quinta-feira, 8 de maio de 2008

Fellini e la pazzia


A loucura exerce um grande fascínio. Ser médico num manicômio é como ser diretor de cinema. A gente atinge o poder e é acreditado pelas pessoas. Mas a atmosfera é muito ambígua. Igual acontece num set cinemtográfico, dentro do manicômio a gente se sente protegido, num certo sentido tolo, contra a lei. É feito o ventre materno. A loucura acrescenta um álibi: permete e protege. Você pode viver lá os sonhos mais fantásticos, lançar fantasmas legalmente aceitos, sem precisar de satisfações nem obrigações, protegido pela lei da loucura. Há uma grande liberdade. Você pode criar e viver um mundo totalmente seu, que é muito mais que tentador: é sedutor. Ver tantas pessoas nessa liberdade leva à gente ao delírio. A loucura vira contagiosa. Duas semanas depois eu mesmo fiquei louco. Me senti doente.
Desde Magliano trouxe um relato. Não era um roteiro. Era algo mais do que o livro de Tobino.
Achei que seria um filme muito meu porque eu poderia resumir todos os assuntos que me são caros e, num sensível retrato dessa realidade, incluir uma "transfiguração" que procurei com ânsia. Também poderia incluir um reflexo da ansiedade que segrega o castelo-asilo. O conjunto asumia um caráter extraordinário.
O filme nunca se fez, pelos motivos de sempre.
Não achei um produtor.
De Laurentiis me disse: "Você já fez um filme sobre homossexuais, I vitelloni. Fez um filme sobre vigaristas, Il bidone. Porque você não faz só para mudar um filme sobre gente normal?"
Em lugar de Le donne libre de Magliano fiz Le notti di Cabiria.

Esse depoimento maravilhoso do diretor Federico Fellini exibe um dos seus freqüentes desencontros com os produtores. Em 1955, Fellini estava fascinado com um livro chamado Le libre donne di Magliano, onde o psiquiatra e escritor Mario Tobino narrava suas experiências no hospital psiquiátrico de Magliano. O diretor estava impressionado pelo amor com que o médico retratou seus pacientes. Tanto que passou duas semanas de convívio com os malucos.
Seguindo certa lógica esse poderia ter sido um La dolce vita, posto que para esse grande clássico no começo Fellini também não tinha apoio nenhum. Mas não foi, embora a loucura continuo presente no resto da sua obra.

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