sábado, 9 de agosto de 2008

Adeus ao poeta palestino


Ele está tranqüilo, eu também
sorve um chá com limão
bebo um café,
É o único que nos distingue.
Ele leva, como eu, uma camisa ampla listrada
eu folheio, como ele, os jornais da tarde.
Ele não me vê quando eu olho de soslaio,
Eu não o vejo quando ele olha de soslaio,
ele está tranqüilo, eu também.
Pergunta ao garçom,
pergunto algo ao garçom...
Uma gata preta passa por nós,
acaricio sua noite
acaricia sua noite...
Eu não lhe digo: está aberto,
o céu está muito azul.
Ele não me diz: está aberto.
Ele é o observado e o observador
eu sou o observado e o observador.
Mexo a perna esquerda
mexe a perna direita.
Cantaroleio uma canção,
cantaroleia uma cancão parecida.
Eu penso: é ele o espelho em que eu me vejo?
Depois olho nos seus olhos,
mas não lhe vejo...
Abandono o café depressa.
Penso: talvez ele seja um assassino, ou quiçá
alguém que pensou que eu sou um assassino.
Ele tem medo, e eu também!

Ele está tranqüilo, de Mahmud Darwish
Versão para o português de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de F.J. Vargas

Faleceu ontem Mahmud Darwish, considerado o poeta da resistência palestina desde que em 1998 ele escreveu a Declaração da Independência Palestina.
Autor dos livros Menos rosas, O leito de uma estranha, Estado de sítio e Não se desculpe, entre outros, Mahmud tinha nascido em Birwa em 1941. Sua cidade natal foi destruída pelos israelenses, o poeta foi perseguido, preso e forçado ao exílio reiteradamente por causa da sua atividade literária e política. Pertenceu a OLP e recebeu honras de vários governos e instituições.
Sempre contava que escreveu Estado de sítio "com os tanques na porta da minha casa". Seu poema mais famoso, Carteira de identidade, foi traduzido a dezenas de línguas.
Todos os exilados desses tempos por todas as causas perdem com a partida de Mahmud uma voz essencial, aquela que disse "O exílio é uma parte de mim. Quando vivo no exílio eu levo a minha terra comigo. Quando eu vivo na minha terra, sinto o exílio comigo. A ocupação é o exílio. A injustiça é o exílio. Permanecer horas num controle militar é o exílio. O porvir é sempre pior para nós. Isso é o exílio".

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