sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sexta-feira non sancta (XIV)


O cantor e compositor David Crosby fumando ervas profanas

Foto de Henry Diltz

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O samba e o tango



Sempre gostei de olhar pelas janelas. Desde criança tive essa inclinação para a vida contemplativa.
Quando morava no Rio de Janeiro, estava num fim de tarde de domingo olhando pela minha janela de fundos do apartamento no Flamengo. Andava perdido nas luzes que vinham do Morro Azul quando vi por um recorte de uma janela de um prédio lateral, as pernas de um homem e uma mulher dançando tango.
A perspectiva, eu num andar superior, eles num andar inferior, só me deixava ver desde a metade das coxas deles para abaixo.
Pelas roupas e o que parecia, não eram pessoas jovens. Eles passavam na frente da minha visão e sumiam do marco da janela. Depois passavam para o outro lado, na cadência inconfundível do tango.
Alguma coisa mexeu no meu interior. Nesse momento compreendi a profundeza da minha parte argentina, ao sentir uma identificação indescritível, viscerosa, que aconteceu só pelo fato de ver essa imagem fragmentada, sem som, sem rostos, mas que tinha uma direção só: era tango. E o tango é Argentina, e mais que Argentina, é Buenos Aires.
Isso vivia em mim por relação assim como vivia o samba por adopção. Isso me levou à cidade onde eu tinha nascido, que estava longe, e da qual, na minha “brasileirice”, achava não sentir falta, além da saudade das pessoas queridas.
Por estes dias lembrei daquela imagem. O programa de rádio que estou fazendo, Club Brasil, já tem em duas emissões, vários ouvintes brasileiros radicados na Argentina. Parece que correu a voz e que a divulgação feita na unha chegou também à crescente comunidade de brasileiros que aqui vieram atrás de um amor, por compromissos de trabalho ou para se procurar a vida.
Quando eu programo a música penso nos muitos argentinos que gostam de música brasileira e que não tinham um espaço semelhante na rádio daqui. Mas também penso nesses brasileiros e coloco, quase como uma guinada, algumas músicas que sei que fazem parte do imaginário coletivo deles.
Tenho recebido e-mails comoventes para mim. Queria que eles sentissem pelo menos uma vez o que eu senti naquela tarde olhando pela janela. Talvez essa identificação, por longínqua que seja, os possa deixar mais leves para ir embora, para ficar, para andar pelo mundo soltos. Humanos.

Chegou a hora, chegou chegou
Meu corpo treme e ginga qual pandeiro
A hora é boa e o samba começou
E fêz convite ao tango pra parceiro.

Chegou a hora, chegou chegou
Meu corpo treme e ginga qual pandeiro
A hora é boa e o samba começou
E fêz convite ao tango pra parceiro.

"Hombre yo no sé porque te quiero
Yo te tengo amor sincero
diz a muchacha do Prata
Pero no Brasil é diferente
yo te quiero simplesmente
Teu amor me desacata.

Habla castellano num fandango
Argentino canta tango
ora lento, ora ligeiro
Pois eu canto e danço sempre que possa
Um sambinha cheio de bossa
Sou do Rio de Janeiro.

O samba e o tango, de Amado Régis (1937)
Foto de aparelhos de rádio em uma vitrine de Buenos Aires, do Archivo General de la Nación

domingo, 24 de maio de 2009

Geminianos esquecidos


O ator Ruben Aguirre (O professor Girafales)


O ator Morgan Freeman

Depois de publicar a lista no outro dia, achei essas feras, todos eles também de gêmeos:
Silvio Caldas, João do Pulo, Patch Adams, Teotônio Vilela, Costinha, Hugo Carvana, João Gilberto, Ice Cube, Davi Moraes, Ivan Lins, Reginaldo Faria, Jackie Stewart e Colin Farrell.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Geminianas


A atriz Gena Rowlands


A cantora e compositora Stevie Nicks


A cantora e compositora Dolores Duran


A cantora e compositora Lauryn Hill


A atriz Carroll Baker


Elas e Fairuza Balk, Susan Strasberg, Patti Labelle, Pastora Vega, Anne Heche, Isadora Duncan, Melissa Etheridge, Natalie Portman, Naomi Campbell, Helô Pinheiro, Angelina Jolie, Judy Garland, Kathleen Turner, Débora Bloch, Maria Bethânia, Sally Kellerman, Leelee Sobieski, Zuzu Angel, Joan Collins, Leticia Spiller, Gladys Knight, Josephine Baker, Linda Batista, Luiza Brunet, Isabella Rossellini, Bibi Ferreira, Elizabeth Hurley, Paula Abdul, Annette Bening, Isadora Ribeiro, Nicole Kidman, Sonia Braga, Sandra Bernhard, Celly Campello, Ally Sheedy, Jessica Tandy, Anne Frank, Helena Bonham-Carter, Suzi Quatro, Irmã Dulce, Paloma Duarte, Steffi Graf, Brooke Shields, Peggy Lee, Wanderléa, Alanis Morissette, Rosemary Clooney, Connie Sellecca, Kylie Minogue, Marilyn Monroe, Gina Gershon, Helen Hunt, Camila Pitanga.
Todas elas nascidas sob o signo de gêmeos.

Foto de Gena Rowlands, de SMP/Globe Photos
Foto de Stevie Nicks, de
Neal Preston
Foto de Lauryn Hill, de
Mark Seliger

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Geminianos


O cantor e compositor Notorious B.I.G.


O cantor e ator Dean Martin


O escritor Jerzy Kosinski


O ator e diretor Clint Eastwood


O cantor e compositor Chico Buarque


Eles e Fats Waller, Richard Benjamin, Sir Laurence Olivier, Scatman Crothers, Raymond Burr, John Bonham, Machado de Assis, Ian Fleming, G.K. Chesterton, Peter Cushing, John Fogerty, Morrissey, Walt Whitman, Jacques Cousteau, Robert Morley, Dashiell Hammett, Erasmo Carlos, Fernando Pessoa, Bob Hope, Malcolm McDowell, Barry Manilow, Chick Corea, Mike Myers, Johnny Depp, Blaise Pascal, Prince, Arthur Conan Doyle, Marvin Hamlisch, Louis Gossett Jr, Artie Shaw, Danny Aiello, Bob Dylan, Marquês de Sade, Paul Mc Cartney, Benny Goodman, Ariano Suassuna, Nelson Mandela, Bruce Dern, Tony Richardson, Nelson Riddle, James Belushi, Marco Nanini, Cole Porter, Liam Neeson, Moe Howard, Jean Paul Sartre, Harold Robbins, Tom Jones, Steve Vai, Gene Wilder, John Goodman, Paul Winfield, Federico García Lorca, Robert Schumann, Lionel Richie, Stacey Keach, Miles Davis, John Wayne, Alexandre O Grande, Morgan Freeman, William Butler Yeats, Christopher Lee, Tony Curtis, John Fitzgerald Kennedy, Bjorn Borg, Ernesto “Che” Guevara, Richard Wagner, Johnny Weissmuller, Douglas Faribanks Sr., Frank Oz, Thomas Mann, Lenny Kravitz, Al Jolson, Vincent Price, Paul Gauguin, José Lins do Rego, Noel Gallagher, Danny Elfman, Mel Blanc, Denholm Elliott, Don Ameche, Edward Woodward, Sidney Magal, Boz Scaggs, Stan Laurel, Igor Stravinsky, Errol Flynn, Chet Atkins, Giovanni Bocaccio, Sivuca.
Todos eles nascidos sob o signo de gêmeos

Foto de Notorious B.I.G., de Phil Caruso
Foto de Clint Eastwood, do jornal LA Times
Foto de Chico Buarque de Hollanda, de
Bruno Veiga

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Obrigado pelo fogo



Versão em português

Porque te tenho e não
porque te penso
porque a noite está de olhos abertos
porque a noite passa e digo amor
porque vieste recolher a tua imagem
e és melhor do que qualquer imagem tua
porque és linda do corpo até à alma
porque és boa da alma até mim
porque te escondes doce no orgulho
pequena e doce
coração couraça

porque és minha
porque não és minha
porque te vejo e morro
e pior que morro
se não te vejo amor
se não te vejo

porque tu existes sempre onde quer
mas existes melhor onde te quero
porque tua boca é sangue
e tens frio
tenho que amar-te amor
tenho que amar-te
ainda que esta ferida doa por duas
ainda que te busque e não te encontre
e ainda que
a noite passe e eu te tenha
e não.

Versão original em espanhol

Porque te tengo y no
porque te pienso
porque la noche está de ojos abiertos
porque la noche pasa y digo amor
porque has venido a recoger tu imagen
y eres mejor que todas tus imágenes
porque eres linda desde el pie hasta el alma
porque eres buena desde el alma a mí
porque te escondes dulce en el orgullo
pequeña y dulce
corazón coraza

porque eres mía
porque no eres mía
porque te miro y muero
y peor que muero
si no te miro amor
si no te miro

porque tú siempre existes dondequiera
pero existes mejor donde te quiero
porque tu boca es sangre
y tienes frío
tengo que amarte amor
tengo que amarte
aunque esta herida duela como dos
aunque te busque y no te encuentre
y aunque
la noche pase y yo te tenga
y no.



Corazón coraza, de Mario Benedetti (1962/63), incluído no livro "Noção de pátria"
Coração couraça, versão em português de
Albino M.
Assista Mario Benedetti recitando
Corazón coraza em espanhol com cenas dele mesmo recitando o poema em alemão no filme O lado escuro do coração, de Eliseo Subiela (1992)
Fotos de Mario Benedetti de
Eduardo Longoni, do livro Poemas revelados


"Tenho trabalhado oito e até dez horas diárias em coisas que não tinham nada a ver com a literatura. Comecei a ganhar a vida com ela no exílio".

sábado, 16 de maio de 2009

Programa Club Brasil


Como dinheiro e tempo estão sobrando, resolvi entrar em mais uma brincadeira. Hoje começa o programa de rádio Club Brasil, que será o primeiro em uma rádio grande da Argentina (A Blue FM) dedicado à música e à cultura do Brasil.

Eu tenho a honra de produzir e musicalizar esse espaço que -espero- possa ser mais uma ponte entre as nossas culturas.
No menu vai ter novidades, inéditas, artistas novos -inclusive no Brasil- e raridades. As músicas serão o eixo para falar dos artistas, das histórias que as canções disparam e dos lugares que são o marco delas.

Os amigos que estão pelo mundo fora poderão ouvir o programa on line, os sábados às oito horas da noite na Blue FM.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Rafael Escalona



Morreu na quarta-feira Rafael Escalona, o maior referente do vallenato, o ritmo que identifica à Colombia, assim como o samba identifica ao Brasil.
Não por acaso, Escalona é conhecido na parte de cima da América e bem menos nos países onde o mercado da divulgação musical impõe regras específicas que deixam fora enormes tesouros da música popular da América Latina.
O artista criou quase cem músicas, muitas popularíssimas, entre elas, uma chamada La brasilera que conta a história de uma paixão dele por uma mulher brasileira que depois volta para o Brasil e o deixa ardendo num amor "mais tormentoso que as águas do Amazonas".
O ritmo contagiante do vallenato foi de novo popularizado na década de noventa por Carlos Vives.
Travado num longo proceso contra uma gravadora que simplesmente ficou com todos os direitos autorais das obras dele, Escalona -que foi citado até por García Márquez no romance Cem anos de solidão- morreu triste e foi despedido com honras de herói nacional.
Em entrevista em março ao jornal El Tiempo, já sabendo que estava perto do fim, ele disse:

- O vallenato é a única coisa verdadeiramente colombiana que temos. Queria que minha música fosse tombada para eu poder agonizar feliz.

Foto de Rafael Escalona do jornal El Tiempo

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Festa em Cannes


Começou ontem uma nova edição do Festival de Cannes.
Na cena, uma lembrança da competição de 1968, com visitantes ilustres: Jane Birkin, George Harrison e Ringo Starr.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

As máscaras de Philip


O ator Philip Seymour Hoffman



Sinédoque, Nova York (Synecdoche, New York), de Charlie Kaufman (2008)


Dúvida (Doubt), de John Patrick Shanley (2008)



Capote, de Bennett Miller (2005)


Felicidade (Happinness), de Todd Solonz (1998)


Jogos do Poder (Charlie Wilson's War), de Mike Nichols (2007)


Boogie Nights (1997), de Paul Thomas Anderson


Ninguém é perfeito (Flawless), de Joel Schumacher (1999)


A última noite (25th Hour), de Spike Lee (2002)

"Hoffman tem o instinto poderoso que faz à gente viver, respirar, mexer e, especialmente, pensar. Tudo isso aparece nas interpretações dele, sem exibir os cordéis".
(Cameron Crowe)

Foto-montagem de Philip Seymour Hoffman, do jornal New York Times
Todas as outras fotos, extraídas dos filmes citados

terça-feira, 12 de maio de 2009

O dono do carrossel


Os imigrantes e as suas histórias. Sempre digo que os nossos países foram construídos por imigrantes e sempre estou atrás das notícias sobre imigração. O tránsito entre fronteiras aumentou na medida em que as regras do jogo da economia mudaram. E o maltrato aos imigrantes -esses novos excluídos da prosperidade- só aumenta na mesma proporção.
A trajetória de Antonio Vila e apenas uma entre milhares daqueles homens e mulheres que como nossos avós chegaram à América sem um tostão e que aqui acharam o ouro da esperança.
Don Antonio nasceu em Orense, na Espanha. Sendo criança trabalhou na colheita de trigo. Com o advento da Segunda Guerra Mundial foi recrutado no batalhão dos galegos. Ainda leva as cicatrizes nas costas como estigma do horror da guerra.
Em 1949, veio pra Argentina. No bairro de Pompeya, em Buenos Aires, conheceu quem seria sua mulher para a vida toda e também uma família que tinha um carrossel.
Antonio fazia bicos durante a semana (“sobrava trabalho”, lembra) e começou a trabalhar nos finais de semana no carrossel.
Um dia ele percebeu que esse poderia ser seu ofício. Conseguiu que umas pessoas no interior, fabricassem o carrossel que veio desmontado, de caminhão, até Buenos Aires.
Foi instalado no bairro de Constitución e inaugurado no dia primeiro de janeiro de 1963. Depois foi levado para a praça Almagro, onde até hoje funciona.
Um carrossel, com seus carrinhos e cavalinhos de madeira a girar, parece um milagre na época do PlayStation. Mas milagres acontecem de vez em quando.
Na semana passada, don Antonio Vila fez 90 anos e continua lá, à frente da sua calesita (em espanhol, carrossel). “Não é um trabalho pesado -diz- porque a alegria das crianças contagia”.

Texto escrito partindo de informação colhida no jornal Clarín
Foto de Antonio Vila de Martín Bonetto

sábado, 9 de maio de 2009

Mãe querida que Deus dá


Baby do Brasil


Vanessa Redgrave


Cássia Eller


Debbie Reynolds


Celia de la Serna


Maureen O'Sullivan


Zuzu Angel

Mãe que eu nasci
Daí me o direito de viver
Mãe que eu nasci
Daí-me o direito de crescer

Com emoção
Olhar as coisas do mundo
Faz da minha infância
Um jardim felicidade

Ajuda a crescer
Pensando amor e não maldade
Daí-me carinho, daí-me ternura
Mãe querida que Deus dá

Daí-me o saber das ilusões,
Das fantasias
Tu que és a flor da evolução
Tu que és a flor da alegria

Mãe que eu nasci (Direito de nascê), de Manoel de Jesus Lopes, versão de Carlinhos Brown

Foto de Baby do Brasil (na época Baby Consuelo), de Antonio Guerreiro
Foto de Vanessa Redgrave com Natasha, Joely e Carlo Gabriel Richardson, de John Clark
Foto de Cássia Eller com Chicão, sem crédito do autor
Foto de Debbie Reynolds e Carrie Fisher, de Gunther MPTV
Foto de Celia de la Serna e Che Guevara, sem crédito do autor
Foto de Maureen O'Sullivan com Mia Farrow da Everett Collection
Foto de Zuzu Angel de Antonio Guerreiro

O Dia das mães comemora-se em outubro por aqui. Mas eu aproveito para saudar às mães brasileiras, e também já vou pagando minhas contas com Édipo

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A orelha de Van Gogh



Quem cortou a orelha de Van Gogh, não foi ele mesmo num ataque de loucura, foi Paul Gauguin depois de uma briga feroz. Pelo menos isso é o que sustenta uma nova teoria, desenvolvida pelos académicos alemães Rita Wildegans e Hans Kaufmann.
Depois de quinze anos de pesquisa, baseada principalmente em arquivos policiais, eles dizem que Vincent discutiu ferozmente com o amigo Paul na porta de um prostíbulo e, com um movimento certeiro do seu sabre, Gauguin decepou a orelha do colega, o que justificaria também a sua saída rápida de Arles depois do episódio.
Até agora, a história oficial afirmava que a briga existiu, mas que Van Gogh, num ato de demência, tinha se automutilado. Outra versão dizia que não era por causa da briga, que Van Gogh cortou a orelha num ato de desespero e a enviou pelo correio ao irmão Theo, para que este se convencesse do estado dele.
Essa nova tese na verdade não tem uma base factual, ou seja apesar do rigor, poderia não passar de uma fofoca académica. Mas o livro deles já está nas prateleiras europeias: A orelha de Van Gogh, Paul Gauguin e o pacto de silêncio.
A loucura de Van Gogh exerceu sempre um grande fascínio em outros artistas. O talento enorme somado à vida miserável, o cara que vendeu um quadro só enquanto vivo e que deixou antes do suicídio um bilhete com a frase "é o melhor para todos", foram elementos irresistíveis que motivaram desde a admiração até o canibalismo de historiadores e artistas.
Agora mesmo penso nesses historiadores que passam quinze anos atrás da orelha de Van Gogh e penso como a pesquisa histórica não é alheia à futilidade imperante.
Agora mesmo penso porque é que eu estou escrevendo sobre isso e não, por exemplo, sobre a apresentação da versão bilíngüe do Impressões do Carybé nas suas visitas ao Benin, que aconteceu hoje na Feira do Livro de Buenos Aires, com a presênça da viúva e da filha desse outro grande pintor argentino-baiano.
Talvez será porque Carybé fez da vida uma celebração e não cortou a própia orelha. E isso da menos ibope.



Autorretrato com a orelha cortada, de Vincent Van Gogh (1889)
Autorretrato, de Paul Gauguin (1889-1890)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Tu pissavas os astros distraída



Hoje faz 116 anos do nascimento de Orestes Barbosa, um dos maiores poetas da música popular brasileira.
Criador de poemas belíssimos que foram levados à canção por Sílvio Caldas, Francisco Alves, Noel Rosa e Custódio Mesquita, entre outros parceiros, Orestes foi um poeta precoce e um reporter notável.
Mesmo sem formação escolar até os doze anos, aos catorze já era revisor de jornal e escrevia rimas que chamavam à atenção dos adultos.
Como jornalista, ele foi ousado, foi parar na cadeia várias vezes por causa de suas crônicas.
Como poeta e autor de músicas, foi um romântico certeiro em imagens e palavras. Deixou músicas geniais como Serenata, Há uma forte corrente contra você, Arranha-céu e a mais popular Chão de estrelas, cujo verso "Tu pissavas os astros distraída" foi definido por Manuel Bandeira como o mais bonito da língua portuguesa.

Chão de estrelas, em versão de Sílvio Caldas ao vivo na TV Cultura (1978)
Foto de Orestes Barbosa, sem crédito do autor

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sammy Davis Jr.: O feio mais bonito



Eu sei que sou tremendamente feio, um dos homens mais feios que se possa imaginar, mas a feiúra, quanto a beleza é algo que tem que se aprender a usar. Por toda minha vida resisti a tentação de ser um pouco menos feio, de fazer ajeitar meu nariz, por exemplo.
Minha estrutura óssea é boa, a linha do meu queixo é bonita, meus pômulos são bonitos, meu corpo é proporcionado. Talvez, se eu tivesse reparado o meu nariz, eu seria até aceitável.
Sim, eu sou convicto de que um homem realmente feio, afinal, acaba sendo atrativo. Um homem que não é nem uma coisa nem a outra, passa despercebido, ninguém olha para ele duas vezes.
A respeito do meu olho, enfim, o óptico fez um trabalho tão bom que fica difícil diferenciar o olho falso do verdadeiro. Dá mais a impressão de que tenho uma piscada de que eu sou caolho. Olhe minha pálpebra, veja como ela está firme. É uma obra prima. E quer saber de uma coisa? Eu enxergo muito mais agora que tenho um olho só do que antes, quando tinha os dois.
Com meu único olho descobri um monte de coisas: o judaismo, por exemplo. Com meu único olho encontrei minha esposa e casei com ela. Com meu único olho eu a fiz mãe dos nossos filhos: eu tão negro e ela tão branca; eu tão feio e ela tão formosa. Meu Deus, você não acha extraordinária a minha maravilhosa esposa? Olhe que mulher! Olhe pra ela!
Eu consegui com um olho só. Com um olho! E ela não está nem um pouco preocupada com isso, não. Nem um pouco.

Fragmento de entrevista do ator, cantor e bailarino Sammy Davis Jr. com a jornalista italiana Oriana Fallaci, em 1964.
Nessa entrevista, o grande Sammy respondeu com muito humor e elegância infinita uma bateria de perguntas do teor de "O senhor não pensou na responsabilidade de trazer ao mundo crianças que não serão nem brancas nem negras?" ou "Eu ouvi dizer que o senhor prefere estar com brancos antes que com negros"


Faça uma pausa, veja o "feio" ao vivo, na Holanda, em 1967
Foto de Sammy Davis Jr de Herb Snitzer

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Uma foto e o dom de perdoar



Passou por Buenos Aires, Kim Phuc, protagonista de uma das cenas mais comoventes do século vinte, registrada pelo fotógrafo da Associated Press, Nick Ut.
A vida de Kim pendia de um fio quando Nick captou esse instante após um bombardeio de napalm, em Vietnã, em 8 de junho de 1972. Enquanto os colegas rebobinavam os rolos depois de tirar as primeiras visões do horror, Nick aproveitou que estava com quatro câmeras aquele dia e não parou de clicar.
Na redação da AP houve uma polêmica: publicação de nus eram proibidas expressamente. Mas o editor de fotografia Horst Faas fez questão de abrir uma exceção, enviou um telex para Nova York, onde o editor-chefe Hall Buell autorizou a publicação argumentando que o valor da notícia ultrapassava a reserva moral.
Conhecida inicialmente como "A menina do napalm", Kim foi salva pelo fotógrafo, que a levou para o hospital. Sobreviveu a 17 cirurgias em 14 meses de internação.
A história dela é cheia de reviravoltas. Foi morar na Cuba para estudar medicina, casou com um cubano e na volta da lua de mel na Rússia, eles desertaram e foram para Canadá.
Hoje é embaixadora da UNESCO, virou cristã e lidera uma fundação que leva seu nome e cuida das crianças vítimas das guerras.
Em 1996 foi para um ato em Washington e conheceu e perdoou John Plumier, o comandante do ataque à aldeia onde morava a família de Kim. No encontro religioso do sábado passado em Buenos Aires, ela disse:

- As vezes ainda sinto dores e carrego muitas cicatrizes, mas o coração está limpo. A fé e o perdão são mais poderosos que o napalm.

A trajetória do fotógrafo Nick Ut também está atravessada de significantes. Ele se tornou um fotógrafo por admiração: seu irmão mais velho era fotógrafo e morreu em Vietnã em 1965. O própio Nick esteve perto de morrer em três oportunidades durante aquela guerra.
Tinha vinte anos quando fez a famosa foto que ganhou o World Photo desse ano e o Pulitzer no ano seguinte.
Mas a dimensão testemunhal daquela imagem está para além dos prêmios. O próprio Nixon, diante da força da cena, tentou espalhar que tratava-se de uma montagem. É uma foto que exibe o valor do foto-jornalismo. Tanto que é considerada a chave que abriu a consciência dos cidadãos dos Estados Unidos para o desastre daquela guerra.
Nick vive hoje em Los Angeles e continua sendo um dos fotógrafos mais destacados da AP. Ainda conserva a Nikon e a Leica que usava na época.
Em certo sentido, a foto dele foi o começo do fim de Vietnã.





Foto de Vietnã de Nick Ut (1972)
Foto de Nick Ut em Vietnã da Agência AP (1972)
Foto atual de Kim Phuc e Nick Ut de David Burnett

domingo, 3 de maio de 2009

Augusto Boal e uma velha passagem de ônibus



Acordei com a notícia triste da morte de Augusto Boal, o fundador do Teatro do Oprimido que, com certeza, será amanhã divulgada também na Argentina, toda vez que Boal foi uma figura fundamental do teatro americano.
Fui até minha biblioteca para pegar o livro Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular, que foi essencial para mim quando lá pelos meus vinte anos, o teatro era minha religião.
Achei o livro com os signos do tempo marcados nele: a capa da cor amarela desbotada, as folhas brancas amareladas e o cheiro de papel velho.
Encontrei de quebra uma passagem de ônibus da época, colocada em algum momento enquanto andava pela cidade, para assinalar as páginas. Ler nos ônibus era um exercício de concentração e abstração, interrompido sempre pela presa para saltar. Então, as passagens ajudavam para marcar onde tinha parado a leitura.
Passei as folhas do livro procurando entre as partes ressalvadas. Queria uma frase que definisse o artista. Não custou achar.

"O popular no teatro é questão de foco e não de assuntos"



Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n' roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n' roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo pessoal
Adeus

Meu caro amigo (fragmento), dedicada por Chico Buarque a Augusto Boal em 1976
Foto do livro de Juan Trasmonte
Foto de Augusto Boal de Leo Aversa

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Trabalhadores


A cantante e atriz Cindy Lauper no camarim, na Broadway, durante temporada da peça "Opera dos três vintens"


Trabalhadores das minas da Africa do Sul


Jornaleiros em Buenos Aires, Argentina


A fotógrafa Annie Leibovitz, trabalhando no topo do Chrysler Building


Imigrantes japoneses no Brasil



O cantor e compositor Steven Tyler, depois de um show do Aerosmith


Mulher presa durante greve nos Estados Unidos



Reprodução da obra La Huelga (A greve), do pintor Ricardo Carpani


Escravos no Brasil


Catador de papelão em Nova York

Foto de Cindy Lauper de Rivka Katvan (2006)
Foto de mineiros na Africa de Margareth Bourke-White (1950)
Foto de Annie Leibovitz de John Loengard (1991)
Foto de Steven Tyler de Fin Costello (1976)
Foto de escravos de Marc Ferrez (1885)
Foto de catador de Art Shay (1949)