quinta-feira, 12 de junho de 2008

Freud e o mal-estar da civilização


- As vezes me pergunto -eu lhe disse- se não seriamos mais felizes sabendo menos dos processos que dão forma aos nossos pensamentos e emoções. A psicanálise despoja à vida dos seus últimos encantos ao vincular cada sentimento ao punhado de complexos que o originam. Descobrer que todos nós guardamos no coração um selvagem, um criminal, uma besta, não nos-faz mais felizes.
- E o que tem o senhor contra as bestas? -inquiriu Freud- Eu prefiro muito mais a companhia dos animais do que a das pessoas.
- Por que?
- Porque eles são muito mais simples. Não tem uma personalidade dividida, não sofrem com a desintegração do ego que surge da tentativa do homem de se adaptar a uns padrões de civilização enaltecidos demais para os seus mecanismos intelectuais e psíquicos.
O selvagem, como a besta, é cruel, mas ele está isento da mesquinhez própria do ser civilizado.
A mesquinhez é o modo que tem o homem de se vingar da sociedade pelas restrições que esta lhe-impõe. É o sentimento de vingança que anima o reformista e o fofoqueiro. Um selvagem pode cortar nossa cabeça, devorar-nos, torturar-nos mais ele vai nos poupar dos pequenos e constantes picadas que as vezes fazem com que a vida numa comunidade civilizada resulte quase intolerável.
Os hábitos e as idiossincrasias mais desagradáveis do homem, a sua falsidade, covardia e falta de respeito, são engendros de uma adaptação incompleta a uma civilização complexa. São o ressultado do conflito entre os nossos instintos e a nossa cultura.

Entre as entrevistas de G. Sylvester Viereck constam Roosevelt, Hindenburg, Briand e George Bernard Shaw entre muitos outros. Em 1930 ele entrevistou para o Glimpses of the Great ao professor Sigmund Freud na sua residência de verão nos Alpes austríacos. Viereck mantém um diálogo imperdível com o pai da psicanálise, definido pelo jornalista como "O Colombo do cêrebro humano".
Já afetado pelo tumor no queijo, Freud se mostra as vezes na beira do pesimismo, mas resgata os pequenos prazeres como ficar com a família e cuidar das plantas muito mais do que virar imortal. "Os meus setenta anos tem me ensinado a aceitar a vida com jubilosa humildade". Mas ele é implacável na hora de descorrer o véu das misérias humanas. Por isso escolhi a foto dele com seu cachorro.
Pois é. Freud explica.

Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto de Sigmund Freud de Marie Bonaparte

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