sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Menos uma para os alemães


Conversava com meu colega e amigo franco-argentino Boris Reith na gravadora Random Records onde os dois trabalhamos. Não lembro bem por onde o papo ia, mas com certeza nas redondezas da música, as viagens, as diferênças culturais, as comidas e as bebidas, quando ele soltou a frase: “Encore une que les boches n’auront pas!”

- E o que é que é isso, broder?
- “Mais uma que os alemães não terão”

A frase passada de geração pra geração na cultura francesa, vem da época da guerra, da França ocupada pelo regime nazista. Boris me contou que muitas pessoas dizem isso ao abrir uma garrafa de vinho ou quando acabam de bebé-la. Esse gesto do cotidiano, que pode parecer mínimo, expressa o sentimento de uma nação na situação limite da guerra. Outras vezes escrevi sobre o assunto e não deixo de ficar impressionado na constatação de que grandes tragédias são maiores nas histórias mínimas.
O significado do vinho na cultura francesa e a possibilidade de arrebatar ao invasor o objeto de pertença, talvez digam mais que todas as armas. A resistência foi exatamente isso. Mostrar ao inimigo nas ações do dia-a-dia o que é a liberdade.
Exemplos como esse estiveram há pouco tempo representados aqui no blog, para dimensionar a ocupação na Geórgia; há dias apenas com o lance da sapatada no Iraque, entre outros casos.
Os artistas do cinema tem criado obras maravilhosas para dimensionar essas tragédias. Sugeri a Boris e abro o jogo aqui para assistir Roma, cidade aberta (Roma, cittá aperta), de Roberto Rossellini (1945), com a fantástica Anna Magnani, e O silêncio do mar (Le silance de la mer), de Jean-Pierre Melville (1949), este baseado no romance escrito na clandestinidade por Jean Bruller sob o pseudônimo de Vercors.
E Boris me contou que ainda hoje a vó dele atravessa a rua quando vem um alemão na direção contrária. O perdão é uma tarefa longa e complicada. Hoje na Espanha, foi retirado um dos últimos monumentos que ainda estava em pé do ditador Franco. E deu confussão entre os partidários dele e os outros. Franco morreu em 75. A Segunda Guerra acabou em 45. São décadas que se passaram, mas há feridas que continuam sangrando. Há de haver o perdão porque nada pode ser reconstruído sem ele. Mas também não pode haver condena para quem atravessou essas experiências e ainda condena, e não consegue perdoar.

Foto de Julia Pirotte de cidadãos marselheses da resistência escolhendo armas, em 1944

Um comentário:

Janaina Amado disse...

Também penso que o cerne da história está nos pormenores, capazes de condensar, com humor ou amor, toda uma situação histórica complexas.
O perdão, especialmente coletivo, é difícil mesmo, aconteceu pouco na história. Quando acontece, acho que então somos grandes.