sábado, 19 de abril de 2008

Porque chamamos o rei de rei



Meu primeiro contato com música brasileira foram as canções de Roberto Carlos que ele começou a gravar em espanhol, quando a gravadora descobriu o filão para impor os discos dele na América hispano-falante. Un gato en la oscuridad, Amada amante e tantas outras estão ligadas a momentos insequecíveis da minha pátria, que eu entendo como o território -não físico- da infância. Eu conheci essas músicas porque elas tocavam em tudo o que é lado: nos quartos das empregadas, nos rádios dos motoristas de ônibus, que colocavam os adesivos do rei nos portenhíssimos colectivos, junto com os de Gardel. Mas também no tocadiscos Winco do meu irmão mais velho e nas poucas festas dos amigos dele em que eu consegui entrar de penetra.
Depois comprei o vinil Yo te recuerdo, que começava com aquela música arrasadora que, de quebra, me apresentou o mais puro Armando Manzanero. Nele estavam incluídas músicas tremendas -fica aqui também a homenagem ao parceiro do rei em tantas canções, Erasmo Carlos- em espanhol como Palavras e Atitudes e em português, como O show já terminou. Esse disco iluminou em mim o conceito de canto amigo que Roberto Carlos criou. Porque as músicas dele representam como poucas a tensão da espera amorosa, o gozo da conquista e a dor da perda.
Depois veio o resto. O conhecimento da quase totalidade da obra dele em português, a reivindicação de Maria Bethânia quando ele era considerado o sumo do brega -que até hoje me acompanha quando alguém desde a inteligentsia entorta o nariz se eu dizer que gosto de Roberto Carlos e tudo mais.
Por esses dias, por acaso, quase coincidem em Buenos Aires os shows de Manzanero e Roberto Carlos para despertar em mim aquelas origens. Se bem que é difícil e nem pretendo manter a objetividade quando no imaginário mistura-se a informação das recordações infantis com a arte, é bom de vez em quando lembrar, parafraseando Caetano agora, porque chamamos rei quem chamamos de rei.

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