Semana passada morreu Gerard Damiano, o diretor do clássico pornô Garganta profunda. A mídia fez um daqueles obituários de rigor colocando ao lado do nome do filme, adjetivos do tipo “controvertido” ou “polêmico”.
Ao ver as fotos do velhinho Damiano com essa peruca à beira do patetismo, fiquei pensando nos personagens que ocupam um lugar na história apesar deles.
Deep Throat, a história de uma mulher que tinha o clitoris na garganta, foi estreado em 1972, quando o debate entre puritanismo e liberdade de expressão era um tópico borbulhante na sociedade dos Estados Unidos. Proibida em 23 estados, foi objeto de acesas brigas entre os que acreditavam que o filme expressava um emblema da revolução sexual e os que o consideravam herético. O rio foi pro mar e o fenômeno ecoou na Europa com os mesmos bandos de defensores e detratores.
Com o passo do tempo, virou um estandarte da cultura e alimentou uma lenda que até hoje continua. Damiano era um exemplo para os produtores de cinema enlouquecidos com orçamentos que disparam porque fez o filme em seis dias de filmagens, investiu 25.000 dólares e obteve uma renda de 60 milhões. Mas depois ele mesmo confessou que vendeu os direitos do filme para a famiglia Peraino, uma das que controlavam o negócio da distribuição do pornô. Por quanto? 25.000 dólares, a mesma cifra que tinha custado fazer o filme. De maneira que a renta não foi tal.
A protagonista, Linda Lovelace, passou de ativista militante em prol da liberdade de expressão a confessar que fez o filme obrigada pelo marido dela, que também era seu produtor. Ao mesmo tempo, o ator Harry Reems, foi sucessivamente: processado por obscenidade, celebridade pornô e alcoólatra.
Damiano emplacou outro clássico, The devil in Miss Jones, e continuou com sua carreira, quando o chamado “pornô chic” ganhou força de indústria e músicos e atores compareciam naquelas longas festas pletóricas em substáncias ilegais.
Mas o fato que acabou revelando a inserção do filme na cultura dos Estados Unidos foi que o homem que botou a boca no trombone entregando informação crucial aos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, foi apelidado de Garganta Profunda. E ninguém soube seu nome até 2005, quando Mark Felt, antigo chefão do FBI disse “Eu sou Deep Throat”.
Há quem viu em Garganta profunda uma alegoria do mistério do orgasmo. O poeta Paul Eluard mostrou a sua fascinação com o cinema pornô, dizendo em carta a Gala -a amada que acabou sendo roubada por Dali- que tinha descoberto “a vida incrível e magnífica dos sexos imensos na tela”.
E eu que fiquei pensando nessas pessoas atrás dos personagens. Linda Boreman, eternizada como Linda Lovelace, com o estigma eterno do filme, que ganhou a merreca de 1.250 dólares pelo filme e que morreu em 2002 em um acidente de carro. O outrora poderoso homem do FBI que virou o velhinho Garganta profunda e a morte inglória de Nixon, sua vítima.
E Gerard Damiano, que jamais achou que o filme fosse aquela coisa toda, um aposentado que você poderia ter encontrado em um supermarket de Miami. E pensei na primeira coisa em que você teria reparado, aquela peruca ridícula.
Fotos de Gerard Damiano e Linda Lovelace de Documentary Productions, da divulgação do documentário Inside Deep Throat , de Randy Barbato e Fenton Bailey