira fora os sapatos
ai roda, a saia rodou
gira ó ai, direitinha
mão na anca
ai roda, roda, roda.

O recado delas, de Mário Laginha e Maria João
O esporte de Portugal perdeu uma faixa preta de aikido e o mundo ganhou uma cantora deslumbrante com Maria João, filha de pai português e mãe moçambicana. Não ganhou o dom da pontualidade. Sua frase mais pronunciada é "desculpem-me pelo atraso". Mas, se for para acertar nas notas e nos corações, ela chega sempre na hora certa.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Chapeau Lachapelle



Foto de David Lachapelle


Fiquem antenados. A mostra do David Lachapelle que o ano passado esteve em Buenos Aires e em fevereiro passou por Sampa, vai pro Rio de Janeiro.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Vejo passar sua vida


Vejo passar sua vida
passar vida passada
tudo que existia
tudo que não existia
quando não te conhecia
vejo uma foto anos noventa
outras modas
chuva de cabelos
mais ou menos lisos
uma viagem de ônibus
um fim de tarde em Tijuca
um cheiro de ressaca em São Conrado
uma dúvida vocacional
um Foucault reverenciado
o tal vazio por perto
vejo passar sua vida
espionagem sacanagem
peep-show da sua alma
ladrão de baixa linhagem
das suas gavetas
catador de lembranças
marcas senhas
porcaria
não deveria
mas vejo passar sua vida
na minha frente
fotogramas silentes
vejo lanças quebradas
coletes escudos couraças
asas quebradas reparadas
duas lágrimas forajidas
um papel de chocolate
três desculpas um silêncio
vejo passar distraídas
as folhas amarelas
de um velho caderno
empurradas pelo vento
da rua Sete de Setembro
qualquer tarde quente vento
de repente e depois
tempestade tempestarde
vejo passar sua vida
no olho da fechadura
o medo da loucura
o grito de paixão
a pele do joelho
rasgada na escola
vejo isso não se faz
vejo chega não da mais
vejo rolo bolo colo
vejo o mínimo indispensável
vejo o luto exagerado
rock samba polca fado
vejo e me sinto o pior
vasculhador miserável
de seu pulso mais profundo
calcinha preta
primeiro sangue
aquele copo d'água gelada
a fugaz angústia do nada
vejo passar sua vida
gargalhada esticada
vejo passar sua vida
na minha frente
vida atrás
e vida em frente
vida pra cima e pra frente
em cada lado vida
vejo vi vida vivida
bissesta bissexual
dúvida dividida
monossilábica Lú
bipolar luz
que passa e vejo
não posso evitar
passado incompleto
passado fugaz
descorre velo
velocidade
corre cidade
corre me tira daqui.

Vejo passar sua vida, de Juan Trasmonte (Creative commons)
Foto de Flavio Makuc

quarta-feira, 26 de março de 2008

Richard Widmark na trupe do céu



Foi um dos primeiros atores que, estando no primeiro nível, resolveu trabalhar sem contrato com os grandes estúdios, sentando as bases do que depois foi a relação independente dos atores com Hollywood.
Amava filmar faroestes "tirando o fato de que não sei andar de cavalo". Odiava repetir muitas vezes as cenas. Achava que o ator tem que fazer seu trabalho "e depois fechar a boca".
Pelas características do personagem, pensou muito antes de aceitar o Ray Biddle, acérrimo racista de No Way out, mas ficou satisfeito depois: "porque me deu a oportunidade de conhecer Sidney Poitier.
Foi embora hoje Richard Widmark. Esse era dos bons.

Foto de Richard Widmark com Linda Darnellet e Sidney Poitier, no film de 1950, No Way Out

terça-feira, 25 de março de 2008

O indômito Jackson Browne


Looking out at the road rushing under my wheels
Looking back at the years gone by like so many summer fields
In sixty-five I was seventeen and running up one-o-one
I don't know where I'm running now, I'm just running on

Running on - running on empty
Running on - running blind
Running on - running into the sun
But I'm running behind

Gotta do what you can just to keep your love alive
Trying not to confuse it with what you do to survive
In sixty-nine I was twenty-one and I called the road my own
I don't know when that road turned onto the road I'm on

Running on - running on empty
Running on - running blind
Running on - running into the sun
But I'm running behind

Everyone I know, everywhere I go
People need some reason to believe
I don't know about anyone but me
If it takes all night, that'll be all right
If I can get you to smile before I leave

Looking out at the road rushing under my wheels
I don't know how to tell you all just how crazy this life feels
I look around for the friends that I used to turn to to pull me through
Looking into their eyes I see them running too

Running on - running on empty
Running on - running blind
Running on - running into the sun
But I'm running behind

Honey you really tempt me
You know the way you look so kind
I'd love to stick around but I'm running behind
You know I don't even know what I'm hoping to find
Running into the sun but I'm running behind

Running on empty, de Jackson Browne
Foto de Jackson Browne com Danny Kortchmar gravando no ônibus durante o tour do Running on empty

Firmado no rock de raiz folk, Jackson Browne tem uma trajetória rica em matizes, tanto quanto a própria vida. Um ano antes deste Running on empty ser lançado, perdeu a mulher Phyllis, que suicidou com uma overdose de pílulas para dormir. Teve um longo e controverso relacionamento com a atriz Daryl Hannah, que depois de ir embora com JFK Jr. o acusou de maltrato físico. No judiciário foi provada a falsidade de tal imputação.
Inimigo público do Ronald Reagan, participou em atos e festivais contrários à intervenção militar dos Estados Unidos na América Central e tem até hoje intensa atividade em organizações de oposição ao desenvolvimento nuclear com fins bélicos.
No meio disso tudo fez discos maravilhosos como este que, trinta anos depois, nos faz cantar como se fosse hoje, porque ainda estamos correndo pelo nada.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Pré-pós tudo Zélia


Meias verdades
meias atitudes
meias bondades.
Nada disso me interessa
e eu não tenho pressa
pra conferir.

A diferênça (fragmento), de Christiaan Oyens e Zélia Duncan
Foto de Emir Penna


Desde que cantava sob seu nome Zélia Cristina até hoje, ora mutante, ora sambista ou transformada em outras, seu código de acesso é uma honestidade inquebrantável pra seguir o ditado do coração e da arte.

domingo, 23 de março de 2008

O mundo que foi (V)


Medianoche, foto de Horacio Cóppola

sábado, 22 de março de 2008

Os sonhos de Stevenson


Em certa ocasião estava com muita necessidade de dinheiro e decidi que tinha que fazer alguma coisa. Dei voltas e mais voltas tentando achar um assunto sobre o que escrever. No meio da noite, a história se apresentou em forma de sonho. Não exatamente como a escrevi com posterioridade, já que nos sonhos sempre aparecem coisas estúpidas mas, a todos os efeitos, aquilo veio a mim como um presente. E o mais curioso de tudo é que tenho por costume sonhar histórias.
(...) As vezes me vêm em forma de pesadelos que chegam inclusive a me fazer gritar, mas nunca tenho me deixado enganar por elas. Ainda que esteja profundamente dormido sei que sou eu que está inventando-as, e se eu gritar é pela gratificação que me produz saber que uma história é boa. Assim que eu acordar -e sempre o faço quando estou atrás de alguma coisa que vale a pena- começo a trabalhar na estrutura.
Por exemplo, tudo que sonhei a respeito do Dr. Jekyll foi que alguém tentava introduzir pela força um homem num armário. Então este bebia uma droga e virava um ser diferente.

Robert Louis Stevenson contou a origem de O médico e o monstro (The strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde) em entrevista ao jornal The New York Herald, em setembro de 1887.


Foto de Robert Louis Stevenson de Lloyd Osborne
Reprodução do cartaz da versão cinematográfica de 1920, de John S. Robertson, protagonizada por John Barrymore, que está na outra foto.

sexta-feira, 21 de março de 2008

O Cristo dos ciganos


Dijo una voz popular:
¿Quién me presta una escalera
para subir al madero
para quitarle los clavos
a Jesús el Nazareno?

Oh, la saeta, el cantar
al Cristo de los gitanos
siempre con sangre en las manos
siempre por desenclavar.
Cantar del pueblo andaluz
que todas las primaveras
anda pidiendo escaleras
para subir a la cruz.

Cantar de la tierra mía
que echa flores
al Jesús de la agonía
y es la fe de mis mayores
!Oh, no eres tú mi cantar,
no puedo cantar, ni quiero
a este Jesús del madero
sino al que anduvo en la mar!

La saeta, de Antonio Machado
Foto de ciganos peregrinos em Orcival

quinta-feira, 20 de março de 2008

A questão dos fumantes


"There are some circles in America where it seems to be more socially acceptable to carry a hand-gun than a packet of cigarettes."
(Katharine Whitehorn)


Trancado no banheiro
acende um cigarrinho
porque já não dá mais pra fumar em lugar nenhum
cartório escritório nem se virar refém
da última célula terrorista que veio do além
nem se pagar um cinco estrelas
numa porcaria de Cancún
é só acender um que vem o nhem nhem nhem
nem prédio público e nem particular
nem restaurante nem sala de jantar
nem trem nem bonde nem velório hospital
não pode mais fumar no escurinho do cinema
boca do lixo e na casa da sogra nem pensar
não pode mais fumar porque fumar
agora é prejudiçal para a saúde
agora é questão de segurança
e não dá mais pra dar
aquela de mocinho bom
e acender um cigarro
depois de engatilhar a sua Colt
fumar não tá na moda
feito um Camus
feito um Bogart
o charme acabou
porque o charme agora é comer um peixe crú
e além da própria culpa da miséria de fumar
tem que aturar os outros te olhando assim de lado
com cara de horror
você é um merda
você tem o status
de um prisioneiro de Guantánamo
só falta o macacão cor de laranja
quem tá afim de fumar que vá pra rua
quem tá afim de fumar que vá pra rua

Então dizendo ia
trancado no banheiro
acende um cigarrinho
e conta as horas para o breque do almoço
depois vai engolir um salgadinho
e volta pra juntar mais dor nas costas
se tranca no banheiro
acende um cigarrinho
agora já é mole a contagem regressiva
e conta as horas até o final do dia
e conta os dias para acabar a semana
e dormir mais uma hora ir pro super
se tiver sorte enfiar os calos na piscina
do amigo da amiga de alguém que nem conhece
se tiver muita sorte dar uma rapidinha
e contar os dias para o fim do mês
e contar os meses pra sair de férias
e contar os anos pra se aposentar
você virou um contador profissional
e assim se passa a sua pobre vida
e assim se passa a sua pobre vida
você virou um funcionário da existência
um mestre contador como quem conta gado
e assim se passa a sua pobre vida
e assim se passa a sua pobre vida
e ainda é um fumante segregado.

A questão dos fumantes, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto da atriz Joan Crawford

quarta-feira, 19 de março de 2008

Mr. Harry and Mr. Potter



Ângelo Primon e Marcelo Corsetti, maravilhosos violonistas que tecem um ocêano sonoro por onde a voz de Adriana Deffenti navega a vontade sem âncoras. Difícil imaginar esse show sem eles porque não é só o que cada um desenha, seja no violão, na guitarra, na viola caipira ou no sitar indiano, mas o que acontece quando eles se encontram, nas suas cordas, seus olhares e suas batidas. Talvez seja nos seus batimentos.
O título vai por uma história que eles contaram sobre alguém que chegou pra eles depois de um show da dupla e falou "Nossa, vocês são mágicos!". Aí o Corsetti respondeu: "Pois é, Mr. Harry and Mr. Potter".
Enfim, essas duas noites com Adriana e "os guris" foram tudo de bom: shows ótimos, amigos e sementes no caminho.
Artistas felizes, público feliz, produtor feliz. Tá de bom tamanho.

Adriana e Fito



Como irmãos do Sul. A arte une o que as fronteiras separa. Fito Páez e Adriana Deffenti, na prévia do show dela em Buenos Aires.

domingo, 16 de março de 2008

Notoriously Adriana Deffenti


Adriana é uma dessas cantoras que quebram a cabeça dos atendentes das lojas de cd's, que não sabem onde classificar sua arte. Aqui é mais fácil porque ela vai pro setor de "Música Brasileira". Mas na sua cestinha ela também traz peças do folclore argentino, do candombe uruguaio, do novo canto português, do rock. É uma dessas que fecham as cabeças dos lojistas e abrem os corações dos que ouvem, dos que param para ouvir.
Ela vem de Porto Alegre, essa cidade brasileiríssima que teima em fugir do cliché brasileiro.
Canta amanhã e na terça-feira no Notorious, em Buenos Aires. Produção minha. Modestamente.

Eu matei Saint-Exupéry


Depois de 64 anos, o ex piloto alemão Horst Rippert confessou que foi ele quem derrubou o avião do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, na Segunda Guerra Mundial.
Até hoje o corpo do autor do livro O Pequeno Príncipe não foi achado, mas um pescador achou em 98 uma pulseira com a inscrição "Saint-Ex Consuelo" gravada e o buscador de aviões perdidos Luc Vambrell descobriu em 2000 os restos do Lightning P-38 no fundo do mar. Foi em julho de 1944, duas semanas antes do desembarco aliado na Provence francesa.
Na época Rippert tinha 24 anos. Ele recebeu a ordem de ir atrás de um avião inimigo que estava voando a muita altura. O fogo da metralha partiu uma asa do avião do francês, que foi pro mar em queda vertical. Uns dias depois, Rippert soube que o avião derrubado era do Saint-Exupéry.
Depois de anos de pesquisas Vambrell recebeu a ligação de Rippert: "Pode deixar de procurar, eu derrubei Saint-Exupéry".
A história simboliza mais uma vez o paradoxo da guerra, onde pessoas matam pessoas que não conhecem, que as vezes são seus pares ou como no caso figuras admiradas.
"Durante a nossa juventude -disse Rippert- todos tinhamos lido e adorávamos seus livros. Ele sabia admirávelmente descrever o céu, os pensamentos e os sentimentos dos pilotos. A sua obra produz em muitos de nós a vocação de voar."
Rippert viveu esses anos todos com seu silêncio. "Esperei e ainda espero que não seja ele".

Foto de Antoine de Saint-Exupéry com sua mulher Consuelo

sábado, 15 de março de 2008

Oscar Alemán


"Nasci no Chaco, em Resistencia. Sou filho de uma índia e de Jorge Alemán, um homem que ganhava a vida do jeito que podia. (...) Era o ano de 1920. O fato só de comer custava muitíssimo, e olha que nós éramos quatro irmãos e todos contribuíamos. (...) Apesar do esforço nem sempre havia carne para botar no cozido, por isso a gente foi para o Brasil.
(...) Também no Brasil a vida era muito dura. Muitas vezes dormiamos numa praça e eu ganhava uns trocados abrindo portas de carros. Na época já gostava muito da música e especialmente do violão. Sempre que tivesse alguém tocando eu ficava por perto, olhava como botava os dedos, como mexia as mãos. Poderia dizer que aprendi a tocar olhando.
(...) Um dia recebemos a notícia da morte da minha mãe. Depois disso meu pai desabou e acabou suicidando."


Oscar Alemán foi o maior violonista não brasileiro de música brasileira. Com Gaston Bueno Lobo, que foi seu guia no instrumento e seu pai adotivo, formou Les Loups. Foi pra Europa e virou showman: dançava, cantava, tocava o pandeiro e fazia malabarismos com o violão e a guitarra. Na época começou a ser reconhecido como um grande guitarrista de jazz. Foi contratado por Josephine Baker e Duke Ellington quis leva-lo para os Estados Unidos.
Seu virtuosismo as vezes distraiu a atenção da sua obra maravilhosa no jazz, na música brasileira e no tango. Esquecido e revalorizado por fases na Argentina, foi um grande divulgador da música brasileira. Muitos por ele conheceram melodias inesquecíveis sem saber quem eram seus compositores, obras de Herivelto Martins, Hervé Cordovil e Caymmi, que Oscar gravou junto com as próprias.
"Grandes mestres me disseram que não conseguem explicar como alguém que não sabe música pode fazer harmonias do jeito que eu faço. Eu também não sei. Eu não sei nada, só sei que sai assim".

sexta-feira, 14 de março de 2008

Dylan e a tecnologia


A tecnologia serve para os outros músicos, os roqueiros contemporáneos. Para mim, é um obstáculo.
Bob Dylan, em entrevista à revista francesa Les Inrockuptibles.

Pois é, está aí o cartaz do primeiro concerto do Bob em Nova Iorque, em 1961. São muitos anos de estrada. O cara continua mostrando que pra ele só faz falta o violão, a gaita, essa voz que parece que sai do nariz e -claro- a palavra. O resto é enfeite.
Amanhã Bob volta a fazer show em Buenos Aires. Espero que ninguém se ofenda se ele não fazer gracinha pro público, porque ele não vai fazer. Se alguém se ofender é porque foi pro show errado.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Gertrude e a arte de escrever



Você vai conseguir escrever -me disse- se o faz sem pensar no resultado em termos de resultado, mas pensando na escrita em termos de descoberta, que é o mesmo que dizer que a criação deve produzir-se entre o lápis e o papel, nem antes, no pensamento, nem depois, ao lhe-dar uma forma nova.

Gertrude Stein, em entrevista a John Hyde Preston em 1935, para The Atlantic Monthly
Tradução para o português de Juan Trasmonte
Foto de 1934 de Carl Van Vechten

quarta-feira, 12 de março de 2008

Guilherme Godoy



Samba, melodia que me toca
me protege e acaricia
feito os braços de mulher
desde que a Ciata minha tia
deu início a fidalguia
o samba sabe o que quer
me desculpem tanta nostalgia
mas meu peito não vicia
com este samba que é tocado por aí
me martela o rádio o dia inteiro
só que o samba verdadeiro
foi aquele que aprendi
apreciador de jóia rara
Délcio e Dona Ivone Lara
embalando o sonho meu (eu embalei)
trago fino de Carlos Cachaça
Herivelto e aquela praça
que o Rio jamais esqueceu
tempos idos mas sempre lembrados
gênios homenageados
pelo povo, no fundo do coração
este é que é o bom samba, meu parceiro
velho e novo, brasileiro
que mantém a tradição
samba de Noel, Cartola e Noca
Silas, Geraldo Pereira
de Monarco e Ismael
Wilson, o que Batista e o que é Moreira
Paulinho e João Nogueira
o Martinho lá na aba do meu chapéu
quero ouvir no rádio da vizinha
Chico, Elton, Gonzaguinha
e o Nei Lopes recordando o Andaraí
Beth, Zeca, Roberto Ribeiro
Nelson Sargento guerreiro
e um samba tijucano do Aldir
um delírio meu no bar da esquina
Elizete e Clementina
Clara é a luz de Candeia
Dilermando e Ciro na caixinha
uísque, gelo e o poetinha
Tom Jobim com seu piano na velha Mangueira
vem mais gente que carrega a chama
Dorival, Zé Keti inflama
o peito que não se encerra
Ginga Guinga, Joyce, Clara e Ana
e a Rosa Passos baiana
no samba da minha terra.

O samba sabe o que quer, de Guilherme Godoy e Sérgio Botto


Conheci Guilherme em 1999 em Buenos Aires quando ele veio dar uma palestra sobre samba e fazer um show. Voltamos a nos-encontrar no ano seguinte quando eu já estava com um pá aqui e o outro no Rio.
Em 2001 falamos longamente no telefone, eu precisava voltar para Buenos Aires por questões do visto e essas papeladas interminaveis da estrangeria. Nesse momento ele me disse: "Vamos marcar um encontro em casa pra eu te apresentar um pessoal da área". Um pessoal da área significava do mundo do samba e do jornalismo, mundos que compartilhávamos na época, em diferentes paises.
Aquilo foi coisa de carioca mesmo, ele não fazia isso por querer me agradar nem por querer retribuir a pequena ajuda que eu tinha dado na divulgação do disco dele na Argentina. Foi uma ideia que surgiu da generosidade mesmo.
Um mês depois e depois dessa burocracia toda, voltei pro Rio. Tarde para o nosso encontro, cedo para ele ter partido.
Hoje pensava nos muitos compositores e poetas do samba e da música em geral que são pouco divulgados porque eles são uma das razões desse blog existir. Se alguém descobre aqui algum desses artistas por causa de um google da vida eu já estou satisfeito de dedicar esse tempo a este espaço.
E como a vida é muito louca mesmo, eu lembrei hoje do Guilherme. Fui procurar fotos e descobri que hoje é o dia do aniversário dele.
O único disco que reune as suas letras, também reune Paulão 7 Cordas, Rildo Hora, Nelson Sargento, Delcio Carvalho, Walter Alfaiate, Celia Vaz e Nadinho da Ilha.
No encarte do disco que ele me deu quando a gente se conheceu, Guilherme escreveu: "Juan, que o samba esteja com você". O samba está comigo, companheiro. Sempre.

terça-feira, 11 de março de 2008

Zitarrosa e o fim do amor


Para tanta soledad me sobra el tiempo,
dile a la vida que viva,
tu recuerdo no se muere ni yo siento
más que penas conocidas.
Para tanta soledad me sobra el tiempo,
dile a la vida que viva.

En mi alma muchas veces, un momento,
se abre una puerta dormida,
yo no sé si sacudida por el viento,
sé que se cierra enseguida.
Y en la senda donde vivo siempre encuentro
tus flores desvanecidas.

Cuando volvamos a vernos
no sangrarán tus heridas,
yo he pagado tu dolor con el infierno
tu amor con toda mi vida.
Para tanta soledad me sobra el tiempo
dile a la vida que viva.

No me traigas esas flores ni preguntes
si te arranqué de mi vida,
en la negra oscuridad donde te hundes
mi corazón te vigila.
No me traigas esas flores ni preguntes
si te arranqué de mi vida.

Tus amores, nuestro amor y el pensamiento,
son canciones enemigas;
yo sé bien cuáles son mis sentimientos
no quiero más despedidas.
Para tanta soledad me sobra el tiempo
y el tiempo sí que te olvida.

Cuando volvamos a vernos
no sangrarán tus heridas,
yo he pagado tu dolor con el infierno
tu amor con toda mi vida.
Para tanta soledad me sobra el tiempo
dile a la vida que viva.

Dile a la vida, de Alfredo Zitarrosa
Hoje é zamba com zê e em feminino, "uma zamba" maravilhosa do saudoso cantor e compositor uruguaio Alfredo Zitarrosa.
Diz a lenda que ele fez essa música para uma mulher que estava na antípoda do seu pensamento político, e que isso -comprometido como ele era com as suas convicções- acabou corroendo o amor. Esta versão parece ser confirmada pelos versos "teus amores, nosso amor e o pensamento são canções inimigas".
Poucas músicas são tão dilacerantes para descrever o fim do amor: "eu tenho pago a tua dor com o inferno, o teu amor com toda a minha vida"

segunda-feira, 10 de março de 2008

Trem do desejo


Nesse trem
vem ilusão
madeira coração
vem nesse trem
balança na canção
traço de prata
trecho de vida
plataforma fica
enquanto o trem vai
vai vai vem
nesse trem
abre-alas do mistério
touro na frente
farol atrás
sangue animal
é um vagão
uma batida
em quatro tempos
é o meu tambor
cavalaria cantaria
lança na mão
balança coração
vai lança sai
vai vai vem
na estrada de ferro
roda de trem
rola seu quem
vem vai além
origem do desejo
de onde tudo vem
Hispanya meet Gardel
Polonia Portugal
violão febre amarela
vem Neuma vó Maria
vem Noca da Portela
Jerusalém
Jerusalém de lá
de lágrima Israel
de vento de Retiro
de Plaza San Martín
casa das máquinas
carvão
locomotiva
locomoção
louca emoção.

Trem do desejo, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de John West do trem que vai do El Maitén para Esquel, no sul da Argentina

domingo, 9 de março de 2008

Mrs. Robinson




Sitting on a sofa on a Sunday afternoon.
Going to the candidate's debate.
Laugh about it, shout about it
When you've got to choose
Every way you look at this you lose.

Mrs. Robinson, (fragmento) de Paul Simon
Sentar no sofá numa tarde de domingo ou assistir ao debate Hillary x Osama? Melhor lembrar a senhora Robinson em duas imagens de backstage. A primeira é uma foto feita para a publicidade do filme, com Anne Bancroft fumando -hoje alguém pediria tirar o cigarro da foto, que já não é mais políticamente correto para Hollywood- e Dustin Hoffman ao fundo.
A segunda mostra os atores ensaiando na cama, de roteiro na mão e sob o olhar do diretor Mike Nichols. As duas fotografias são de autoria de Bob Willoughby.

sábado, 8 de março de 2008

Carta de Vicenta Lorca a Federico


Granada, 28 de octubre de 1920

Queridísimo hijo:He pasado estos días malos ratos porque, según decías en la tuya, habías pasado mal viaje y al mismo tiempo D. Antonio nos escribió y nos decía que habías estado de purga. Todo esto me ha hecho creer que habías tenido unos días de trastornos de estómago y quizá hasta fiebre. Por eso [quiero] que me digas si estás bien del todo aunque supongo que sí cuando tienes ganas de comuniquerías.
Me parece muy bien que no hayas tomado más que dos asignaturas para que seriamente cumplas con ellas y no descuides tu Literatura que para mí tiene más importancia que todas las carreras, o, mejor dicho, ésa es la carrera por excelencia para ti y para mí. Papá se marchó a Lújar el 27 y estará diez o doce días, así que debes escribirle para que sepa de ti directamente.
Te mandaré el dinero para los libros y que te sirvan bastante. Paquito te escribirá mañana y también la niña, que ahora está bien y con bastante apetito. Yo también estoy buena y tu carta me ha causado una gran alegría. Que sigas escribiendo con la misma frecuencia y contándonos todo lo que hagas. Las fotos que las mandes y que te diviertas alternando con el trabajo. Eso me gusta a mí porque estás en la edad y de todo quiere Dios un poco y mucho más cuando es de buena manera.
Dale cariñosos recuerdos a los amigos de esa y que nos alegramos mucho de que estén bien. Recíbelos tú de toda la familia, besos de tus hermanos y sabes que te quiere muchísimo y te abraza tu madre.

Vicenta

Carta de Vicenta Lorca ao seu filho, o poeta Federico García Lorca. Vicenta foi a primeira leitora dele e também quem mais força deu para ele se dedicar à literatura. Está explícito no fragmento que diz "...não descuides a tua literatura que para mim tem mais importáncia que todas as carreiras".
A foto, onde a imagem do poeta aparece no espelho, é do mesmo ano.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Quién te ha visto y quién te ve




Os espanhois comunitários, que já foram os espanhois que fugiram do horror de três guerras, estão blindando as fronteiras. A imigração é um dos asuntos centrais da campanha presidencial que encerra hoje na Espanha. Essa semana quinze brasileiros em tránsito foram barrados e deportados em condições que beiram a xenofobia. Piores são as cenas com os africanos que chegam todos os dias em barcas fragis, muitas vezes enganados ou aliciados para trabalhar nos paises de origem.
Na foto de cima -de Manuel Lérida- uma mulher é desembarcada no porto de Tenerife. Na outra imagem, um homem tenta atravessar a fronteira de Ceuta dentro de uma mala.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Mrs. Jane Birkin


Está em Buenos Aires. Canta amanhã. Beleza da alma em estado puro
Foto de Kate Barry

quarta-feira, 5 de março de 2008

Mãe Menininha


Embala eu, embala eu
Menininha do Gantois
Embala pra lá, embala pra cá
Menininha do Gantois

Oh, dá-me a sua benção
Menininha do Gantois
Livrai-me dos inimigos
Menininha do Gantois
Dá-me a sua proteção
Menininha do Gantois
Guiai os meus passos
Por onde eu caminhar
Vira os olhos grandes
De cima de mim
Pras ondas do mar.

Embala eu, de Albaléria

Belíssimo samba de roda de Albaléria em homenagem à Mãe Menininha do Gantois

segunda-feira, 3 de março de 2008

Winona forever



Este blog ama Winona Ryder e abomina a hipocrisia de Hollywood.

Foto de Winona Ryder para a produção de capa da revista W de junho de 2002 cujo autor desconheço e que me fez bater meu próprio recorde de procuras sem sucesso no Google. Passei duas horas quase tentando achar o nome do fotógrafo, com várias palavras-chave, mas não consegui. Coisa de obsessivo mesmo porque eu sei e sustento que os buscadores te orientam para onde eles querem.
Já a camiseta "Free Winona" foi uma sacada do dono de uma loja em Los Angeles, Billy Tsangares, que está na outra foto, agora sim com crédito para o autor Slobodan Dimitrov.

domingo, 2 de março de 2008

Traficas de sonhos


Vai parar na Central
bonde voador
vai nascer uma mão
pedra do Arpoador
traficamos sonhos
na travessa do som
vai dar arco-íris
vai dar amaryllis
no morro da Urca
vai surgir da Penha
estrela fugaz
vai pintar sereia
lá no piscinão
inventamos sonhos
no impuro porão.

Traficas de sonhos, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto da Central do Brasil de Jonathan Duriaux

sábado, 1 de março de 2008

As linhas de Conrad


"Toda obra de arte deve se justificar em cada linha"
(Joseph Conrad)

Nasceu na Polonia, o francês foi a sua segunda língua e aprendeu o inglês só aos vinte anos. Porém, Teodor Józef Konrad Nalecz Korzeniowski, conhecido como Joseph Conrad, é considerado um dos maiores romancistas em língua inglesa.