domingo, 28 de janeiro de 2007

Peter Handke


Quando uma criança era uma criança
Ela andava com seus braços balançando,
queria o córrego pra ser um rio,
o rio pra ser uma torrente,
e uma poça pra ser o mar.
Quando uma criança era uma criança,
não sabia que era uma criança,
tudo era tão cheio de espírito,
e todas as almas eram uma só.
Quando a criança era uma criança
não tinha opinião a respeito de nada,
não tinha hábitos
e sentava-se sempre de pernas cruzadas,
descansando de uma corrida
e tinha o cabelo lambido
e não fazia careta na hora da fotografia.
Quando a criança era uma criança
era a época destas perguntas:
Por que eu sou eu e não você?
Por que estou aqui, e por que não lá?
Quando foi que o tempo começou,
e onde é que o espaço termina?
A vida debaixo do sol não é só um sonho?
Aquilo que eu vejo e escuto e cheiro
não é só uma ilusão de um mundo de antes do mundo?
Considerando-se o mal e as pessoas.
A maldade realmente existe?
Como pode aquilo que sou, quem eu sou,
não ter existido antes que eu viesse a ser,
e que algum dia, eu, quem eu sou,
não serei mais quem eu sou?

Quando a criança era uma criança,
mastigava espinafre, ervilhas, bolinhos de arroz,
e couve-flor cozida,
e comia tudo isto não somente porque precisava comer.

Quando a criança era uma criança,
Uma vez acordou numa cama estranha,
e agora faz isso de novo e de novo.
Muitas pessoas, então, pareciam lindas
e agora só algumas parecem, com alguma sorte.
Visualizava uma clara imagem do Paraíso,
e agora no máximo consegue só imaginá-lo,
não podia conceber o vazio absoluto,
que hoje estremece no seu pensamento.

Quando uma criança era uma criança,
brincava com entusiasmo,
e agora tem tanta excitação como tinha,
porém só quando pensa em trabalho.

Quando uma criança era uma criança,
Era suficiente comer uma maçã, uma laranja, pão,
E agora é a mesma coisa

.……………..
………………..
Quando uma criança era criança,
amoras enchiam sua mão como somente as amoras conseguem,
e também fazem agora,
avelãs frescas machucavam sua língua,
parecido com o que fazem agora,
tinha, em cada cume de montanha,
a busca por uma montanha ainda mais alta,
e em cada cidade, a busca por uma cidade ainda maior,
e ainda é assim,
alcançava cerejas nos galhos mais altos das árvorescomo,
com algum orgulho, ainda consegue fazer hoje,
tinha uma timidez na frente de estranhos,
como ainda tem.
Esperava a primeira neve,
como ainda espera até agora.

Quando a criança era criança,
Arremessou um bastão como se fosse uma lança contra uma árvore,
E ela ainda está lá, chacoalhando, até hoje.

Poema de Peter Handke

2 comentários:

Anônimo disse...

Como gosto do seu blog! Muito bonito, como você deve ser! Tenho vergonha de falar com você... mas saiba que tem uma admiradora virtual!

Juan Trasmonte disse...

Por favor, fala comigo...
Deixa a vergonha pros canalhas.