sábado, 23 de agosto de 2008

Quando R.E.M. encontrou García Márquez e Caravaggio











Quando lembro da explosão da MTV e de como modificou o consumo e a pauta de divulgação dos artistas na industria musical, sempre vêm à minha cabeça dois videoclipes: Nothing’s compare’s 2U, de Sinéad O’Connor, dirigido por John Maybury, e Losing my religion, do R.E.M., dirigido pelo indiano Tarsem Singh.
Hoje vamos fazer uma paradinha no videoclipe que impulsionou a música de 1991 que trouxe o sucesso massivo pra banda formada na Georgia, mas especialmente nas influências que permeiam sua estética.
A primeira e clara é a do pintor lombardo Caravaggio e suas cenas religiosas que são uma chave da fase barroca. Como pode-se ver aqui, há passagens do clipe que reproduzem em detalhe várias pinturas do artista.
A segunda influência foi a do relato Un señor muy viejo con unas alas enormes, do escritor colombiano Gabriel García Márquez. Provavelmente o que motivou a adaptação (o próprio Michael Stipe aparece com grandes asas brancas em algumas passagens do clipe) foi a versão fílmica do conto, do diretor Fernando Birri, com roteiro feito a quatro mãos por ele e o próprio Gabo.
Grande criador de comerciais para as mais poderosas marcas, Tarsem Singh, que depois incursionou no cinema com A cela e The Fall, virou e até hoje leva a etiqueta do “diretor do Losing my religion”. Tarsem carregou a expressão dos atores, no estilo dos melodramas que fazem uma parte substantiva da enorme produção indiana de cinema. Na fase brainstorming do projeto, Tarsem viu Michael dançando daquela forma desajeitada e decidiu incorporá-lo ao clipe.
“Losing my religion” é uma expressão usada no norte dos Estados Unidos como sinônimo de perder a esperança, especialmente em pessoas.
Stipe declarou em entrevista à Rolling Stone que a música não é sobre religião mas sobre obsessão. Porém, a iconografia religiosa atravessa o clipe e de fato ele teve difusão proibida na Irlanda, país de forte tradição católica. Há também um forte apelo gay nas imagens (eu diferencio gay de homossexual) também presente na obra do pintor. Inclusive há quem interpreta a música como uma alegoria do “sair do armário”, ou seja, que o narrador seria um homossexual se assumindo como tal.
Eu nunca interpretei dessa maneira embora reconheci a estética gay, que é óbvia numa primeira leitura. Sempre ouvi e vi Losing my religion como uma canção-rezo, uma Romaria da era MTV.
O certo é que Losing my religion, que segundo Stipe foi feita em oito minutos e sustenta parte do seu atrativo no bandolim que o guitarrista Peter Buck estudava na época, continua imbatível, assim na música quanto na imagem. Amém.

Captura de Michael Stipe em cena do videoclip Losing my religion; outras cenas que reproduzem quadros de Caravaggio e foto do diretor Tarsem Singh

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