domingo, 11 de maio de 2008

Adriana na maré alta


A idéia que fica depois de assistir outro show de Adriana Calcanhotto é que a artista conserva o espírito livre, ainda fazendo parte do esquema da grande industria fonográfica. Ela parece não precisar de um novo disco, de um novo show, nem de correr pro violão procurando um acorde novo, nem nada que seja novidade, exceto o que a artista que nela está lhe-peça.
Pelo jeito, as gravadoras multinacionais no Brasil estão percebendo isso, depois que a maioria dos monstros sagrados da MPB migraram para a independênçia. Assim é melhor ter um disco da Adriana a cada quatro anos do que não ter Adriana.
O Maré começou sua vida pública ontem em Buenos Aires. A noite no teatro Gran Rex lotado foi outra certidão de que o público argentino é respeitoso, cálido e ruim de acompanhar o ritmo com as palmas. “Estamos muito felizes de estar aqui. Vocês podem pensar que eu sempre digo isso e eu digo mesmo, mas hoje é verdade”. Essa introdução e o agradecimento pelo fato de apresentar uma obra nova e ser “ouvida” foram as únicas lisonjas para o público, que depois do primeiro bis ficou chamando Adriana pro palco por quase dez minutos, mas ela não voltou.
Grandes paineis da cor azul do mar com estratégicos hipocampos e golfinhos deram o tom. O oceano da Adriana tem cor, espanto e gozo; a familiaridade carioca da presênça e certa surpresa de quem um dia foi pra beira do mar e nunca mais quis voltar para Porto Alegre.
Nessas ondas está citado com força explícita ou implícita Dorival Caymmi, está lembrado o saudoso Waly Salomão, mesmo que a menção do seu nome não seja significativa para o público porteño, como será nos muitos shows que virão no Brasil. Está lá também a demorada primeira parceria com Arnaldo Antunes, Para lá, já gravada por ele em Qualquer e que deixou o sabor de quero mais, de que bom seria um disco inteiro só deles dois.
E para se sentir bem na sua praia, Adriana está cercada por músicos pares: Marcelo Continentino, Rafael Rocha, o barba Bruno Medina do (ex?) Los Hermanos e o Domenico + ele mesmo, que já tem torcida própria em Buenos Aires.
De volta ao começo, Adriana não concede, dribla a demagogia de querer agradar o público, faz umas poucas daquelas que tudo mundo pede, alguma raridade como a versão voz e violão do megasucesso do Dúo Dinámico, Resistiré, e fecha o show com a música hermana Deixa o verão.
Tive o para mim privilégio de assistir shows emblemáticos de Adriana Calcanhotto. O primeiro que fez em Buenos Aires -circa 1995- no contexto de um festival e quando ninguém a conhecia por aqui; um outro no Rio que encerrou seu aclamado Público e esse primeiro de Maré são exemplos. A sensação que permanece é que no mundo da eterna novidade sem sentido, Adriana continua sustentando sua posição de artista. Não quer aparecer, não quer agradar; canta desde uma intimidade tocante ou desde um distanciamento notável. Sua concepção de show faz com que um movimento do braço pra jogar no chão a unha da guitarra seja tão relevante quanto o roteiro das músicas e a iluminação. Por isso quando Adriana canta continua sendo mais importante estar do que poder falar eu estive no dia seguinte.

Texto de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de Marcela Romanelli

Um comentário:

Renata D'Elia disse...

Pois bem, nunca vi Calcanhoto ao vivo. E há mesmo uma série de coisas a se fazer em breve, devidamente listadas! besotes