sábado, 14 de fevereiro de 2009

São Valentim



Por razões obvias, histórias cruzadas de Brasil e Argentina exercem forte atração sobre mim. Por isso hoje, que o mundo anglo-saxão comemora São Valentim -e vários países latinos também por conseqüência da colonização cultural- vou fazer uma parada na figura de Paulo Valentim, craque brasileiro que brilhou na década de sessenta no Botafogo e no Boca Juniors da Argentina. E que foi protagonista de uma bela e ao mesmo tempo amarga história de amor com ninguém menos que Hilda Furacão.
Contam os historiadores do futebol que Valentim já era figura no Atlético Mineiro mas não tinha um tostão, chegando a dormir debaixo da arquibancada. Nessa época, na área conhecida como Polo Norte, Paulo, amigo da noite, encontrou Hilda pela primeira vez.
Chamada de Furacão, Hilda era uma mulher baixinha, pernambucana migrante, que fazia programas nos bares e boates da zona.
A diretoria do Atlético, logicamente, não via com bons olhos o relacionamento, pensando que não passava de uma paixão breve, mas que enquanto ardia tirava o fólego do craque no gramado.
Pela mediação de João Saldanha, o carioca Paulo voltou pra sua terra para estrear no Botafogo vitorioso que tinha Garrincha e Didi.
Em 1957, entrou para a história do alvinegro depois de marcar cinco vezes na decisão do estadual no 6 a 2 em cima do Fluminense.
Em 1959, o Sul-Americano foi jogado em Buenos Aires. Valentim virou estrela nacional ao lavar a honra brasileira, quando fez três gols no jogo contra Uruguai. O público argentino ficou maravilhado pela destreza e pela raça do jogador. E a diretoria do Boca Juniors não perdeu o tempo e contratou Paulinho.
Antes de mudar para Buenos Aires, Valentim resolveu casar com Hilda, o que jogou por terra a história da paixão passageira. Contou Saldanha que na ceremônia o padre fez referências explícitas ao passado de Hilda e que Paulo só não foi pra cima do religioso porque os amigos o acalmaram.
Na Argentina, Paulo Valentim viveu quatro anos de esplendor. Formou o ataque xeneize com Ernesto Grillo e José Sanfilippo. O Boca foi campeão em 1962 e 1964 e ele foi artilheiro dos torneios de 61, 62 e 64. Paulinho entrou rápido no coração dos torcedores, o Jugador Número 12. Logo no primeiro clássico com o eterno rival River Plate, faturou duas vezes para a vitória 3 a 1, iniciando também um histórico duelo com o grande goleiro riverplatense Amadeo Carrizo. E a torcida criou um canto que dizia “Tim, tim, tim, gol de Valentim”. Vocês vêem como naquela época eram inocentes os gritos de guerra das torcidas.
Em Buenos Aires, além da glória esportiva, ninguém conhecia o passado de Hilda, aqui ela era “la señora de Valentín” (o sobrenome de Paulinho foi freqüentemente espanholizado na Argentina). Ninguém sabe o pelo menos ninguém disse porque eles voltaram para o Brasil no final de 64. Pode ter sido por saudades, por ofertas que não vingaram ou pelo final de um ciclo, mas o certo foi que ali começou o declínio do astro.
À beira dos quarenta foram pro México. Naqueles anos os jogadores de futebol não ganhavam essas fortunas que hoje os poucos eleitos já têm aos vinte. Valentim acabou trabalhando no cais do porto e Hilda pensou na solução de voltar à velha profissão, mas ele rejeitou tal possibilidade. Assim mesmo Hilda não ficou quieta. Ligou para os contatos que ainda tinha no Boca e conseguiu um contrato para que Valentim possa trabalhar nas divisões de base do clube argentino.
O casal abandonou a modesta pensão do bairro do Flamengo e voltou pra Buenos Aires, talvez atrás do sonho de reviver os tempos felizes.
Paulo Valentim morreu na cidade portenha em 1984. Diversas lendas foram tecidas ao redor de Hilda. Ela virou até minissérie da Globo. Mas não há uma história oficial sobre o destino dela.
Até hoje, Valentim, ídolo de duas torcidas, precoce destrutor de preconceitos entre Argentina e Brasil, é o máximo anotador nas decisões dos estaduais brasileiros e o maior artilheiro do Boca em frente do River.
Não é uma bela história de São Valentim?






Texto escrito com dados do arquivo próprio, de jornais argentinos e brasileiros e do blog de Roberto Porto

Foto de Paulo Valentim no Boca Juniors, gentileza especial para o Nemvem Quenaotem do arquivo do
Diario Olé
Foto de Paulo Valentim no Botafogo e de Paulo Valentim e Hilda Furacão no apartamento de Buenos Aires, sem crédito conhecido.

7 comentários:

Anônimo disse...

Olá, meu querido, lindo e adorado amigo Juan...
Apesar de ser sabedora desse preconceito que existe entre brasileiros e argentinos e isso ser recíproco, nós aqui, nos blogs, não temos nenhum tipo de preconceito, não é? Adorei o seu post, as informações sobre Valentin e principalemente a parte da Hilda Furacão que é muito conhecida aqui no Brasil, ela foi até mini-série na TV Globo.
Um ótimo início de semana pra você...

PS: E quanto ao gatinho do adeus, foi pra quebrar o gelo...
Beijos, meu lindo!

Livro de Autor disse...

Pra começar eu sou Botafogo. Ver aquela foto do Valentim com a camisa da estrela solitária mexeu comigo, Juan...
Mas isso é só pra dizer que não conhecia essa história muito digna de nota! Me lembrei do Garrincha, desses craques de uma época em que a glória era só mesmo a bola com arte no pé e no gol. Como você lembrou, nada das fortunas de hoje em dia...
Saudações botafoguenses e um beijinho.

Emerson Reis disse...

Parabéns pelo blog, é a primeira vez que visito e, tamanha qualidade que vi, não tem como deixar de ser um seguidor. Parabéns! Adorei o último post em especial, por trazer histórias que dificilmente encontramos na midia oficial, assim. Se puder me visite em www.mersonreis.blogspot.com

Juan Trasmonte disse...

Luciana, parece que aqui é território livre de preconceito. Não ousaria dizer que a blogosfera toda é, mas já é um começo. Aliás, um lado bom da globalização é os povos se conhecerem mais. Preconceito é diretamente proporcional à ignorância.
bjs

Juan Trasmonte disse...

Valeu Ana! A intenção não era mexer com teu coração alvinegro para a saudade bater. Tudo mundo lembra daqueles craques da época, mas o Paulo é realmente pouco lembrado. Achei necesária essa história.
Obrigado por estar aqui
bjs

Juan Trasmonte disse...

Caro doutor Emerson,
Agradeço tua visita e teus elogios. Seja bem-vindo, sempre.
Com certeza darei uma voltinha pelo teu blog. Fica o convite também para os leitores.
Abraços

Anônimo disse...

dá-lhe Juan…
Vira e mexe eu passo aqui pra folhear as histórias cruzadas… M dá sempre uma chacoalhada, seja na memória, seja na curiosidade…
Pois eu tenho sempre a sensação q o Botafogo, é um time de histórias e personagens (muito) lendários, mais q o normal… Saldanha, Heleno de Freitas, Didi, Garrincha, Jairzinho e Caju, o time do fim dos 50, o time do fim dos 60, a proverbial boemia…
E essa pequena história alimenta a mística...

abração alvinegro (paulista…)