quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

La piccola Sole



Em meados de 1997, María Soledad Rosas, uma jovem argentina, da classe média-alta, foi pra Europa. Uma viagem iniciática como a que tantos de nós fazemos quando o mundo aparece na nossa frente como uma caixa de Pandora.
Antes havia ficado um tempo no Brasil. Soledad adorava animais e tinha idéias ecologistas. Nesse momento, ela vislumbrava seu futuro em uma praia do norte do Brasil.
Mas a possibilidade da Europa a levou para Turim, na Itália. Poucos dias depois de chegar, achou uma casa ocupada pelos squatters, um movimento na sua maioria formado por jovens que se opõem as regras e convenções do capitalismo, vivem em pequenas comunidades e fazem de prédios e fábricas desocupadas seu lugar de moradia e centro de atividades.
Soledad uniu-se ao grupo, identificada com as idéias deles, em boa parte baseadas no velho anarquismo.
Naquela casa conheceu e se apaixonou por Edoardo Massari, o Baleno (raio), que era dez anos mais velho que ela. O amor e a militância iam juntos. Soledad aprofundou sua participação em atos e distribuição de propaganda dos squatters. Não pareciam um grupo relevante em termos de política.
Mas ao mesmo tempo, outro grupo de squatters, conhecido como Lupi Grigi (Lobos cinzas), estava praticando atentados contra a construção do trem de alta velocidade (TAV), por considerá-lo causa de um futuro desastre ecológico.
Na madrugada de 5 de março de 98, o Digos, uma divisão da polícia secreta italiana criada na época das Brigadas Vermelhas, arrombou a casa e levou Soledad, Edoardo e Silvano Pelissero, amigo do Edoardo que também morava lá.
Com a cumplicidade da mídia que estranhamente nada questionou, os três foram indiciados como os “eco-terroristas” dos atentados. Porém, no momento em que ocorreram os fatos, Soledad estava na Argentina e Edoardo na prisão, pois ele tinha antecedentes por possessão de bombas molotov e pequenos furtos.
Detentos, os dois viraram emblemas do movimento squatter. Soledad foi desde então Sole ou La piccola Sole (a pequena Sole). Passeatas foram organizadas e as notícias ganharam mais espaço na imprensa, que continuou taxando os jovens como terroristas.
Em 27 de março, como um gesto final de protesto contra a injustiça, Edo se enforcou na cela.
Sole conseguiu permissão para assistir ao funeral do companheiro amado. Esse dia -quando foi tomada a foto que ilustra o texto- apareceu com a cabeça raspada e vestindo as roupas dele. E disse: “ce rivedremo presto” (nos reencontraremos logo).
A mãe e a irmã dela foram pra Itália. Depois da morte de Edo concederam a Sole a possibilidade de esperar o juízo em uma granja. O advogado italiano poderia fazer que os processos fossem separados, inclusive que ela voltasse para Argentina. Mas Sole recusou cada um dos benefícios oferecidos.
Na madrugada de 11 de julho, Soledad apareceu enforcada com un lençol no banheiro da casa onde permanecia detenta.
Foi um suicídio. Não houveram motivos para pensar o contrário.

Mais de uma década se passou e a história breve de Sole continua me comovendo. A parábola dessa menina educada em colégios particulares que entregou sua vida por uma luta aparentemente menor ou, como disse o pensador Gianni Váttimo, que “não aguentou o peso da vida”.
A lembrança dela está em várias paredes de Turim e nos seus companheiros.
Ninguém sabe se la Sole fez seu último ato por amor ou pelas suas idéias ou por ambas questões. Em qualquer caso, não deixa de ser simbólico que essa história tenha acontecido na década do maior cinismo do século vinte, quando o estandarte era dizer que as ideologias tinham morrido.




Foto de Sole da Agência Ansa (1998)
Reprodução da capa do jornal italiano La Stampa, condenando os detentos antes do processo
Foto de Sole do arquivo da polícia italiana

3 comentários:

Anônimo disse...

o caso de soledad é um dos belos casos de amor misturado a outros sentimentos tão perfeitos quanto, e me lembra a estória de sophie scholl, se não por qq outra razão, pela disposição de pessoas tão jovens dedicadas a combater a hipocrisia do poder estabelecido.

Anônimo disse...

Caraca! Que história! Gostei muito de seber,em detelhes, essa história. Realmente,tenha sido por amor ou por convicção, a pequena Sole fez a sua história e não deixou que osoutrosfizessem proela. Muuuuito bom, Juan! Parabéns pelo post! Beijos!

Unknown disse...

Não a conhecia. Lindo e comovente seu texto, Juan. Vc tem a mesma capcidade chicobuarqueana de penetrar a alma feminina.

Algumas de nós vivem tecendo tapetes. Sole não esperou. foi ao encontro.

Bia Alves.