domingo, 31 de agosto de 2008

Blog Day, dia de atravessar fronteiras

Blog Day 2008
O Blog Day foi criado para que blogueiros do mundo todo possam recomendar outros blogs e assim estimular o conhecimento de novos portos e novos pontos de vista, para acrescentar ainda mais esse cruzamento de culturas e informações.
Então, seguem as minhas indicações:

1. M'zONe: o blog do Mielle que sempre tem informação interessante sobre cyber-cultura, ciência e tecnologia. Para leigos como eu é uma oportunidade de acessar outras praias.

2. La donna é mobile: o canto de Alana. Muito cinema, belíssimos textos e imagens. Extrema fineza.

3. .Blog: Jorge C. Reis é um médico português que tem um lado humanista como todos os médicos deveriam ter. Em seu blogue podemos descobrir cantos, encontros e culturas da sua belíssima terra.

4. BM Blog do Moura: O Moura é um baiano-paulista especialista en informática, esse mundo misterioso para mim. Sempre descubro informação bacana no site dele. E além do mais, ele é um blogueiro generoso com os outros blogueiros. Razões demais para justificar a indicação.

5. Imarginalico: Blog do jornalista brasileiro Ronald Junqueiro. Nesse blog eu simbolizo os blogues com autoria, com olhar próprio, aqueles que não vivem só do copy-paste e não oferecem tudo digerido.

Há muito blog legal para se recomendar, dessa vez podiam ser só cinco. Agradeço também a Roberto Jr do Voxtopia, pela sua generosidade de indicar meu blog. E a todos os companheiros que fazem desse oceano uma imensidão maravilhosa.

Tag do Blog Day: http://technorati.com/tag/blogday2008
Site do Blog Day

sábado, 30 de agosto de 2008

Orfandade


Mundo sem mecenas
morto socialismo
orfandade
morto
produtor executivo
Deus moreno morto de braços abertos
fieis escondidos
morno fim do dia
expatriado
soro pingado
para adiar a morte
do já morto
talento soterrado
pálido susto dos herdeiros
surto dos abençoados
bem-aventurados.

Orfandade, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto de
Lise Sarfati no neuropsiquiátrico Serbsky, na Rússia post-soviética de 1995

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Corri pra ver


Ouvi cantando assim
ô ô, ô ô
A majestade do samba
Chegou, chegou
Corri pra ver
Pra ver quem era
Chegando lá
Era a Portela

Era a Portela do seu Natal
ganhando mais um carnaval
Era a Portela do Claudionor
Portela é meu grande amor

Ouvi cantando assim...

Era a rainha de Oswaldo Cruz
Portela muito nos seduz
foi mestre Paulo seu fundador
nosso poeta e professor

Ouvi cantando assim...

Corri pra ver, de Chico Santana, Monarco e Casquinha
Foto de divulgação de Casquinha, Zeca Pagodinho e Monarco

Hoje estreia nos cinemas do Brasil O mistério do samba, documentário de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor sobre a Velha Guarda da Portela.
Li nos foruns da vida que esse filme e todos os documentários musicais que estão aí, desde o de Cartola até o dos Rolling Stones, são cópia do Buena Vista Social Club. Bobagens.
Pra começar, sem tirar seus méritos, o BVSC não foi o primeiro documentário sobre música e ou músicos, o próprio Scorsese fez The Last Waltz, documentário sobre The Band, em 1978.
E também, ninguém ia esperar dez anos pra copiar um filme, até porque se essa fosse a intenção outros poderiam copiar primeiro.
Eu que tive a honra de produzir e escrever o roteiro de um documentário sobre samba em que aparecem algumas dessas figuras maravilhosas das velhas guardas, sinto a maior felicidade quando um outro filme do estilo é feito.
As velhas guardas merecem o nosso maior respeito, porque eles são os que mantiveram a tradição quando o samba não estava na mídia nem na moda e eles são os que seguram o samba pra passar para as outras gerações.
Então, hoje estreia O mistério do samba. Corram pra ver.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Cinema Paissandu: Preservar ou deixar morrer?




O cinema Paissandu do bairro carioca do Flamengo abrigou na década de sessenta uma geração de jovens que entendiam o cinema e as artes em geral como uma ferramenta de transformação. Uns eram os autores desse cinema e outros eram os polemistas, em calorosas discussões que podiam começar em Godard e acabar na luta de classes.
Agora o grupo Estação, que gerencia a sala, colocou data de validade para o histórico espaço, chamado na atualidade Estação Paissandu. E é pra já, no próximo domingo.
A notícia gerou um movimento de cinéfilos e uma reação acorde com os dias de hoje, um abaixo-assinado veiculado através da internet. Meu primeiro impulso foi clicar lá e assinar também. O Paissandu para mim, morador do bairro, sempre foi um polo cultural, uma referência, o lugar onde corriamos aqueles que não corriamos atrás da novidade. Eu morava na Senador Vergueiro e sabia, mesmo indo pouco nos últimos tempos, que ele estava lá. E eu me orgulhava por pertencer a um bairro que tinha um cinema diferente de quase todos.
Agora, desde a distância do inverno de Buenos Aires penso se o fato de querer manter esses espaços e realmente uma maneira de salvaguardar nossa cultura ou é uma jogada a traição da nossa própria nostalgia.
A realidade é que o Paissandu, com seu cheiro de mofo, não é mais o que era, mas nós também não somos, eles não são. Glauber e Sganzerla morreram, assim como Bergman e Antonioni; Jabor virou colunista do Globo e aqueles anos deixaram uma colheita heterogénea que inclui feridos, recalcados; uns que optaram pelo cinismo e outros que ainda acreditam que a esperança de um mundo senão melhor um pouco menos injusto, essa sim não tem data de validade.
Cinemas de rua viraram templos para que pastores eletrônicos materializem os milagres. Ou seja, quem comparecia ao cinema como quem assiste ao templo foi substituído pelos que comparecem com a ilusão de achar um deus que possa encher o buraco que provoca nos homens a angústia de existir. E o buraco enfim está mais embaixo.
Cinemas são nesses dias espaços descaracterizados que não cheiram mofo nem tem gato andando entre as fileiras. Eles cheiram pipoca e óleo de batata frita. A familiaridade procurada é a uniformidade do sujeito consumista: qualquer cineplex de Botafogo tem que ser igual ao que você encontra em qualquer cineplex do Brighton, na Inglaterra. O sucesso é a identificação, vide McDonalds. Tudo igualzinho, tudo com o mesmo sabor.
O burburinho eletrônico deu como conseqüência que o dono do prédio saiu dizendo que o Paissandu não vai ser trocado por um estacionamiento. Que o prédio será preservado enquanto um investidor -os benditos mecenas posmodernos- é achado. O diretor José Joffily ensaiou uma definição legal: “Eu me aproximava do Paissandu meio atemorizado, porque naquela geração eram todos oniscientes. Eu participava timidamente das discussões que se seguiam às sessões porque, se você falasse mal de certos filmes, acabava a sua vida social, acabavam as suas chances de namorar. Com o fechamento do Paissandu, encerra-se uma época em que o cinema era discutido, não era um mero brinquedo, mas um veículo para a revolução”.
E eu chego ao final dessas linhas com menos certezas que dúvidas. Devemos lutar como Quixotes para manter vivos esse bastiões da cultura? Devemos nos agarrar das paredes porque, parafraseando Serrat, “foi alí onde a Lauren Bacall jurou eterno amor Humphrey Bogart”?
Ou devemos assumir que aquilo não é mais, virou ilusão? Ou devemos deixar os operários derrubarem nosso passado a golpes de picareta e criar novos cinemas Paissandu? Talvez novos desejos e porque não novas utopias.

Texto de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto do cinema Paissandu na década de sessenta, sem crédito do autor
Foto do cinema Paissandu na atualidade de Leonardo Aversa


Confira neste post os dez filmes mais badalados da Geração Paissandu

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Adeus da esposa


Adeus, adeus
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra tê bom tempo, meu nego
Pra não tê tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada de alecrim

Adeus da esposa, de Dorival Caymmi
Para Stella Maris Caymmi (in memoriam)
Foto de Murillo Tinoco

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ciganos simbolizam o medo do outro



O blog Babel.com da amiga Letícia Castro sumou-se à campanha contra a sistemática perseguição aos ciganos na Itália.
Em primeiro termo, agradeço a Letícia pela sua contribuição. Tenho certeza que os numerosos leitores que visitam o blog dela vão trazer mais assinaturas.
Com ajuda para escrever em francês para pessoas não francesas, troquei e-mails com o pessoal do A Voz dos Ciganos. Eles me disseram que aumentou o número de assinaturas vindas do Brasil, país que acumula o setenta por cento do tráfico do meu blog. Acredito que com o apoio do Babel.com esse número irá crescer mais ainda.
No Nemvem Quenaotem a "extranjería" (adoro essa palavra em espanhol) é um dos pilares. Todos os dias me chegam mais e mais notícias desse desprezo aos estrangeiros na Europa. As vezes nem coloco porque acho que vai ficar meio over, mas minha indignação com o assunto fala mais alto. Podemos sim contribuir com nossas vozes e com nossos atos cotidianos para afastar o etnocentrismo e o medo do diferente. Afinal é isso. Freud explica. O que é que o outro está dizendo ou mostrando de nós e que nós não queremos enxergar?
Isso vale também pra gente, que adoramos essas rixas argentinos x brasileiros ou paulistas x cariocas e tal.
Ciganos, o povo rom, segundo pesquisas, são os mais segregados na Europa, por isso são também emblemáticos nessa luta. Porque só haverá integração nas diferênças e pelas diferênças. Isso vale pro mundo e pro quintal. Só depois de atravessar esse rio, a Europa poderá ser chamada de comunidade.

Foto antiga, sem crédito, de ciganos deportados

Luiz Tatit, o cancionista


De um lado vem você com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil
E pronto!
Me conquista com seu dom

De outro esse seu site petulante
WWW
Ponto
Poderosa ponto com

É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto
Canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar

Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante

Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu

No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, o vício
É só navegar, é só te seguir, e então naufragar

Capitu
Feminino com arte
A traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente
Imperando no site
Capitu

Capitu, de Luiz Tatit
Foto de Gal Oppido

Especialista en letras kilométricas, Luiz Tatit traça histórias que, desde o cotidiano e sem privar-se do humor, bordeiam o existencialismo. É nessas histórias que ele encaixa as suas harmonias e palavras muitas vezes como sons. E também nesse marco o autor prova as suas teorias.
Porque Tatit é uma figura fundamental não só pela sua contruibuição artística, mas também pelo seu trabalho teórico na pesquisa do universo e dos materiais com que é feita a canção brasileira. Seus livros O cancionista - Composição de canções no Brasil (1996) e Todos entoam - Ensaios, conversas e canções (2007) são obras capitais tanto para aqueles que trabalham com esse mistério chamado canção quanto para os interessados na criação artística em geral. No decorrer dessas obras, Tatit desenvolve o conceito de cancionista, palavra pouco comum no português mas bastante utilizada no espanhol para definir os artesãos construtores de canções.
Talvez seja Capitu, essa versão livre e posmoderna do personagem de Machado de Assis no romance Dom Casmurro, sua música mais gravada, com versões ótimas de Zélia Duncan, Adriana Deffenti e Ná Ozetti, além da própria do compositor. Mas sua obra toda é de uma grande riqueza, daquelas dificis de espartilhar.

domingo, 24 de agosto de 2008

A lágrima de Sinéad que rodou o mundo


Para complementar a postagem anterior, umas linhas sobre Nothing compares 2U, a música de Prince e o vídeo do británico John Maybury que levaram Sinéad O’Connor para o número um das paradas em 17 países.
A cantora irlandesa, sem dúvidas a melhor de todas as surgidas na década de noventa, não queria ser uma pop star e enxergando para onde ia o marketing, decidiu raspar a cabeça. Considerada até esse momento uma artista alternativa, ela já tinha lançado o excelente The Lion & the Cobra, onde mostrava sua singularidade.
O diretor do vídeo filmou numerosas cenas em Paris, mas acabou escolhendo longos primeiros planos de Sinéad cantando e olhando fixamente para o objetivo, enquanto a música in crescendo e a expressão da cantora tomam o espectador. Essa estética da intérprete que, longe de deixar ela menos atrativa lhe deu mais força à sua personalidade, lembra a Joan d’Arc de Maria Falconetti.
Possuída pela emoção, Sinéad deixa rolar uma lágrima em seu rosto, uma emoção que não estava ensaiada e que reflete substantivamente a dor do abandono amoroso.
Essas longas tomadas, inesperadamente, impuseram-se no reino da vertigem que a MTV anunciava.
Como em Losing my religion, há uma certa atmosfera religiosa, não expressada aqui no simbólico mas no transcendente.
Em junho de 1990, na onda de Nothing compares 2U, Sinéad foi parar na capa da Rolling Stone. Ela detestou o sucesso e se recusou a receber o Grammy que ganhou por I do not want what I haven’t got.
John Maybury, que já tinha trabalhado no cinema como diretor de arte de Derek Jarman, continuou fazendo clipes ótimos para artistas como Neneh Cherry, Morrissey, Cindy Lauper e quase todos os outros que a irlandesa fez depois. E mais tarde partiu para o cinema, mas já como diretor, e fez, entre outras, a ótima The Jacket.
Encerrando o conceito desses últimos dois textos, havia na alvorada da década de noventa, nesses artistas associados com diretores como os citados e outros como Spike Jonze, Russel Mulcahy e Nigel Dick, um certo desejo de transcendência, desde a arte concebida como busca da beleza. Mas hoje esse desejo se perdeu ou foi por outros rumos, mais difusos, como se a produção de imagens num videoclipe fosse também um significante dos tempos.


Captura do vídeo de 1990, Nothing compares 2U, dirigido por John Maybury, na última foto.