sábado, 29 de novembro de 2008

Vamo fazer barulho



Deixa, deixa, deixa, eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar...

Segura!

Deixa, deixa, deixa, eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar...

Eu já falei que tenho algo a dizer, e disse
Que falador passa mal e você me disse
Que cada um vai colher o que plantou
Porque raiz sem alma como o flip falou, é triste

A minha busca é na batida perfeita
Sei que nem tudo tá certo mas com calma se ajeita
Por um mundo melhor eu mantenho minha fé
Menos desigualdade, menos tiro no pé

Andam dizendo que o bem vence o mal
Por aqui vo torcendo pra chegar no final
É, quanto mais fé, mais religião
A mão que mata, reza, reza ou mata em vão
Me contam coisas como se fossem corpos,
Ou realmente são corpos, todas aquelas coisas
Deixa pra lá eu devo tá viajando
Enquanto eu falo besteira, nego vai se matando
Então

Deixa, deixa, deixa
Eu dizer o que penso dessa vida
Preciso demais desabafar

Ok, então vamo lá, diz
Tu quer a paz, eu quero também,
Mas o estado não tem direito de matar ninguém
Aqui não tem pena de morte mas segue o pensamento
O desejo de matar de um Capitão Nascimento
Que, sem treinamento se mostra incompetente
O cidadão por outro lado se diz, impotente, mas
A impotência não é uma escolha também
De assumir a própria responsabilidade
Hein?

Que cê tem e mente, se é que tem algo em mente
Porque a bala vai acabar ricocheteando na gente
Grandes planos, paparazzo demais
O que vale é o que você tem, e não o que você faz
Celebridade é artista, artista que não faz arte
Lava a mão como Pilates achando que já fez sua parte
Deixa pra lá, eu continuo viajando
Enquanto eu falo besteira nego vai, vai
Então deixa

Deixa, deixa, deixa
Eu dizer o que penso dessa vida
Preciso demais desabafar

Desabafo, de Marcelo D2, com sampler de Deixa eu dizer, de Ronaldo Monteiro de Souza e Ivan Lins, interpretada por Cláudia

Está aí A arte do barulho, o novo album de Marcelo D2, primeiro que ele faz para a EMI, que já começou fraca, nem o release colocaram ainda no site.
Mas o que interessa é que D2 se firma em uma química dificílima como é a de levar elementos do samba para o rap e fazer com isso uma criação de um som diferente.
Desde que o mentado crossover virou moda e etiqueta, todos os dias conhecemos uma salada que traz mistura, mas quase nunca singularidade. D2 é um dos pouquíssimos artistas que conseguem isso.
Na primeira leitura diriamos que a fórmula foi citar, por exemplo, Argumento, de Paulinho da Viola no meio do som dele. Mas há uma segunda leitura. Não foi por ele gritar no palco "Salve Jovelina Pérola Negra" que os sambistas lhe-abriram os braços, mas por uma busca genuína que reconheceram nele. É um caminho que o artista chama de "procura da batida perfeita", que tem raíz no rythm and poetry (tão estadounidense), mas também no samba (tão brasileiro). É um cruzamento de linguagens que está até na atitude dele.
A cada nova obra ele atinge com mais sutileza esse estilo próprio. O som tão atual desse barulho novo (nota dez para o produtor Mário Caldato Jr.) é ao mesmo tempo, carioca e cosmopolita. Marcelo D2 traz o que não abunda: novidade no classicismo e classicismo na novidade. Ou seja arte.

Foto de Marcelo D2 de Washington Possato

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu farei uma oferta que ele não poderá recusar




Já está disponível nas livrarias dos Estados Unidos e na Europa, The Godfather Family Album, livro que reúne fotografias das filmagens do hoje clássico O poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola. São imagens amplamente divulgadas junto com outras inéditas, todas feitas pelo fotógrafo Steve Schapiro.
Mas o livro traz ainda entrevistas com Coppola, Marlon Brando, Al Pacino e textos de Mario Puzo, autor do romance em que o filme está baseado. São histórias riquíssimas que mostram que na Paramount ninguém levava fé no filme e que a maioria dos participantes estavam lá por necessidade.
O próprio Puzo mal vendeu os direitos ao estúdio porque precisava do dinheiro, nem Coppola nem Brando passavam por uma fase boa de trabalho. De fato, os executivos da companhia não gostavam de Francis, mas ele era o único diretor italiano da segunda geração. A tensão foi constante durante as filmagens.
Ao mesmo tempo, os produtores negociavam com a mafia como a história dos Corleone seria contada. O coringa das famiglias era a influência que eles tinham sobre os sindicatos. As greves ameaçaram o já acidentado trabalho, até que o acordo chegou. Em todo o roteiro não poderiam aparecer os termos mafia nem Cosa nostra. Depois disso os produtores e vários integrantes do elenco mostraram-se públicamente com pessoas que tinham processos abertos na Justiça.
Dessas e outras e das maravilhosas imagens de Schapiro é feito o livro de um filme maior que a sua lenda, e que trinta e seis anos depois não envelheceu nem um pouco.


Fotos das filmagens de O Grande Chefão, de Steve Schapiro, incluídas no livro The Godfather Family Album

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Cuba traz o canto livre de Yusa


A cubana Yusa chegou ao Brasil de mãos dadas com Lenine, em 2004. O leão do norte convidou ela e o percussionista argentino, radicado há anos na Bahia, Ramiro Musotto, para fazer em Paris o projeto In Cité. Assim, aos poucos, as pessoas foram conhecendo a arte desta cantora e compositora que se sente a vontade seja no contrabaixo, no caixão espanhol quanto no violão, no tres cubano ou no piano.
Agora, Yusa chegou à Argentina de mãos dadas com Santiago Feliú, o trovador da segunda geração da Nueva Trova Cubana. Ele por sua vez foi apresentado ao público argentino há mais de vinte anos por Silvio Rodríguez. Dessa vez é Santiago quem abre o caminho para Yusa.
Ontem à noite, a cubana apresentou suas armas no Notorious em um show que foi uma jóia rara, com direito a canja de Santiago e com o grande violonista e compositor Elmer Ferrer como convidado.
O "canto livre" do título pode parecer equívoco, toda vez que quando a palavra "Cuba" está perto da palavra "livre", ela é associada a um conceito político, de um ou outro lado. Mas aqui a liberdade está ligada a um conceito musical.
Essa geração de artistas cubanos que estão na casa dos trinta, traz na bagagem múltiplas linguagens musicais. Eles reverenciam os trovadores, mas têm um pé no rock, conhecem a rica tradição cubana, do son ao filin, mas têm uma queda pro jazz nascido do outro lado do oceano. E guardam referéncias também de ritmos de outras terras, como o flamenco.
Dessa mistura sai a arte de Yusa, que acaba de lançar Haiku, seu terceiro disco, produzido pelo brasileiro Alé Siqueira e onde está presente essa pluralidade e o canto dela, belíssimo em sentimento, timbres e registros.

Foto de Yusa de Kaloian

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O pensamento humanista de Lévi-Strauss faz um século



"No longo praço, todo pensador célebre pode estar certo de duas coisas: de morrer e de ser considerado ultrapassado. É uma sorte quando a primeira coisa acontece antes da segunda".

O antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss estreitamente ligado ao Brasil, vai fazer cem anos no dia 28. E continua espalhando seu pensamento humanista.


Foto de Claude Lévi-Strauss em São Paulo, em 1935, do acervo pessoal
Foto atual de Philippe Caron

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Os sessenta anos de um beijo famoso



Foi no dia 14 de agosto de 1945. O Japão assinou a rendição, a guerra acabou e nos Estados Unidos as pessoas foram pras ruas para comemorar.
O fotógrafo da revista Life, mestre do foto-jornalismo, Alfred Eisenstaedt, captou esse momento em que um soldado da marinha pegou uma enfermeira e deu um beijo nela. A imagem percorreu o mundo como símbolo da paz e de um tempo novo.
Sessenta anos depois, Edith Shain fez uma sessão com atores vestidos de marinhos para lembrar o momento, depois que uma pesquisa da própria revista determinou que foi ela mesma quem apareceu na foto original. Aconteceu que, assim que a instantánea ficara famosa e aproveitando que o rosto não é visível, uma meia dúzia de enfermeiras afirmaram serem as protagonistas da foto.
Hoje com noventa anos, Edith conta: "Naquele dia eu ia do hospital para Times Square porque a guerra havia terminado, o rapaz me pegou e nos-beijamos; ele seguiu o seu caminho e eu o meu. Não tinha como saber quem era, mas não me importou porque era alguém que tinha lutado por mim".



Foto VJ Day, The Kiss, de 1945, de Alfred Eisenstaedt
Foto de 2008 da Agência AP

sábado, 22 de novembro de 2008

Ballade du juin



Tudo que não tira pesa
tudo que não boia afunda
raisons du coeur
quebrado coração
corcunda
todo círculo de giz
louça que nunca
vai cheirar comida
Tudo que não solta fede
tudo que não negue estraga
ballade du juin
outono geração
afaga
toda prata chafariz
mofo que nunca
sabe iludir vida.

Ballade du juin, de Juan Trasmonte (Creative commons)
Foto de Marcelo Lyra

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Disko Partizani!



My baby came down from Romania
She was the queen of Transylvania
But now we live in suburbia
Without any friends buzzing you

Tsiganizatsia tsiganizatsia
Come on baby this is what you need
Tsiganizatsia tsiganizatsia
Everybody dancing to this beat
Tsiganizatsia tsiganizatsia
Come on baby this is what you need
Tsiganizatsia tsiganizatsia

Disko disko partizani
Disko disko partizani
Parti parti partizani

Zece, alege
Nu mai intelege
Opt un tort (upgrade)
Musica non stop

Cand te vad ma pierd cu firea
Nu'mi pot stapani privirea
Dansezi bine esti mortala
Si cu frumusetea ta'I bagi pe toti in boala
Orice barbat te doreste
Cand te vede innebuneste
Ti'ar da bani, ti'ar da orice ti'ar da si casa
Pentru tine si'a lasat nevasta

Tsiganizatsia tsiganizatsia
Come on baby this is what you need
Tsiganizatsia tsiganizatsia
Everybody dancing to this beat
Tsiganizatsia tsiganizatsia
Come on baby this is what you need
Tsiganizatsia tsiganizatsia

Disko disko partizani
Disko disko partizani
Parti parti partizani

Zece, alege
Nu mai intelege
Opt un tort (upgrade)
Musica non stop (too late)

Disko disko partizani
Parti parti partizani

Disko Partizani, de S. Hantel



Apócope para Stefan Hantel, Shantel ou DJ Shantel nasceu na Alemanha, mas sua origem é ucraniana. Verdadeiro homem-orquestra, ele é compositor, DJ, produtor, multi instrumentista e também cantor no seu último disco, este Disko Partizani que celebra o cruzamento de culturas.
Shantel levou a música dos Balcãs às boates. Ele mesmo abriu uma casa em Frankfurt, o Bucovina Club, que já é famoso pelas suas festas, onde as pessoas dançam em versão clubber pura música cigana e turca e grega. O resultado é irresistível.
Disko Partizani é o outro lado da moeda da discriminação que europeus do sudeste da Europa sofrem nas nações ricas. É uma festiva afirmação das raízes. E não dá pra ficar quieto.

Retrato de Shantel de Goran Potkonjak
Foto de Shantel no Bucovina Club de Michael Namberger

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Dez filmes, dez escândalos


Brando e Schneider em Ultimo tango em Paris


Sexo estilo anos trinta, sob o olhar crítico de Buñuel


Ellen Burstyn fantástica em Requiem for a dream


Robert DeNiro e as mazelas de Vietnã

1. Laranja Mecânica (A clockwork orange), de Stanley Kubrick (1971)
Com um trabalho magistral de Malcolm McDowell, o filme baseado no romance de Anthony Burgess recebeu um X pelas cenas de sexo e violência extrema. Só em 2000 foi liberada a versão completa do diretor.

2. A última tentação de Cristo (The last temptation of Christ), de Martin Scorsese (1988)
Um grupo de ativistas católicos chegou a oferecer mais de seis milhões de dólares para comprar e destruir o filme. Isso explica o nível de irritação que causou o filme baseado no romance de Nikos Kazantzakis nos grupos mais conservadores do catolicismo. A possibilidade de um Cristo humano, não sacrificado, que chega a sonhar com o amor físico ia em contra de todos os dogmas. Resultado: o filme foi censurado e os protestos e ameaças de bombas nos cinemas se repetiram em muitos países.

3. Ultimo tango em Paris (Le dernier tango à Paris), de Bernardo Bertolucci (1972)
Recebeu a qualificação X-Rated, reservada aos filmes pornôs pelas cenas de sexo entre Marlon Brando e Maria Schenider, especialmente aquela da manteiga. Foi proibida em muitos países. Bertolucci adorava comprar uma polêmica, de fato depois fez A lua, onde uma mãe tinha insinuantes cenas com seu filho. Mas além da lição de interpretação de Brando, Ultimo tango é um impiedoso retrato da insatisfação humana.

4. O Franco Atirador (The Deer Hunter), de Michael Cimino (1978)
Um dos filmes que retratou de maneira mais crua a realidade nos campos de Vietnã, na época em que ainda as feridas daquela guerra estavam sangrantes. Uma dívida social exibida sem pudor. Cimino vivia envolvido em polêmicas. Esse filme foi taxado de reacionário e depois ele fez o maldito O portal do paraíso, que ficou na história como o filme que mandou a United Artists à falência.

5. A paixão de Cristo (The Passion of Christ), de Mel Gibson (2004)
Pelo oposto, o mesmo resultado do filme de Scorsese. A paixão de Cristo foi taxada de anti-semita e de fazer uma dúbia leitura da Biblia. Gibson enfrentou mais problemas depois e caiu na desgraça para muitos produtores de Hollywood da origem judia.

6. Réquiem para um sonho (Requiem for a dream), de Darren Aronofsky(2000)
Um casal jovem viziado em drogas e o consumismo que o capitalismo dos anos noventa impulsou no mesmo nível de adicção. A cena em que a moça branca entrega seu corpo para um dealer negro era muito mais forte do que o público tipo dos Estados Unidos podia tolerar.

7. Instinto selvagem (Basic Instinct), de Paul Verhoeven (1992)
Um roteiro do Joe Eszterhaz nas mãos do diretor holandês deu nisso. Ativistas homossexuais fizeram protestos nas portas dos cinemas pela homofobia do protagonista. Além disso, as cenas de sexo motivaram outros protestos de setores conservadores, incluída a famosa cruzada de pernas da Sharon Stone e o filme recebeu nos Estados Unidos a classificação inicial NC-17 que reduzia potencialmente a quantidade de cinemas para o seu lançamento.

8. Cannibal Holocaust, de Ruggero Deodato (1985)
Quatro documentaristas viajam à Amazônia para filmar tribos de canibais. Típico filme de exploitation que de tão ruim virou objeto de culto. O filme foi proibido na Itália e Deodato foi indiciado, na presunção que os protagonistas tinham sido assassinados mesmo nas filmagens. Até eles aparecerem vivinhos. Aí o processo acabou sendo uma ótima publicidade.

9. Aladdin, de Ron Clements e John Musker (1992)
Os filmes bonzinhos para todos os públicos dos estúdios Disney nem sempre são o que parecem. Uma das letras de uma música dizia que “Arabia é um país onde cortam sua orelha se não gostam do seu rosto”. O Comité Arabe-americano antidiscriminação fez um protesto veemente e a Disney teve que mudar a letra para os seguintes lançamentos.

10. A idade de ouro (L’Age d’Or), de Luis Buñuel (1930)
Foram tantas as polêmicas que tiveram o diretor espanhol Luis Buñuel como protagonista, que ele só merece vários textos como esse. Imaginem (ou melhor vejam) um filme que em 1930 tem cenas que citam genitália, masturbação e uma grande orgia coroada por um duque que guia o rebanho de infieis a caminho de Paris e que parece bastante com Jesus Cristo. O filme permaneceu proibido na França por 50 anos. A feroz crítica social que atravessa a obra inteira de Buñuel, estava adiantada à sua época.

Religião, sexo, violência e política são assuntos sensíveis para tradicionalistas e censores. A história do cinema conta também a história dos países e das conjunturas.
Essa lista foi inspirada por uma outra que vi no site da Entertainment Weekly. Acrescentei os meus comentários, coincidi em alguns filmes e coloquei outros. Claro que tratando-se de polêmicas e cinema, haverá mais listas.
Como sempre a ordem não indica valor.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Arena conta Zumbi



"A única coisa que a gente poderia fazer era sobre a história brasileira, porque aí ninguém cobraria, não proibiriam logo de cara. Chegamos à conclusão de que Zumbi seria realmente fantástico. Foi o início de um intercâmbio muito grande entre nós e os diversos setores das artes, desde instrumentistas, compositores, atores, jornalistas, enfim, eram todos".

Gianfrancesco Guarnieri em entrevista à Folha de São Paulo em 2005, relembrou a origem da peça Arena conta Zumbi.

E como aqui não tem feriado e as pessoas nem sabem quem foi Zumbi, me deu por lembrar a peça do Guarnieri e Augusto Boal, que teve sua estreia em 1965 e continua sendo uma referência do teatro musical e político no Brasil.
Os autores narraram a luta dos quilombolas nos Palmares para falar do que não se podia falar, trazendo um episódio da história que estabelecia um paralelismo com o presente, e que conseguia, na sua metáfora -e na incapacidade dos militares para ler entrelinhas- driblar a censura.
Arena conta Zumbi tinha um elencaço com figuras que seriam centrais na cena brasileira, como o próprio Guarnieri, Lima Duarte, Dina Sfat e Milton Gonçalves. Também está Vanya Sant'Anna que foi a companheira de Guarnieri por mais de quatro décadas.
O compositor foi Edu Lobo, que acabara de ganhar o Festival da Excelsior com a música Arrastão, parceria com Vinicius de Moraes, defendida por Elis Regina. Da peça sairam várias canções que hoje são clássicos, como Upa neguinho e Tempo de guerra, que ganhou uma versão poderosa e crispada de Maria Bethânia.
Eu teria adorado assistir àquela peça.

Foto do elenco de Arena conta Zumbi, do grupo Teatro de Arena da comunidade do Orkut
Reprodução da capa do disco com a trilha sonora. Destaque para Marília Medalha que pouco depois iria brilhar com Vinicius e Toquinho

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Peter Zokosky (Postagem 700)


É sempre inquietante a obra do artista plástico estadounidense Peter Zokosky. As pinturas dele revelam um olhar contemplativo sobre a humanidade, o passar do tempo e o mundo em que vivemos. Músculos e ossos se repetem com afã interrogativo e uma curiosidade de criança querendo saber de que coisa fomos feitos. Suas séries de macacos seguem a mesma trajetória de busca da origem. O trabalho de Zokosky, na sua aparente ausência de posição, é de uma beleza comovente.

Esta é a postagem 700 do Nemvem Quenaotem. Lembrei da particular versão de As três Graças de Zokosky também para agradecer a todos os que vieram e vêm aqui passar uns instantinhos, apesar das instabilidades emocionais do Google.
Em uma postagem, anterior a mesma alegoria sob o olhar de Rafaello Sanzio. Sejam as graças para todos vocês.

Reprodução de The Three Graces, óleo de Peter Zokosky

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sobre Damiano, gargantas e profundezas



Semana passada morreu Gerard Damiano, o diretor do clássico pornô Garganta profunda. A mídia fez um daqueles obituários de rigor colocando ao lado do nome do filme, adjetivos do tipo “controvertido” ou “polêmico”.
Ao ver as fotos do velhinho Damiano com essa peruca à beira do patetismo, fiquei pensando nos personagens que ocupam um lugar na história apesar deles.
Deep Throat, a história de uma mulher que tinha o clitoris na garganta, foi estreado em 1972, quando o debate entre puritanismo e liberdade de expressão era um tópico borbulhante na sociedade dos Estados Unidos. Proibida em 23 estados, foi objeto de acesas brigas entre os que acreditavam que o filme expressava um emblema da revolução sexual e os que o consideravam herético. O rio foi pro mar e o fenômeno ecoou na Europa com os mesmos bandos de defensores e detratores.
Com o passo do tempo, virou um estandarte da cultura e alimentou uma lenda que até hoje continua. Damiano era um exemplo para os produtores de cinema enlouquecidos com orçamentos que disparam porque fez o filme em seis dias de filmagens, investiu 25.000 dólares e obteve uma renda de 60 milhões. Mas depois ele mesmo confessou que vendeu os direitos do filme para a famiglia Peraino, uma das que controlavam o negócio da distribuição do pornô. Por quanto? 25.000 dólares, a mesma cifra que tinha custado fazer o filme. De maneira que a renta não foi tal.
A protagonista, Linda Lovelace, passou de ativista militante em prol da liberdade de expressão a confessar que fez o filme obrigada pelo marido dela, que também era seu produtor. Ao mesmo tempo, o ator Harry Reems, foi sucessivamente: processado por obscenidade, celebridade pornô e alcoólatra.
Damiano emplacou outro clássico, The devil in Miss Jones, e continuou com sua carreira, quando o chamado “pornô chic” ganhou força de indústria e músicos e atores compareciam naquelas longas festas pletóricas em substáncias ilegais.
Mas o fato que acabou revelando a inserção do filme na cultura dos Estados Unidos foi que o homem que botou a boca no trombone entregando informação crucial aos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, foi apelidado de Garganta Profunda. E ninguém soube seu nome até 2005, quando Mark Felt, antigo chefão do FBI disse “Eu sou Deep Throat”.
Há quem viu em Garganta profunda uma alegoria do mistério do orgasmo. O poeta Paul Eluard mostrou a sua fascinação com o cinema pornô, dizendo em carta a Gala -a amada que acabou sendo roubada por Dali- que tinha descoberto “a vida incrível e magnífica dos sexos imensos na tela”.
E eu que fiquei pensando nessas pessoas atrás dos personagens. Linda Boreman, eternizada como Linda Lovelace, com o estigma eterno do filme, que ganhou a merreca de 1.250 dólares pelo filme e que morreu em 2002 em um acidente de carro. O outrora poderoso homem do FBI que virou o velhinho Garganta profunda e a morte inglória de Nixon, sua vítima.
E Gerard Damiano, que jamais achou que o filme fosse aquela coisa toda, um aposentado que você poderia ter encontrado em um supermarket de Miami. E pensei na primeira coisa em que você teria reparado, aquela peruca ridícula.


Fotos de Gerard Damiano e Linda Lovelace de Documentary Productions, da divulgação do documentário Inside Deep Throat , de Randy Barbato e Fenton Bailey

domingo, 16 de novembro de 2008

Porque não vou no show do Queen



Quando produzi o show do Bossacucanova mandei um daqueles e-mails de divulgação para todos os meus contatos.
Na noite do show, para minha surpresa -pois eu simplesmente não reconheci ela-, apareceu lá Fernanda, amiga da adolescência que tinha em comum comigo a paixão por Queen.
Como na época não existia internet com todas as suas expansivas possibilidades, as revistas tinham seções de correio que serviam para tudo: conhecer garotas, vender guitarras, oferecer aulas de inglês e organizar clubes de fãs.
Embora morávamos a oito quarterões de distância, mantive durante um ano correspondência com Fernanda até a gente se conhecer. Em longas cartas escreviamos sobre as nossas músicas preferidas e sonhávamos com ver Freddie e Cia ao vivo, sonho que parecia distante, pois naquele momento as bandas grandes não desciam até América do Sul. Aqui só vinha artista decadente e grupos da segunda ou terceira linha.
Conheci Fernanda do jeito que era costume na adolescência, junto com minha gangue de amigos e ela com mais quatro amigas.
O tempo foi apagando minha vocação de fã e nunca mais encontrei Fernanda, embora nos reencontramos já na época do e-mail, ameaçando uma reunião de lembranças que jamais aconteceu, até o impensado momento, no camarim do Bossacucanova.
Mas Queen veio pra Argentina em 1981, em pleno apogéu, na época do álbum The Game. E eu que estava cumprindo com o serviço militar não fui uma mas duas vezes ver aquele show inesquecível deles.
Fora qualquer tietagem, jamais um concerto desse nivel técnico, com tamanha qualidade de som e luzes, havia sido visto por essas praias.
Não sou muito amigo de farejar no baú da nostalgia. Nem sempre lembrar é reviver. É saudável voltar àqueles lugares onde fomos felizes, mas considero que também é melhor deixar algumas vivências no seu marco de espaço e tempo.
Por isso quando Fernanda me perguntou se eu ia no show do Queen, eu disse não. Por isso quando vi os cartazes que anunciavam “Queen + Paul Rodgers” não consegui evitar pensar “Queen – Freddie Mercury”.
Será uma ótima oportunidade, para quem não foi testemunha da história, de ter uma ideia do que aquela banda significou.
Pessoalmente, prefiro manter o cofrinho fechado e jogar a chave no fundo do mar.


Foto de Queen no backstage em Buenos Aires em 1981, com Diego Maradona, uma imagem impensada um ano depois com o advento da guerra das Malvinas
Foto da banda na varanda do Hotel Sheraton, em Buenos Aires

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Marianne Faithfull, depois do veneno



Hoje finalmente está nas lojas da Europa Easy come Easy Go, o novo album de inéditas de Marianne Faithfull.
Grande musa das décadas de 60 e 70, que foi do céu ao inferno sem perder a elegância jamais, a artista britânica estava sem disco novo desde 2004, quando editou Before the poison, também pelo selo francês Naïve. Reverenciada por artistas de todas as gerações, ela não ficou quieta nesse hiato. Entre muitas atividades, ajudou Carla Bruni a escolher poetas ingleses para seu Those dancing days are gone; recitou sonetos de Shakespeare na Itália e assistiu aos desfiles dos maiores designers do mundo. E também foi obrigada a cancelar concertos este ano por indicação médica: ela estava exausta, mental e fisicamente.
Entre os convidados -todo mundo quer gravar com ela- de Easy come Easy Go estão Keith Richards, Nick Cave, Rufus Wainwright, Jarvis Cocker, Sean Lennon e Marc Ribot. O repertório vai de Billie Holliday, Dolly Parton e Bessie Smith a Morrissey e Black Rebel Motorcycle Club.

Reprodução da capa de Easy come Easy go
Foto de Marianne Faithfull da década de sessenta, sem crédito do autor

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Salve Thereza Miranda


Ficou inaugurada hoje na Embajada del Brasil em Buenos Aires a mostra Impresiones, de Thereza Miranda.
A retrospectiva comemora os oitenta anos da artista plástica carioca, pioneira na utilização da fotografia em gravuras.
Um privilégio e uma oportunidade única para o público porteño de assistir ao vivo os trabalhos desta artista fantástica que traduz nas pinturas e gravuras meio século do seu olhar artístico.


Reprodução de Casa no Catete, gravura em metal de Thereza Miranda (1981)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Arnaldo Antunes no FILBA




No dia 12 de novembro começa no MALBA o Primer Festival Internacional de Literatura en Buenos Aires, o FILBA. Entre os convidados de honra, o italiano Gianni Vattimo, o chileno Alberto Fuguet e o brasileiro Arnaldo Antunes.
Na sexta-feira 14, Arnaldo faz uma das suas performances poéticas e no sábado 15 tem show dele no Niceto Club. Mas a engrenagem de uma peça só não estará só no palco. Para o show vem um velho parceiro, a fera da guitarra Edgard Scandurra.
Estou contando as horas até lá.

Publicidade do Niceto Club sobre foto de Fernando Laszlo

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Italianos contra Berlusconi


Italianos boa praça resolveram abrir um site para contestar Berlusconi, depois que ele disse algo assim como que Barack Obama é "um bom moço que está sempre bronzeado".
Seguindo o exemplo dos estadounidenses opositores à guerra no Irak do "Not speaking in my name", estão chamando para mostrarem o rosto aos italianos que sentem vergonha toda vez que o Berlusconi abre a bocaça.
Assim como as notícias sobre o crescente racismo na Itália estão presentes aqui com freqüência, uma vez é bom lembrar que existe também na velha Itália uma reserva moral.

Foto reprodução do site Not speaking in my name

Um chão de esmeraldas na internet


Hoje a noite estará no intangível abismo da internet o enorme acervo do poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho. Eu tive a oportunidade de conhecer uma minúscula parte de esse oceano de cultura popular brasileira que ele tem no seu apartamento do Rio de Janeiro. Foi quando entrevistei Hermínio para o documental Samba no pé.
Preocupado e ocupado como sempre foi com acervos e arquivos, ele conseguiu catalogar e digitalizar os documentos. São mais de dez mil entradas para poemas, músicas, fotografias, correspondência, quadros, partituras e crônicas, entre outros itens.
O material é invalorável. Dentre as pérolas que lá estão, este poema manuscrito que Carlos Drummond de Andrade dedicou a Hermínio em 1985.

Reprodução do manuscrito de Drummond do Acervo HBC

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Adeus a Mama Africa


Bem que ela disse que ia morrer no palco. A velha Senzile, conhecida como Miriam Makeba, estava cansada para continuar andando palcos, mas sempre aparecia algum convite que ela não conseguia recusar.
Estava chateada quando foi pra cena por causa da escalação do show em apoio ao escritor Roberto Saviano, ameaçado pela camorra, em Caserta, Itália, no mesmo local onde seis africanos foram assassinados em setembro.
Ela teve que esperar bastante para entrar no palco. Miriam, com trinta anos de exílios nas costas, não queria mais esperar. Cantou quatro músicas para um público que não ia além das oitenta pessoas, quase todos africanos na Itália do governo arrogante.
Depois desmaiou e subiu.
Muito além do sucesso mundial da música Pata pata, Miriam Makeba foi um emblema da luta contra o apartheid que ela mesma sofreu na sua Africa do Sul, onde só voltou com Nelson Mandela no poder, por pedido do próprio presidente.
Em entrevista com a televisão italiana, no mesmo dia do último show, ela disse:
- Fomos a última nação da Africa em conseguir a liberdade. A dor da nossa gente é muita. Nós não poderemos esquecer, mas temos que tentar perdoar.

Don’t you know that home is
Where my heart lies
Across the ocean
Into the African skies
Through the hills and valleys
This is where I’ll stay
The birthplace of my heart

Africa is where my heart lies, de Miriam Makeba (fragmento)
Foto de 1964 da agencia AFP

domingo, 9 de novembro de 2008

Borges txt


1. Em 1923, o jovem Borges publicou seu primeiro livro, uma coleção de poemas chamada Fervor de Buenos Aires. Trescentos exemplares foram impressos. Ele acreditava que a melhor divulgação era dar de presente para escritores e jornalistas.
Borges chegou na redação da revista Nosotros, onde foi recebido pelo diretor da publicação, Alfredo Bianchi.

- Você pretende que eu venda esses livros?
- Não pretendo, embora eu escrevi este livro, não sou maluco. Mas eu queria que o senhor colocasse nos bolsos desses paletós que estão lá pendurados.


Em tempo, os donos desses paletós foram vários dos primeiros que começaram a escrever sobre Borges e a construir a reputação de poeta dele.

2. Borges era professor da Faculdade de Letras da Universidade de Buenos Aires. Uma mulher, louca por conhecê-lo, vai esperar o escritor na saída da sala de aula. Quando a aula finaliza, os estudantes vão embora e finalmente sai Borges. A mulher chega pra ele e diz:

- O senhor é Jorge Luis Borges?
- Momentaneamente.

3. Borges está no estúdio de tevê Sonotex para fazer um comercial da Biblioteca Personal Jorge Luis Borges, uma coleção de livros escolhidos pelo mestre que serão vendidos nas bancas. É verão em Buenos Aires e faz um calor horroroso. De repente, Borges está debaixo de um holofote com um dos seus habituais ternos escuros quando começa a chamar sua secretária (que depois será sua esposa) María Kodama.

- María! María!
A mulher chega perto dele.
- Que foi, Borges?
- Eu já estou no inferno?

4. O escritor recebe na casa dele um cheque por adiantado pela palestra que vai oferecer no Hotel Bauen, no centro de Buenos Aires. É a maior cifra que jamais obteve por uma palestra, no tempo em que ele já era uma celebridade.
No dia pactado, Borges chega mais cedo ao hotel, onde é recebido pelo dono. Depois de cumprimentá-lo, Borges devolve o cheque. Surpreso, o homem lhe-diz:

- Porquê me devolve o cheque? É o pagamento do senhor
- Caso ninguém vier.

Inicio hoje uma série de postagens com histórias, anedotas e frases geniais do escritor Jorge Luis Borges. Além da grande obra, o autor deixou uma coleção dessas histórias hilárias vindas da sua rapidez de respostas e o seu humor irónico. Porque além do escritor que ele foi, Borges foi um mestre da oralidade.

Foto de Jorge Luis Borges de Sara Facio

sábado, 8 de novembro de 2008

Marcelo Camelo, o dono dos adjetivos


Posso estar só
Mas, sou de todo mundo
Por eu ser só um
Ah, nem! Ah, não! Ah, nem dá!
Solidão, foge que eu te encontro
Que eu já tenho asa
Isso lá é bom, doce solidão?

Doce solidão, de Marcelo Camelo
Foto de divulgação da Cia. da foto

Jornalistas têm (temos? será que já não sou ou nunca fui um deles?) mania de classificar. Há artistas especialmente sensíveis a essas etiquetas. Marcelo Camelo é um deles desde os tempos do Los Hermanos e continua sendo alvo dessa obsessão agora que segue com sua carreira solo. Estranho, difícil, experimental, mauricinho são alguns dos muitos adjetivos que eu li sobre ele ao longo dos anos.
Como eu tenho licença de gringo, as vezes consigo manter um certo distanciamento que coloca isso em evidência. Artistas como Camelo ou Caetano, deixam nervosos alguns jornalistas, seja por fugir dessas classificações, seja pelas suas declarações ou a ausência delas.
O problema é quando essa tendência ecoa no público, que acaba prestando mais atenção no personagem do que na obra ou chega na obra com um conceito previamente formado.
Por esses motivos resolvi ouvir o Nós ou Sou (dependendo do olhar) sem ler antes uma linha sobre o álbum.
A primeira impressão confirma que Marcelo Camelo é um artista que pouco se importa com o que o mercado e o público esperam dele, assim constroi sua música e isso o aproxima bastante da liberdade. O disco, como corresponde a um primeiro disco de um artista que sai de uma banda de muito sucesso, é introspectivo e festivo ao mesmo tempo. Por momentos, pareceu-me que é um disco de uma música só que vai nos levando por sensações diferentes.
Camelo não faz canções, ele exorciza sentimentos.
Experimentem ouvir Sou (ou Nós, escolham) deixando atrás da porta o saco com tudo que já leram ou ouviram dizer sobre o artista.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Baby Rain


Chuva de mulher
o que se vê
não da pra crer
Baby rain
o que se toca
não é o que se vê
olho para além
teu dedo tira foto
de você
mistery train
todas as caras
que você pintou
não dizem nada
nem dão nome
à tua dor
Arpoador
no pôr do sol
love so vain
Pao como pão
amor vão
estoy bien
a noite
quando acaba
tem cheiro de você
digam a todos
o que se vê
não é o que se vê.

Baby rain, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de
Michael Dorr

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Babilônia é aqui


No dia 2 de novembro fizeram 78 anos desde que sua Majestade Imperial, Haile Selassie I, foi ungido Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Leão Conquistador da Tribo de Judah, o Eleito.
O rei foi coroado junto com sua esposa Empress Menen. Foi o início do movimento rastafari.
Como os membros da religião não utilizam as doutrinas de evangelização comuns a outras crenças, a música do reggae foi e continua sendo o maior veículo de divulgação da filosofia, embora os tambores Nyahbinghi já cultuavam a religião na Jamaica antes do reggae existir.
Eu não sei se o profeta Marcus Garvey esteve certo ao anunciar o paraíso na Etiópia, mas que todos nós habitamos a Babilônia, sobre isso ele estava certíssimo.

Foto de Bob Marley, custodiado pela imagem de Haile Selassie I, de Roger Steffens e Peter Simon

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Os medos de Hitchcock


- As pessoas não fazem mais do que perguntar porque me interessa tanto o crime. A verdade é que não me interessa, só me importa na medida em que afeta à minha profissão. Tenho terror da polícia. Eu tenho tanto medo que, em 1939, quando cheguei pela primeira vez nos Estados Unidos, me recusei a dirigir por medo de ser detido e multado. Ficava horrorizado só com a idéia de que me arriscar a dirigir um carro me deixaria exposto a situação semelhante dia após dia. Sou incapaz de suportar o suspense.

Ele deve ter percebido a surpresa no meu rosto, porque se apressou para explicar.

- O que eu quero dizer é que me resulta insuportável quando me toca. As pessoas diziam que talvez poderia transcender o medo da polícia abrindo a porta do meu subconsciente, onde ocultava-se uma psicose adqüirida durante a infância. Futuquei as minhas recordações e abri a porta em questão.
Eu era um pirralho e o meu pai mandou eu ver o delegado com um bilhete. Ele leu, começou a rir, e me trancou na cela por dois minutos. “Isso é para você ver o que acontece com as crianças más”. Essa era a idéia que o meu pai tinha de como me dar uma lição. Depois de ouvir minha história, todo mundo disse “Claro! Por isso você tem medo da polícia”. Infelizmente, o fato de jogar luz no incidente não serviu para me trazer alívio. Continuo me arrepiando de policiais.

O mestre do suspense, Alfred Hitchcock, em entrevista com Pete Martin, publicada no The Saturday Evening Post em 1957
Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto de Alfred Hitchcock de Luc Fournol
(1955)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Americanos


Tão homem, tão bruto tão coca cola nego, tão rock n roll
tão bomba atômica, tão amedrontado, tão burro, tão desesperado
tão jeans, tão centro, tão cabeceira, tão deus
tão raiva, tão guerra, tanto comando e adeus
tão indústria tão nosso, tão falso, tão papai Noel
tão Oscar, tão triste, tão chato, tão ONU e Nobel
tão hot dog, tão câncer social tão Narciso,
tão quadrado, tão fundamental
tão bom, tão lindo, tão livre, tão Nova York
tão grana, tão macho ,tão western, tão ibope
racistas, paternalistas, acionistas
prefiro os nossos sambistas

A ponte de safena, Hollywood e o sucesso
O cinema, a Casa Branca, a frigideira e o sucesso
A Barra da Tijuca Hollywood e o sucesso
Prefiro os nossos sambistas
Prefiro o poeta pálido, O ante homem que ri e que chora
Que lê Rimbaud e Verlaine
Que é frágil, que te adora
Que entende o triunfo da poesia sobre o futebol
Mas que joga sua pelada todo o domingo debaixo do sol
Que prefere ao invés de Slayer ouvir Caetano, ouvir Manu Chao
Não que Slayer não seja legal e visceral
A expressão do desespero do macho americano é normal
Esse medo da face fêmea dita por Cristo é natural
É preciso mais que um soco pra se fazer um som, um homem, um filme
É preciso seu amor seu feminino seu suingue
Pra ser bom de cama é preciso muito mais do que um pau grande
É preciso ser macho, ser fêmea, ser elegante.

Cinema americano, de Rodrigo Bittencourt
Foto de Lori Grinker

Estes americanos, que nem gentilício tem, amanhã escolhem novo presidente

Um país grande e estranho



"Todos sabem que nós somos dos Estados Unidos, que é um país grande e estranho. Todos sabem que nós odiamos os nossos governantes. Acreditamos que com Obama possa começar uma nova era".

Michael Stipe, líder do R.E.M., no show que a banda fez em Buenos Aires no sábado passado.
Foto de Soledad Aznarez

domingo, 2 de novembro de 2008

Frampton chega vivo



Ter um irmão mais velho é fundamental na formação musical da gente. Quando eu era criança, ao mesmo tempo que ouvia aquelas musiquinhas bobas que as crianças ouvem, também começava a conhecer a música que, não fosse por ele, só iria descobrir muito tempo depois.
Irmão mais velho é tudo, menos na hora da briga, onde a desigualdade de forças fica evidente.
Em casa a disputa pelo aparelho de som durou até que eu comecei e perceber que os discos que o meu irmão colocava eram bem mais legais que os meus. O paso seguinte foi passar a pedir emprestados aqueles discos que era o mesmo que testar a paciência dele. Mas ele, como qualquer melómano, era fiel e obsessivo. Eu só podia deixar que ele colocasse e pedir pra ele virar de lado quando chegava ao fim. Porque, claro, com vinil era assim, lado A e lado B e nada de controle remoto.
Meu irmão também usava parte da sua mesada para comprar a revista Pelo (em espanhol, cabelo), que era a leitura obrigatória de todos os amantes do rock. Aliás, por muito tempo foi a única revista especializada. Um dia eu escrevo um texto só para falar daquela revista, mas o caso é que eu devorava a Pelo, também emprestada. Nem pensar em ter direito aos posters que com ela vinham.
E assim foi como, ainda criança, conheci esses artistas maravilhosos da década de setenta. Mas essa longa introdução o que tem a ver com o sujeito da foto acima? Tudo. Porque quando Peter Frampton estourou com Baby, I love your way e Show me the way, eu já conhecia a figura, ele era o ótimo guitarista do Humble Pie de Steve Marriott.
E a questão não é ressalvar que eu seja um visionário ou coisa parecida mas fazer uma diferênça, porque esse sucesso do Frampton estava mais associado a uma estrela pop do que a um roqueiro. O disco Frampton Comes Alive chegou aqui em 1977, um ano depois do estrondo que começou nos Estados Unidos. Sim, porque na época, quase todas as novidades musicais demoravam pelo menos um ano para chegar a esse quintal da civilização que é a América Latina, como se elas viessem de navio. E isso se a gente tinha sorte, porque muita coisa boa ficava perdida no oceano.
Quando eu, já menos criança, comprei o compacto do Baby, I love your way, o artista com sua baby face, aparecia nas revistas femininas para adolescentes. Era a estrelinha da hora. A questão então foi ir atrás do disco duplo. E lá estava o ótimo guitarrista do Humble Pie que a revista Pelo anunciara.
Nesse disco fundamental, Peter Frampton estava acompanhado pelo baterista John Siomos, o guitarrista e tecladista Bob Mayo (os dois já subiram) e Stanley Sheldon no baixo. O trabalho está atravessado por músicas amigáveis ao ouvido e a guitarra fantástica do inglês, que ainda trazia a novidade do talk-box. Na época, com os colegas, diziamos que Frampton “faz a guitarra falar”.
Com quinze milhões de cópias faturadas, Frampton Comes Alive continua entre os discos ao vivo mais vendidos da história. O título acabou sendo premonitório, pois Peter virou um sobrevivente nos anos seguintes: Perdeu quase tudo nas mãos do seu manager. Depois descobriu que a namorada dele gastava uma porção de grana em festas onde ele não era convidado. Na dor do (des)amor saiu pelas ruas da ilha de Nassau onde morava e bateu seu carro contra um muro. Foi salvo por um milagre e por um trabalho de engenharia para colocar de novo os ossos no lugar. Depois investiu na bolsa e em uma dessas jogatinas perdeu tudo de novo. David Bowie o resgatou, levando-o com ele na primeira guitarra para um tour mundial.
Peter Frampton não desistiu nunca, seu sucesso foi feito na base da unha na guitarra e do pé na estrada. Virou cidadão dos Estados Unidos onde sempre foi melhor recebido (bom, ninguém é perfeito) e foi até personagem de um capítulo genial dos Simpsons. Por acaso, ou não, seu mais novo disco, só instrumental, chama-se Premonition.
Ah, sim, na terça-feira vai votar em Obama.


Foto de Peter Frampton nos tempos do maior sucesso. Se alguém conhecer o autor, faça o favor de avisar.
Reprodução da capa do Frampton Comes Alive (1976)

sábado, 1 de novembro de 2008

E saiba o povo votar


Convenção do Partido Democrata em 1968. Em primeiro plano Paul Newman e por tras dele o escritor Arthur Miller.

Foto de Lee Balterman