segunda-feira, 2 de abril de 2007

A Misia dos fados



Será todo este sentir o de uma estrangeirada? Ser estrangeirada não terá porventura um verso e um reverso, uma ida e volta, incorporando também o privilégio e a capacidade de transportar connosco, ainda que para muito longe, o imaginário cultural do nosso país representado num ambulante palco interior? Sou mais portuguesa quando, distante, tenho saudades de sabores e cheiros daqui, e menos portuguesa quando em Portugal invento um "petit Paris" a poucos quilómetros de Lisboa? Estar sempre em trânsito pelo mundo e continuar a ser daqui, a "estar aqui" na espaciosidade do espaço íntimo do meu coração, não é isso um penhor seguro, mais talvez que aquele de que não dispõe quem jamais confrontado com a miragem da distância, desconhece como essa realidade o transformaria? É preciso ser cuidadoso, as evidências raramente traduzem o essencial das questões. O facto de eu assimilar os signos de outras culturas (chamo-lhe o meu sindroma Wenceslau de Moraes) far-me-á porventura menos portuguesa? Uma coisa será excluinte ou acentuará a outra neste país de tantos viajantes lendários e anónimos? Tenho muitas respostas, seguramente demasiadas ou nenhuma certa.
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Apesar de reverenciar com humildade o seu aspecto mais local e com ele tentar aprender todos os dias, através dos anos compreendi que o que me levava a cantar o Fado era a universalidade. No Fado encontro implícitas todas as músicas e literaturas do mundo, os sentimentos mais universais e intemporais. Os seus signos podem ser compreendidos na Nova Zelândia e em Matosinhos (só comparável com a entrada de Orfeu nos infernos) sendo mais importante para quem ouve - na minha opinião - sentir a intensidade emocional do ritual que é uma "forma", do que perceber a língua ou o significado exacto das palavras. Isto sim, é indispensável para uma "autoria" da interpretação, considerada a palavra como a "casa do ser".


Texto de Misia (fragmento)
Fotos de CB Aragão
Filha de mãe catalã e pai português, Misia de todos os fados, para entender de que falamos quando falamos de olhar estrangeiro.

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