segunda-feira, 23 de junho de 2008

Garbo fala!


A campainha do telefone quebrou o silêncio e o funcionário do hotel acenou para o moço do elevador. Miss Garbo iria receber o jornalista do The New York Times. Logo depois abriu-se de par em par a porta dos aposentos da estrela e, como surgida de um raio de luz, fez a sua entrada a figura da fascinante atriz. Ela cumprimentou o recém chegado com voz grave enquanto os olhos do entrevistador se afastavam fugindo do rosto dela até um buquê de flores que estava em cima da mesa, e depois para o tapete.

- Não quer sentar? perguntou ela.

(...) Luzia um suéter de seda cor de rosa e uma saia curta de veludo preto. Do cigarro que segurava entre os seus longos dedos subiam até o teto linhas azuis de fumaça.
Quando veio aqui pela primeira vez, há três anos e meio, miss Garbo apenas falava inglês, mas tem melhorado bastante e é capaz de expressar-se com certa fluência. Apesar dos ocasionais erros, sempre cativantes, ela me comentou que estava disposta a provar sorte no cinema sonoro em um filme com diálogos.
Eu perguntei que tipo de filme gostaria de fazer. Ela deu umas tragadas, abaixou os cílios e respondeu condescendente

- Joana D’Arc. Embora talvez não iria dar certo. Eu gostaria de fazer alguma coisa diferente, alguma coisa que não tenha feito antes. Não me interessam essas histórias de amor bobas. Quero fazer algo que as outras não façam. Se eu pudesse trabalhar com Von Stroheim! Não seria extraordinário?

Depois Miss Garbo comentou que em Estocolmo gostava de andar pelas ruas olhando as vitrines das pequenas lojas e depois sair pra jantar sem trocar de roupa. Quando eu lhe-perguntei se era reconhecida por muitas pessoas na rua, ela me respondeu como costuma fazer com outras perguntas
- Não sei.
- O que fez na sua primeira noite em Nova York?
- Jantei sozinha.
- Completamente só?
- Totalmente sozinha. Eu adoro olhar os... como se diz? apanha-céus? Não, como é que é? Isso, arranha-céus. São tão bonitos desde a janela.
- E quando você volta para Hollywood?
- Não sei, amanhã talvez.

Continuamos falando de cinema e miss Garbo afirmou
- Se vocês quiserem que eu fale, falarei. Adoraria atuar num filme falado quando sejam melhores, porque por enquanto são horríveis.

Foto de Greta Garbo no filme Anna Christie (1930)
Versão para o português de Juan Trasmonte (Creative Commons)

Em 1929, Mordaunt Hall entrevistou Greta Garbo em Nova York para o The New York Times. O documento tem várias pérolas, a começar pela perplexidade do jornalista perante a beleza da diva, tanta que o leva várias vezes a passar de falar em primeira pessoa a falar em terceira pessoa, curiosidade que decidi manter na tradução. Esta entrevista foi feita um ano antes da carreira dela disparar com o filme Anna Christie, quando pela primeira vez ela trabalhou num filme sonoro. “Me vê um uísque com um ginger ale ao lado. E não seja tacanho” foi seu texto inicial.
Como já é sabido, não foram muitas as estrelas que conseguiram fazer essa passagem do cinema mudo pro falado. Greta Garbo conseguiu e foi um sucesso. A publicidade do filme foi feita em cima do chavão “Garbo fala!”. Uma década depois ela fez Ninotchka e mostrou que também tinha o dom da comédia, e Hollywood grandes publicitários: “Garbo ri!” foi a frase da vez.
A entrevista é brilhante porque exibe três dados fundamentais para retratar Greta Garbo: a estonteante beleza, o humor irônico e o mistério.

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