quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Receita pra virada



- Se tiver um oceano por perto, vá molhar os pés. Se não tiver, qualquer água presta. Você vai precisar dos pés para seguir andando.

- Não faça balanço patrimonial, nem sentimental. Deixe balanço para os financeiros, a vida é uma trajetória e os anos apenas convenções do tempo.

- Esses dias são muito hipócritas, aproveite para mostrar sinceridade. Se o porteiro é um cara legal, dê um abraço nele. Abrace pessoas que merecem ser abraçadas.

- Seja sincero nos seus desejos e módico nas suas ambições. Você precisa a terceira parte do que tem. O resto é confete.

- Vivemos no reino das incertezas. Não se preocupe com segurança além da conta. Mas também não perca de vista as duas ou três coisas essenciais da vida. Essas não tem globalização nem crise que possam modificar.

- Celebre os amigos novos. Cada um deles é um espelho do que você é e do que você pode dar.

- Beba uma à saúde dos que foram embora esse ano e não esqueça que o último gole é pros santos.

- Seja piedoso com as almas avarentas porque isso mostra a generosidade da sua alma. Mas se não conseguir, mande eles se fuderem mesmo.

- Desligue o rádio na hora da virada. Escolha uma música legal. Seja seu próprio DJ.

- Identifique o inimigo. Ele não é a moça do call-center. Seja certeiro nessa indentificação. Já, com o inimigo individualizado, seja maoista.

- Seja solidário com os estrangeiros de boa vontade. Lembre que as nossas civilizações foram construídas por imigrantes.

- Veja se tem louça suja na pia. Se tiver, lave-a. Não é bom começar o ano com louça suja.

- Acenda velas brancas e agradeça qualquer coisa que puder agradecer, porque o tempo não para.


Não se preocupem, amigos. Não tenho a menor intenção de entrar no negócio da auto-ajuda. Só deixo aqui uns pensamentos soltos.
Procurem instantes de alegria verdadeira e feliz Ano Novo para todos.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Voar


Martha Graham e Merce Cunningham, os pais da dança contemporânea, na imagem de 1948.
Quem disse que o homem não pode voar?

Foto de Philippe Halsman

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

No tempo dos sem tempo



Pia pingando
aranha andando
pelas bordas da janela
e uma sede de ontem de secar o mar

Será que você vai me amar
quando acordar
vai deixar cair um cobertor
sobre meus pés
quando o frio chegar
e quando São Sebastião do Rio
de janeiro cansar

porque o tempo está acabando

será que você vai me abraçar
se eu não conseguir andar
ate a saída da Roma
e se eu não enxergar
o fogo inimigo
você ainda vai me amar?

No tempo dos sem tempo, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de
Célio Dutra

sábado, 27 de dezembro de 2008

Capricornianos


Muhammad Ali


Albert Schweitzer


David Bowie



Mao Tse-Tung

Eles e Jack London, Edgar Allan Poe, Martin Luther King Jr, Moliere, Euclides da Cunha, Nicolas Cage, Isaac Newton, Jorge Benjor, Nat King Cole, Henry Miller, Anthony Hopkins, Rowan Atkinson, Humphrey Bogart, Elvis Presley, Joan Manuel Serrat, Louis Pasteur, Rod Stewart, Denzel Washington, Nostradamus, Benjamin Franklin, Federico Fellini, João Cabral de Melo Neto, Josef Stalin, Candido Portinari, David Lynch.
Todos eles nascidos sob o signo de capricórnio.

Foto de Muhammad Ali de Art Shay
Foto de David Bowie da Rolling Stone magazine




sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Capricornianas


Patti Smith


Diane Keaton


Marlene Dietrich


Rosa Luxemburgo

Elas e Jeanne D'Arc (ou Joana D'Arc), Rita Lee, Annie Lennox, Marianne Faithfull, Janis Joplin e Geena Davis. Todas nascidas sob o signo de capricórnio. Todas amadas por mim.

Foto de Patti Smith de Annie Leibovitz, que também é tão genial que merecia ser capricorniana.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Segundo aniversário do Nemvem Quenaotem


O Nemvem Quenaotem completou dois anos ontem. Mas como ontem também estava prestes a fazer anos alguém um pouco mais importante que o Nemvem, preferi deixar esse texto para hoje. O outro fez 2008 e continua escrevendo a sua história. É um bom estímulo para eu também continuar, pelo menos um tempinho mais.
O negócio começou como uma brincadeira para encher as páginas do space do MSN. No finalzinho de 2006, resolvi mudar para o blogspot aquelas postagens, limitadas à reprodução de obras de outros e aos meus poemas em português. Se alguém aqui ainda não sabe, “em português” significa que nem todos os meus poemas foram escritos na língua de Camões, porque eu sou um sujeito nascido e alfabetizado na Argentina. Um santo dia da minha adolescência, O Brasil e sua cultura entraram pela janela da minha existência. Mais de uma década -já no passado- de psicanálise não explica essa experiência. Talvez essa identificação venha do lado português dos meus ancestros, que também estão na Catalunha e Galícia. Talvez os culpados sejam Macalé, Gal Costa e Caetano. Porque fora as músicas do Rei que eu já contei que ouvia em espanhol sendo criança, a revelação clara foi lá pelos meus quinze anos, quando eu ouvi Gal cantando Vapor barato e Caetano cantando Maria Bethânia. Nos dois casos achei engraçado e curioso o fato de uma música misturar inglês com português. Essa brincadeira foi traduzida no tempo em umas vinte viagens e cinco anos de residência no Brasil.
Mas enfim, voltando ao assunto, o bichinho do blog entrou no sangue e nesse último ano os meus textos e a minha opinião foram ganhando espaço, sem perder da vista os eixos que lhe deram sustento: a busca da beleza através das artes; o olhar estrangeiro com sua distância e perplexidade quase infantil; os imigrantes, com as suas poderosas bagagens culturais, suas dores e suas línguas estranhas; e os vínculos criados nessa mistura de pessoas de origens diferentes.
Essa mudança paulatina do blog também foi influenciada pelos agregadores de notícias e as múltiplas conexões que contribuiram ao crescimento do número de visitas.
Finalmente, last but not least, agradeço o estímulo, as palavras calorosas, o carinho e a persistência de tantas pessoas que acompanham o Nemvem Quenaotem, apesar dessa eternidade abismal que é a internet e do pouco tempo para lazer que temos os que vivemos do nosso trabalho. Este gringo se sente realmente honrado pela presênça desses compañeros. E sintam-se vocês todos abraçados.
Então essa outra brincadeira -a do blog- entra hoje no seu terceiro ano e continua Vivinho da Silva. Moral da história: cuidado com as brincadeiras, sabemos como começam, mas nunca sabemos onde vão dar.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Natal, o que o amor anuncia



Assim como os anos passam minha paciência com o folclore do Natal vai diminuindo. Detesto pessoas estressadas nos shoppings, no trânsito, pessoas que não dão a mínima pros outros, mas nesses dias têm uma vontade irrefreável de encontrar todo mundo. Não tolero festinhas de falsa alegria e música horrorosa. Vejo ao redor muitas pessoas para quem essas datas são motivo de tristezas, de saudades, de afirmação de desencontros, de ausências.
Porém, apesar de todos os pesares, uma certa esperança que nem sei de onde vem sobrevoa esses dias. Pensei em como significar essa esperança e lembrei de um texto sobre o amor do padre, poeta e filósofo argentino Hugo Mujica. Na verdade é uma transcrição de uma coluna que ele tinha num programa de televisão e que depois ele me enviou na íntegra pelo correio quando eu morava no Brasil.
Passei horas traduzindo o texto para o português, com as dificuldades do uso do neutro em espanhol, que no português não é tão comum. Está aqui o texto, para mim a dimensão exata do que é o amor verdadeiro. Eu sei que em blogs e na internet em geral, é difícil ficar quieto lendo, mas desejo que pelo menos uma pessoa consiga sentir o que há anos essas palavras causaram em mim.
Quem quiser conhecer mais sobre Hugo, tem nesse link a entrevista que fiz com ele em 2005.

Quando hoje eu pensava com qual música começar, chamava a minha atenção quanto se fala da paixão e que pouco do amor, ou seja, quanto das borbulhas e que pouco da beberagem.
É real que a paixão é a atração pelo outro, mas acho que o amor realmente é o sentimento que nasce quando se realiza o mais humano, que é a possibilidade de reunir-se com outro, é o que surge desse encontro. Esse sentimento de plenitude é o que realmente chamamos de amor.
E a especificidade da reunião que o amor cria, diferentemente da que cria a compreensão ou a que cria a vontade através do trabalho, através do projeto; é que o amor é a possibilidade de reunir o diferente sem anular a diferênça. Está em todos nós o querer ser em outros, mas sempre também está o medo de que ser em outros nos faça deixar de ser nós mesmos. E acredito que precisamente o amor é a possibilidade de ser um, mas no outro, mutuo, mas diferente.
E pensava em termos de que coisa é o amor, mas seria infinito, então pensei‚ precisamente num ponto, o que dizia no começo. O amor, além dessa fórmula que diz que é cego, ele realmente é vidente. O amor vê o outro no outro; desde a esperança e não só desde a realidade. É aquele que nos ama quem diz de nós o que ainda não conhecemos.
Talvez a experiência seja que quando alguém nos ama e nos diz como somos, nossa experiência seja a vergonha, porque sentimos que não estamos à altura do olhar de quem nos ama. Porém não é que o outro seja cego, é que inexplicavelmente, essa é a visão do amor: a que enxerga a possibilidade de nós e não somente o que nós já somos. Dessa maneira o amor, por um lado nos dá a notícia sobre nós mesmos e pelo outro lado está realizando aquilo que anuncia em nós.
Há uma cena na peça de teatro de Neruda "Joaquín Murrieta", onde o homem, quando vai ver a mulher que acabou de morrer, parado na frente do túmulo diz: "o que você me deu eu já tinha, mas jamais o teria tido se você não tivesse me dado".
Acho que isso define a circularidade fecundante do amor. O amado nos diz o que já está em nós, mas que nós não teríamos se não fosse por esse alguém que teve o amor, a confiança, a aposta na esperança de nos anunciar quem podemos ser, porque já existe alguém que nos diz que valemos para ser, porque nos ama.



Texto de Hugo Mujica
Tradução para o português de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Reprodução da obra Annunciation (1961), de Mati Klarwein

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Menos uma para os alemães


Conversava com meu colega e amigo franco-argentino Boris Reith na gravadora Random Records onde os dois trabalhamos. Não lembro bem por onde o papo ia, mas com certeza nas redondezas da música, as viagens, as diferênças culturais, as comidas e as bebidas, quando ele soltou a frase: “Encore une que les boches n’auront pas!”

- E o que é que é isso, broder?
- “Mais uma que os alemães não terão”

A frase passada de geração pra geração na cultura francesa, vem da época da guerra, da França ocupada pelo regime nazista. Boris me contou que muitas pessoas dizem isso ao abrir uma garrafa de vinho ou quando acabam de bebé-la. Esse gesto do cotidiano, que pode parecer mínimo, expressa o sentimento de uma nação na situação limite da guerra. Outras vezes escrevi sobre o assunto e não deixo de ficar impressionado na constatação de que grandes tragédias são maiores nas histórias mínimas.
O significado do vinho na cultura francesa e a possibilidade de arrebatar ao invasor o objeto de pertença, talvez digam mais que todas as armas. A resistência foi exatamente isso. Mostrar ao inimigo nas ações do dia-a-dia o que é a liberdade.
Exemplos como esse estiveram há pouco tempo representados aqui no blog, para dimensionar a ocupação na Geórgia; há dias apenas com o lance da sapatada no Iraque, entre outros casos.
Os artistas do cinema tem criado obras maravilhosas para dimensionar essas tragédias. Sugeri a Boris e abro o jogo aqui para assistir Roma, cidade aberta (Roma, cittá aperta), de Roberto Rossellini (1945), com a fantástica Anna Magnani, e O silêncio do mar (Le silance de la mer), de Jean-Pierre Melville (1949), este baseado no romance escrito na clandestinidade por Jean Bruller sob o pseudônimo de Vercors.
E Boris me contou que ainda hoje a vó dele atravessa a rua quando vem um alemão na direção contrária. O perdão é uma tarefa longa e complicada. Hoje na Espanha, foi retirado um dos últimos monumentos que ainda estava em pé do ditador Franco. E deu confussão entre os partidários dele e os outros. Franco morreu em 75. A Segunda Guerra acabou em 45. São décadas que se passaram, mas há feridas que continuam sangrando. Há de haver o perdão porque nada pode ser reconstruído sem ele. Mas também não pode haver condena para quem atravessou essas experiências e ainda condena, e não consegue perdoar.

Foto de Julia Pirotte de cidadãos marselheses da resistência escolhendo armas, em 1944

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Hermano Niemeyer



Dias depois de completar 101 anos, o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer apresentou através de um vídeo o Puerto de la Música, a primeira obra que ele cria para a Argentina.
O projeto, concebido pelo mestre em uma semana -génio é assim- é um complexo cultural que inclui um auditório para 2.500 pessoas, salas para exposições e uma escola de arte. Mas o auditório tem ainda uma área descoberta para mais vinte mil pessoas. O arquiteto faz questão de ressalvar que a sua intenção é que os espetáculos não estejam limitados só àqueles que podem pagar uma platéia, mas a quem quiser assistir. E ainda se espanta de não ter pensado nisso antes.
O desenho, que semelha uma pérola saindo da ostra, com as curvas caraterísticas do mestre, na verdade tem uma funcionalidade arquitetónica, que é a de resolver o problema acústico que apresentam auditórios ao ar livre.
A obra projetada para ser inaugurada em 2012 ficará na cidade de Rosário, à beira do rio Paraná. E porque lá? Porque Niemeyer gostou da idéia de fazer uma obra na cidade onde nasceu Che Guevara.
Enquanto os músicos argentinos reverenciam o novo complexo cultural e seu criador, ele pensa em outro sonho, a Universidade da América do Sul, na Tríplice Fronteira.
É muito provável que Niemeyer não esteja por aqui quando o Puerto de la Música seja inaugurado. Isso só mostra mais uma vez a generosidade do arquiteto que afirma que toda obra de arquitetura, assim como a obra de arte, deve causar emoção e surpresa.

Oscar Niemeyer fala sobre o Puerto de la Música (e ainda da uma lição de integração)



Foto de Oscar Niemeyer de David Harry Stewart
Reprodução do desenho do Puerto de la Música, em Rosario, Argentina

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O sorriso e o piercing







Considerado um dos mais belos versos da música popular brasileira, o início do samba A flor e o espinho identificou por sempre a Nelson Cavaquinho. Na verdade, o autor dessas linhas maravilhosas foi o saudoso Guilherme de Brito, poeta e parceiro do grande Nelson, autor também da letra de outros sucessos da dupla, como Pranto de poeta e Folhas secas.
O samba de 1957 e que quase dez anos depois ficou famoso na gravação de Elizeth Cardoso começa assim:

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor...


Mais de quarenta anos depois, o Zeca Baleiro, que tem essas sacadas geniais, na música Piercing, citou o samba de Nelson e Guilherme (e Alcides Caminha), trocando a palavra sorriso pela palavra que da nome à música:

Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar com a minha dor...


Ou seja, a angústia do autor pela imagem da mulher que o abandonou, e ainda exibe esse sorriso, foi substituída pela angústia finissecular que utiliza o piercing em troca do sorriso, como imagem da mesma perda amorosa e como símbolo de beleza arrasadora.
O Zeca, com seu olhar social sempre afiado, num rap que gravou com o grupo Faces do Subúrbio, conseguiu ao mesmo tempo fazer uma homenagem e dar novo significado a esses versos.

Vejam Nelson com Elizeth cantando A flor e o espinho
Vejam Zeca Baleiro com Záfrica Brasil cantando
Piercing

Foto de Zeca Baleiro de Nana Moraes
Foto de Guilherme de Brito de Tonico's Boteco
Foto de Nelson Cavaquinho de Roberto Garcia

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A revolta dos sapatos



O ato simbólico do jornalista Muntazer al-Zaidi vai ficar gravado na história.
No meio dessa maré do absurdo pra gente pareceu mais uma notícia, uma outra brincadeira pra subir ao Youtube. Mas para uma nação ocupada que convive com o invasor no dia-a-dia, tem um valor que só a história poderá mensurar.

Foto de protesto em Sadr, Iraque, da Agência AP

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Nabokov foi um eterno estrangeiro



Nasceu no seio de uma família aristocrata de São Petersburgo. Em 1919, depois da revolução, abandonou a Rússia. Foi estudar literatura em Cambridge e depois morou em Berlim e Paris até se estabelecer nos Estados Unidos, onde adquiriu a cidadania. A publicação do romance Lolita deu a Vladimir Nabokov um escândalo suficiente como para ficar conhecido no mundo inteiro e passar a viver com folga da literatura, o que de fato fez instalando-se em Montreux, na Suíça.
Embora grande parte da sua vida escreveu em inglês, idioma que dominava nas bases e nas sutilezas, levava dentro uma grande dor pela perda da língua original. A verdadeira condição do estrangeiro é essa, a ausência da língua. Nabokov foi um eterno intérprete do olhar estranho, expressado na perplexidade e na paixão dos seus personagens. A jornalista francesa Penelope Gilliatt dizia que a paisagem dele não era a Rússia mas a literatura russa.
Nabokov escrevia seus livros sem continuidade, em fichas, de maneira que podia inserir passagens em momentos diferentes. Usava um lápis 3B, daqueles que tem uma bolacha na ponta, para poder apagar o que considerava errado ou sobrando nos rascunhos.
Detestava Dr. Zhivago por “mal escrita, piegas e mentirosa”. Esteve a ponto de queimar os manuscritos de Lolita, mas foi detido por Vera, a esposa dele. Em Hollywood, pediram a Nabokov que Lolita casasse com Humbert no final do roteiro, para que o final fosse mais palatável. O autor não aceitou, claro.
Para criar o personagem andou em ônibus escolares e foi a colégios mentindo que procurava uma vaga para sua filha. De fato, só tinha um filho, Dmitri. Mas não foi muito além disso. Pedófilo mesmo, segundo ele, era Lewis Carroll, o autor de Alice no país das maravilhas. “Voce já viu as fotografias dele com garotas? Ele chegava a um acordo com as tias e as mães delas para levar a passear as crianças. Nunca foi descoberto, exceto por uma delas que escreveu sobre ele, já sendo adulta”.
Vladimir Nabokov morreu em 1977. Até o fim, para escrever em paz, se trancava no carro. No porta malas levava o dicionário Webster completo.



Foto de Vladimir Nabokov de Carl Mydans
Foto de Sue Lyon, a primeira Lolita do cinema, no filme de Stanley Kubrick, de 1962

sábado, 13 de dezembro de 2008

Dez grandes filmes sobre show business


Kris Kristofferson e Barbara Streisand em Nasce uma estrela


Luise Rainer entre as garotas de Ziegfeld


Roy Scheider, alter ego de Bob Fosse em All That Jazz


William Holden, Gloria Swanson e Erich von Stroheim,
protagonistas de Sunset Boulevard

1. O jogador (The player, 1991), de Robert Altman
Um Tim Robbins imenso na pele de um produtor de Hollywood apertado pelos fracassos e envolvido em um crime. Ao estilo de Altman, de longo fôlego e elenco de celebridades fazendo pontinhas que inclui Julia Roberts, Bruce Willis, Susan Sarandon e Cher, entre muitos outros.

2. Testa de ferro por acaso (The front, 1976), de Martin Ritt
As listas negras do maccarthismo na década de cinqüenta que proibiram tantos homens da cultura de trabalhar, sob alegação de atividades anti patrióticas. Woody Allen, no protagónico faz um caixa de restaurante que empresta seu nome ao amigo escritor censurado. O própio diretor e o roteirista Walter Bernstein foram vítimas da caça de bruxas do senador Mc Carthy, assim como Zero Mostel -que está brilhante no filme- e Arthur Miller, que ganhou aqui um personagem chamado de Alfred Miller.

3. Barton Fink (1991), de Ethan Coen
O roteirista do título no Hollywood dos anos quarenta é convidado para escrever um roteiro, depois que uma peça dele consegue sucesso em Broadway. Jóia dos irmãos Coen, com John Turturro e John Goodman, maravilhosos nos protagónicos.

4. All that jazz (1979), de Bob Fosse
Quase uma auto-biografia filmada, com Roy Scheider fazendo de alter ego de Bob Fosse, um coreógrafo de sucesso cuja vida pessoal é um desastre. Destaque para a grande trilha sonora.

5. A rosa (The Rose, 1979), de Mark Rydell
Outro biopic, com muitas semelhanças da vida e da morte trágica da cantora de rock Janis Joplin. Comoventes Bette Midler no papel central, Frederic Forrest no motorista apaixonado que quer redimi-la e Alan Bates fazendo o empresário impiadoso.

6. Nasce uma estrela (A star is born, 1976), de Frank Pierson
Remake do filme de 1954, de George Cukor, com Judy Garland e James Mason. Mais uma crónica sobre a crueldade do chamado star system. Uma ótima Barbara Streisand interpreta a figura em ascenso engolida pela maquinaria. A música Evergreen, que ganhou o Oscar e iria se tornar um dos seus maiores sucessos, parceria dela com Paul Williams (um dia eu escrevo sobre Paul!), foi cantada ao vivo nas filmagens. Hoje isso seria impensado.

7. O fantasma do paraíso (Phantom of the paradise, 1974), de Brian De Palma
O Fausto de Goethe mais O fantasma da Opera em versão ópera-rock e com o pulso de Brian De Palma. a história do produtor com sonhos de estrela que rouba as músicas e a garota do compositor mas nunca conseguirá roubar o talento dele. Paul Williams ótimo no protagónico (estou dizendo que um dia escrevo sobre Paul, certo?) e na trilha sonora. Indicado para quem quer fazer uma viagem louca aos anos setenta.

8. O grande Ziegfeld (The Great Ziegfeld, 1936), de Robert Z. Leonard
Multi premiado filme que revisita a vida do destacado produtor teatral Florenz Ziegfeld, que foi rei do teatro de variedades, misturando comédia, música e mulheres bonitas. Ganhou e perdeu fortunas e brilhou por vinte anos até o advento do cinema falado. Com William Powell e Mirna Loy.

9. Os sapatinhos vermelhos (The red shoes, 1948), de Michael Powell e Emeric Pressburger
A dançarina que cresce sob a proteção do empresário até ele se sentir traído quando ela se apaixona pelo compositor do balé Os sapatinhos vermelhos. Baseada no conto de Hans Christian Andersen e com Moira Shearer no personagem que a colocou na história do cinema.

10. Sunset Boulevard (1950), de Billy Wilder
Na minha opinião, Billy Wilder é um dos maiores diretores de todos os tempos. Quase todo que ele fez parece-me genial. Uma estrela do cinema mudo que caiu em desgraça, envolvida com um roteirista com pretensão de sucesso e um crime que entrega ao filme um ar de suspenso de principio a final. Com Gloria Swanson e William Holden.

Como sempre, não são todos os que estão nem estão todos os que são. Apenas uma lista de dez grandes que vieram a minha mente. Como Hollywood adora olhar para o própio umbigo, existem centenares de filmes onde a industria do espetáculo é protagonista. Esses aqui, para quem não conhece, são muito legais de se ver.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

São anos de samba




Hoje é o aniversário de Wilson Moreira (1936) e Noca da Portela (1932). São muitos anos de samba na veia. Que sejam muitos mais.

Foto de Wilson Moreira de Bruno Villas-Boas
Foto de Noca da Portela de Joatan

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Alberto Korda e o acaso



O fotógrafo Alberto Díaz Gutiérrez achou que a fotografia de modas era uma boa desculpa para estar perto de mulheres belas. Mas Gutiérrez é feito um Da Silva, então ele escolheu o sobrenome artístico Korda, que viu em um filme húngaro dos irmãos Alexander e Zoltan Korda e pela proximidade sonora com a marca Kodak.
Lá estava ele perto das modelos, dos músicos dos clubes noturnos e da publicidade quando a Revolução chegou e a Cuba mudou para sempre.
Foi seu admirado Richard Avedon quem lhe disse "retrate a Revolução". Quando Korda foi enviado a Venezuela para uma reportagem sobre a primera viagem de Fidel Castro ao exterior, seu olhar sobre o mundo mudou.
Ficou amigo de Fidel, e embora nunca foi o fotógrafo oficial, foi identificado como o fotógrafo da Revolução.
A foto famosa do Che Guevara, considerada a mais reproduzida no mundo, saiu quase por acaso em duas tomadas e o artista jamais se interessou em obter lucro com ela.
As fotografias dos líderes cubanos mais divulgadas de Korda não chegam nem ao dez por cento da obra dele.
Como mostram as imagens aqui reproduzidas, Korda -que esse ano teria feito 80 anos- utilizou a sua experiência no mundo frívolo para criar símbolos políticos sem trair nunca sua bagagem estética.


Fotos de Alberto Korda

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Quais Direitos Humanos?


No mesmo dia em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é comemorada no mundo inteiro, os mesmos jornais que informam sobre o aniversário, publicam notícias que deixam aquela declaração como uma brincadeira de mau gosto. É certo que aquela determinação de 1948 surgiu em um mundo que saia das atrocidades do regime nazista e as mazelas da Segunda Guerra Mundial. E que o tratado estabelece uma ordem para as questões básicas de organização da igualdade das nações.
Mas hoje mesmo, uma manchete do jornal argentino Clarín diz que a fome no mundo aumentou em 2008. Por causa do preço dos alimentos o planeta tem hoje mais quarenta milhões de famintos que o ano passado. A cifra é assustadora: 963 milhões de pessoas não possuem o sustento básico para viver. São informações da FAO, organismo da ONU.
Ao mesmo tempo, a própria ONU reconhece que não será possível atingir o objetivo traçado em 2000 de acabar com a pobreza extrema até 2015, por causa da mudança climática que está gerando mais pobreza.
Em contraposição com esses dados, deixo aqui o Artigo XXV da Declaração que hoje faz sessenta anos.

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Enquanto isso, continua sendo mais importante salvar bancos do que salvar pessoas.
E mole ou quer mais?

Foto da Agência EFE de um pescador andando na reserva seca de Lam Takhong Dam, na Tailándia

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Fotógrafos argentinos


Mulheres presas


As aventuras de Guille e Belinda


A Ausência


Intervalos intermitentes


Amanhã são apresentados no Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) mais quatro livros da Colección Fotógrafos Argentinos.
Sempre acompanhados por textos de reconhecidos escritores, os livros da coleção vêm aos poucos organizando e publicando o trabalho de grandes artistas da fotografia, as vezes escondidos em jornais ou agências de notícias.
Agora é a vez de Adriana Lestido (Mujeres presas); Res (Intervalos intermitentes); Alessandra Sanguinetti (Las aventuras de Guille y Belinda) e Santiago Porter (La ausencia).
Adriana Lestido tem uma trajetória de destaque em trabalhos com mulheres, procurando dar um olhar ao outro. Mulheres presas é uma série realizada nos cárceres de mulheres.
Em Intervalos intermitentes, Res utiliza a imagem como veículo entre o espaço e o tempo.
Alessandra Sanguinetti cria um universo onírico e colorido para As aventuras de Guille e Belinda.
Já Santiago Porter, no livro A Ausência, prefere um rigoroso preto e branco para retratar a perda, focado no atentado de 1995 do prédio da AMIA, em Buenos Aires, que deixou 85 mortes.

Foto de Adriana Lestido, do livro Mujeres presas
Foto de Alessandra Sanguinetti, do livro Las aventuras de Guille y Belinda
Foto de Santiago Porter, do livro La Ausencia
Foto de Res, do livro Intervalos intermitentes

domingo, 7 de dezembro de 2008

Naufrágio de você


Água na Guanabara
arrasa água
tsunami na tua cara
o Aterro alaga
a terra treme
na tua cara
Cara de Cão
afunda
você toda
Bateau Mouche
e as hydras
soltam fogos
nas tuas barcas
tua boca cospe
água salgada
você não mais nada
toda você
naufraga
na Guanabara.

Naufrágio de você, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de Renée Jacobs

sábado, 6 de dezembro de 2008

De novo, o mistério da fé


Em setembro escrevi um texto sobre o sentimento que me produz o mistério da fé dos homens. Alias, quem visita estas páginas com freqüência sabe que as religiões de signos diferentes costumam estar presentes por aqui através das manifestações artísticas das pessoas, sejam na fotografia, na música ou na palavra escrita.
Hoje, tres milhões de muçulmanos chegados do mundo todo estão presentes no Hajj, a peregrinação anual a Meca, na Arábia Saudita.
O quinto pilar do islã diz que todo bom muçulmano deve visitar a Grande Mesquita pelo menos uma vez na vida, dependendo das suas condições de saúde e financeiras.
Os peregrinos chegam a Meca depois do Youm el Tarueya, o dia dedicado à reflexão e o recolhimento. Depois vem a subida ao monte Arafat, onde Maomé pronunciou seu último sermão. Esse encontro final do profeta com os fieis aconteceu há catorze séculos.
O ritual acontece de novo e outra vez a arte, nesse caso uma fotografia, intenta desvendar o mistério. O fotógrafo Jamal Nasrallah, que trabalha para agências internacionais, tem deixado testemunha visual dos fatos mais relevantes e do cotidiano no Oriente Médio da última década.

Foto de Jamal Nasrallah

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Sexta-feira non sancta (XI)



Susan Sarandon, fotografada por Timothy White para seu livro Hollywood Pin Up

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Adanowsky, el ídolo



Ele aprendeu seus primeiros acordes de guitarra com George Harrison. E James Brown lhe ensinou como tem que mexer as cadeiras um autêntico roqueiro. Tem amigos estranhos, como Marilyn Manson. Um dia decidiu soterrar o piano no jardim da casa.
Nasceu no Chile mas mora desde criancinha em Paris, a terra onde tem seu quartel central o pai dele, o excêntrico cineasta e escritor Alejandro Jodorowsky.
Amanhã no Niceto Club, Adanowsky se apresenta pela primeira vez em Buenos Aires, junto com a banda The Gush.
O irónico crooner decadente se faz chamar de El ídolo. Um dos seus maiores sucessos, a musica Estoy mal (Estou mal) é um insólito hino da angústia existencial que diz: "Estou mal, infinitamente mal. E por que? É um mistério fatal".

Foto de Adanowsky de Sonia Sieff

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Cocteau por Fournol



"Le mystère a ses mystères. Les Dieux possèdent leurs dieux. Nous avons les nôtres, ils ont les leurs. C'est ce qui s'appelle l'infini".

O mistério tem seus próprios mistérios. E há deuses sobre deuses. Nós temos os nossos, eles têm os deles. Isso é o que se chama de infinito.

Jean Cocteau

Foto de Jean Cocteau de Luc Fournol

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Borges txt (Segunda parte)



1. Um jornalista liga no desespero para María Kodama, a esposa e assistente do escritor. Por um problema no gravador dele a entrevista que acabara de fazer, sumiu. O jornalista solicita uma nova entrevista, mas Jorge Luis Borges se recusa:
- Não, Maria, deixa pra lá. Não entendo como podem confiar em um aparelho que guarda as vozes da gente.

2. Um jovem poeta vai ao encontro de Borges na rua. Põe nas mãos do escritor o seu primeiro livro. Borges agradece e pergunta:
- Qual é o título do livro?
- "Com a pátria dentro" -responde o jovem-
- Dentro? Mas que desconforto, meu amigo, que desconforto.

3. Sexta-feira à tarde. Borges está na casa dele mantendo uma conversa animada com um executivo da Editora Alianza quando toca a campainha do telefone. Fani, a mulher que trabalhou por mais de quarenta anos na casa do autor, atende o telefone e volta com um nome escrito em um papel. Borges pede pra dizer que liguem pra ele na terça-feira.
- Mas o senhor vai para Europa na segunda.
- É por isso que estou dizendo...

4. Na França, Borges é entrevistado ao vivo na televisão. O jornalista pergunta:
- O senhor é conciente de que é um dos maiores escritores do século?
- É que este tem sido um século medíocre.

Novas anedotas e frases hilárias de Jorge Luis Borges, que adorava brincar com a solenidade dos jornalistas e a genialidade que o tempo todo lhe atribuiam. O marcador do escritor é o link para a primeira parte da série e outras postagens e fotos do autor de O Aleph.

Foto de Jorge Luis Borges com María Kodama do acervo pessoal de María Kodama

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Acqua alta




Veneza hoje está debaixo d'água. O fenômeno da acqua alta não é novo na cidade mas hoje a entrada da maré atingiu o maior nível em 22 anos. A cidade está com 1,56 metro e o código vermelho diz que é melhor ficar quieto, pois o ponto mais alto é esperado amanhã.
A pior inundação foi em 4 de novembro de 1966. Nesse link estão as imagens de um jornal da época.
Há sempre em mim uma contradição e depois um vestígio de culpa herdado da nossa civilização judeu-cristã. Ao mesmo tempo que sinto dor pelas pessoas que estão vivendo momentos ruins por causa da invasão d'água, encontro beleza nas imagens.
Essas duas fotos representam a minha contradição. Por um lado, a mulher atravessando sozinha a Praça São Marcos alagada, e do outro, os gondolieri bebendo e fazendo vida contemplativa.

Foto dos gondolieri de Manuel Silvestri (Reuters)
Foto da Piazza San Marco de Luigi Costantini (AP)