terça-feira, 7 de outubro de 2008

Dr Alderete



Com uma estética que evoca o cinema Z, que bebe das fontes inusitadas da luta mexicana, a iconografia surfista e os seriados de televisão, Jorge Alderete (também conhecido como Dr Alderete) é uma das mais genuinas expressões da arte pop.
Nascido na Argentina e radicado no México há anos, Jorge é além de grande ilustrador, designer de tipografias e publicidade. Trabalhou nos canais MTV e Nickelodeon. Enquanto suas obras são publicadas em mais de vinte países, ele anda por esses dias apresentando seu último livro, chamado Yo soy un Don Nadie (I am Nobody ou Je suis Tout-le-monde, dependendo da edição). A obra traz uma galeria de personagens da noite mexicana, turbinados pelo olhar do autor que da às figuras um visual entre trash, pagão e sagrado.


Ilustrações do livro Yo soy un Don Nadie, de Jorge Alderete
Foto de Jorge Alderete de Gerardo Montiel Klint

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Ela é minha cara


Causa reboliço aonde passa,
Desce mais redondo que a cachaça...
Ela é a fulana de tal,
O seu palácio vai do Leme ao Pontal,
É a minha mais entre as dez mais.
Ela é gente bem,
Por isso mesmo não dá mole a ninguém,
Mas um dia eu faço ela sambar.

Ela é o colírio da moçada
Quando chega pára a batucada.
Ela é o jazzy,
E há quem diga que parece um rapaz,
Mas quem fala é louco pra encarar.

Ela é minha cara
E nem me olha quando a gente se esbarra,
Mas um dia eu faço ela sambar.
Tira onda de granfina ,
Mas pra mim é só a mina
Que enfeitiçou meu coração.
Vai que um dia pinta um clima
E ela vem parar na minha
E eu vou comer na sua mão...

E eu vou comer na sua mão...
E eu vou comer na sua mão...

Ela é minha cara, de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, interpretada por Mart'nália

Conheci Mart'nália no dia da entrevista marcada para o documentário Samba no pé. O ponto de encontro era o Circo Voador, na passagem de som da Rita Ribeiro. Nessa noite ia ter canja da filha de Martinho e Anália.
Quando ela chegou, perto das seis e depois do almoço no Nova Capela, os membros da equipe começaram a olhar pra mim com desconfiança. Parecia que Mart'nália tivesse vontade de qualquer coisa, menos de falar. Até esse momento tudo tinha dado certo e os entrevistados haviam esbanjado gentileza e sorrisos.
Mas quando a câmera acendeu, Mart'nália também iluminou-se, deu um show de bola e deixou momentos inesquecíveis para o documentário.
Depois compreendi que Mart'nália estava apenas amanhecendo. A história vale para referenciar o novo disco da artista, intitulado Madrugada, produzido por Arthur Maia e Celsinho Fonseca, que já havia produzido o ótimo Pé do meu samba e que ainda deu essa Ela é minha cara, em parceria com Ronaldo Bastos.
Se enganou quem pensava que depois do sucesso do Menino do Rio, a cantora ia tentar repetir a fórmula. Ela vai quase no sentido oposto, mas continua fiel à sua essência, traçando pontes entre Vila Isabel e a Motown, entre a raiz e a MPB. E graças a deus e aos orixás, tudo acaba em samba. Nas madrugadas onde ela se inspira, passeia sua ginga e também responde os e-mails.
Se eu tenho um lado carioca é esse mesmo. Mart'nália é minha cara.

Foto de Mart'nália de Eny Miranda

domingo, 5 de outubro de 2008

Peter Bjorn & John & Juan


Peter Morén, da banda sueca Peter Bjorn & John, o sábado passado no backstage do festival onedotzero_buenosaires.
Eles são os criadores da música Young folks, aquela que ficou identificada como a "a música do assobio". A canção que lhes deu grande popularidade também esconde a essência deles como banda, que está mais para o power trio.
Gente fina, os PB&J se prestaram mansamente para fazer toda a promoção e fizeram questão de visitar a gravadora local. Alguns artistas locais poderiam dar conta do recado.
Peter -que está na foto comigo- é tudo formal fora da cena e no palco vira o capeta. Bjorn, o mais sarcástico dos três, foi embora para Estocolomo no dia seguinte do show, o último de um tour de um ano. E o baterista John vai ficar por aqui um mês para estudar espanhol.

Foto de Marcela Romanelli

sábado, 4 de outubro de 2008

China Keitetsi, a mulher que foi criança-soldado


"Quem vê uma criança-soldado não enxerga em que vai virar dez anos depois"


Em apenas trinta e dois anos, a ugandesa China Keitetsi já viveu várias vidas e morreu muitas vezes.
Aos oito anos fugiu do maltrato paterno da casa e foi recrutada no NRA, a guerrilha de Yoweri Museveni, atual presidente da Uganda. Com nove anos ganhou seu primer fuzil UZI e aprendeu a matar. China perdeu a conta das vezes que foi violentada por oficiais. "O NRA nos deu armas, nos fez lutar sua guerra, nos ensinou a matar, odiar, torturar, e nos fez as suas namoradinhas".
China foi mãe pela primeira vez aos quatorze anos e aos dezoito conseguiu fugir do exército.
Depois de uma luta (sim, uma outra luta) de dez anos recuperou os filhos que hoje vivem com ela em Dinamarca.
Em junho deste ano cumpriu o sonho de abrir um lar de abrigo para crianças-soldado e filhos de crianças-soldado em Ruanda.
Dar testemunha e ajudar aos outros é a maneira que China Keitetsi achou para tentar redimir tanta perda e tanta dor. Sua vida hoje está consagrada aos filhos, a escrever livros e oferecer palestras que narram a sua experiência. E a essa outra longa guerra que decidiu dar contra o fim da utilização de crianças como soldados.



Foto de China Keitetsi de Bernardo Pérez
Foto do arquivo pessoal de China Keitetsi em Kampala, aos 18 anos

Buenos Aires, capital da música brasileira

No Blogueiro Reporter do DiHITT está disponível a matéria que escrevi sobre a onda de shows de música brasileira que invadiu Buenos Aires este ano. Confiram.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A insustentável leveza do meme


Capa do único disco do Melimelum (1976)


The Guess Who, na onda da moda Sgt. Pepper

A querida Requeri, do ótimo e musical re...bloggando, veio me dizer que eu ganhei um meme. Peraí, e que diabo é isso? foi o primeiro que eu pensei. As vezes vocês esquecem que eu sou gringo mesmo. Eu fiquei imaginando que um meme fosse um tipo de leprechaun.
Aí a Requeri veio explicar com a maior paciência do mundo que eu só tenho que escolher as minhas sete músicas preferidas, postar e repassar.
Nossa senhora! Eu vivo fazendo listas de dez músicas de qualquer coisa e sempre é pouco e agora eu só devo escolher sete?
Enfim, eu continuo sem saber a certo o que é o tal do meme, mas com certeza o meme deve ser uma coisa assim... leve. Até tem uma certa musicalidade: meme/leve.
Então, primeiro vejam as sete (aliás foram oito) que Requeri escolheu:
1 . r.e.o. = roll with the changes
2 . eagles = hotel california
3 . george harrison = give me love
4 . dr. john = such night
5 . elton john = madman across the water
6 . david bowie - rock'n roll suicide
7 . b-52s = juliete of spirits
8 . deep purple - anya

E agora, como o meu meme é todo etéreo as minhas têm a ver com alegria, daquela sensorial, que te invade quando você ouve, como uma volta à inocência perdida:

1. Satelite of love - Lou Reed
2. Acabou chorare - Novos Baianos
3. One divided - The Guess Who (aquela ótima banda canadense que tudo mundo conhece por American Woman)
4. Rosado atardecer - Melimelum (uma banda folk argentina da década de 70 que ninguém conhece e só lançou um disco que tem essa música que pra mim tem um dos mais belos arranjos vocais que eu já ouvi. Ouça você também)
5. Good morning starshine (Da peça e o filme Hair, quem canta no filme é a Beverly D'Angelo)
6. El reparador de sueños - Silvio Rodríguez (música que o cantor cubano fez para o seu filho)
7. Pé do meu samba - Mart'nália (por ela, por Caetano que fez a música, pelo meu amor pelo Rio de Janeiro e porque virou leit motiv do meu documentário Samba no pé)

Meu bonus track
8. Scorn not his simplicity - Sinéad O'Connor (da minha deusa pessoal para todas as crianças do mundo)

E finalmente, repasso o dito cujo para:
1. Re D'Elia, do >Magic on Sundays
2. Mara, do >Pintando música
3. Moura, do >BM Blog do Moura
4. Felipe, do >Um pouco de tudo
5. Ana, do >Cabrocha, a flor do samba

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Dylan Thomas opina sobre opinião e poesia


- As opiniões são o ressultado de uma discussão com si próprio, mas como a maioria das pessoas não é capaz de discutir com ninguém e menos ainda consigo próprio, as opiniões são um horror. Há opiniões, claro. Na poesia dramática, por exemplo, mas a grande parte de nós somos poetas líricos. Foi Eliot que demonstrou que é possível falar de qualquer coisa em verso, exceto de si mesmo. (...)
Eu suponho que deveriamos matizar o assunto da opinião. O matiz, a inclinação da mente, molda a poesia.

Mr. Thomas mantinha o cigarro no canto da boca, inclinando a cabeça para afastá-la da fumaça.

- Eu gosto de escrever a palavra "sangue" (N. de trad. no inglês, blood), é um tipo curioso de palavra.

Mr. Thomas e o seu convidado beberam.

- O que ressulta interessante é a maneira em que certas palavras perdem ou o seu significado ou a sua bondade. Por exemplo, a palavra "honra" (N. de trad. no inglês honor), uma palavra digna de herois. Na realidade é uma palavra digna de Nero.
- Por que perdem o seu significado ou a sua bondade as palavras?
- Porque com assiduidade as usam as pessoas que não devem.

Fragmento da entrevista concedida pelo poeta galês Dylan Thomas ao escritor Harvey Breit (conhecido por seus livros de cartas com Ernest Hemingway e Malcolm Lowry), publicada no >The New York Times Book Review em 1952, um ano antes da morte de Thomas, em decorrência de problemas com o álcool.

Versão para o português de Juan Trasmonte

Foto de Dylan Thomas e sua mulher Caitlin, publicada no jornal inglês The Telegraph sem creditos. Provavelmente os direitos pertençam a Jeff Towns

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Costumes


Se você se acostumar
não serei eu
serei morfina
e você pedirá mais
enquanto a veia
contamina
e pede mais
e mais declina
e perde o olho
na seringa
e no coringa
perde o jogo
por esquecer
jogada no futuro
a jóia de um segundo
num segundo
de surpresa.

E se eu cansar
não serei eu
serei o cego
que ficou a ver navios
o cuspe de metralha
sem sentido
o nada menos zero
aquele idiota
que bebe do seu sangue
e jorra água pela boca sem palavra
o felizardo
que esqueceu
o dom que traz o cheiro
de torradas de limão

E se eu cansar
da sua alegria
e do seu olho aberto
fechado
serei o pé de lama
o espantalho.

Costumes, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Reprodução de obra de
Ian Francis