domingo, 28 de junho de 2009

Benavente e a Espanha emigrante



Sábados ao meio-dia tem cerimônia de almoço na casa da minha mãe. Eu aproveito para ver ela e encontrar meus irmãos e sobrinhos. Mas a visita sempre tem um bonus. Difícil é voltar de lá de mãos vazias. Já é de praxis que ela diga:

- Vê se tem alguma coisa pra você lá.

“Lá” é uma pilha de papeis, recortes de jornal e afins e pode abranger desde uma entrevista da Marisa Monte no jornal Clarín até um caderno meu da escola.
A maioria das vezes eu digo

- Joga fora, mãe.

Mas quase sempre encontro pelo menos uma pérola. Ontem foram uns livros franceses da época em que ela estudava a língua, na adolescência dela, vários livros de teatro do meu pai, incluído uma espécie de “Manual do ator” de épocas pretéritas e um livro de crônicas e peças curtas do grande escritor espanhol Jacinto Benavente, prémio Nobel de Literatura em 1922.
Meu pai conheceu Benavente quando ele veio para Buenos Aires por causa da estreia da peça “Los intereses creados”. Um dos tesouros mais prezados da minha família é a dedicatória de punho e letra do autor, parabenizando meu pai pela interpretação de um dos malandros que protagonizam a peça.
Lembro da admiração com que meu pai falava de Benavente, das suas frases brilhantes e do humor irônico que o esanhol praticava. De maneira que não foi uma surpresa achar um outro livro dele entre tantos que meu pai deixou.
Mas foi uma surpresa e tanto encontrar naquele livro um texto de Benavente sobre os emigrantes espanhóis nos começos do século vinte. Isso no mesmo dia em que eu lera no jornal que Espanha adotava normas mais rígidas com os imigrantes.
Pensei que merecia uma tradução. Vejam como mudaram os tempos e o signo. Vejam o troco que a Espanha -outrora pais de emigrantes- da hoje para os imigrantes.

A Espanha dessangra-se, a Espanha despovoa-se; é uma fugida louca como de exército em dispersão, que na fugida consuma a sua derrota e a sua ruina. E em nome de quem vamos detê-los? Que lei pode obrigar a morrer de fome? Toda terra é terra de promessas para quem nada tem na sua. Quem foge não escolhe o caminho. Ai, a derrota dos otimistas que ainda julgam à natureza, mãe amorosa, que tem no colo calor para todos os filhos dela!
Como o rei Lear, na sua loucura de pai, assim pode clamar a Espanha: “Venham, filhos! Eu vos darei emigrantes para levar para terras longinquas. Não a grandeza da epopeia de outros tempos mas desolação, miséria e morte”.
Nada mais triste que um desses barcos atestados de emigrantes, mercadoria barata pela que ninguém vai exigir indenização por perdas e danos, aconteça o que acontecer. E se o barco não for daqueles destinados para ese transporte só, se os passageiros de luxo, com todas as mordomias são oferecidos como contraste, onde achar mais cruel desigualdade?



Emigrantes (fragmento), texto de Jacinto Benavente, do livro Crónicas y diálogos (Ediciones literarias J. Pallarés, Valencia, 1911)
Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto de imigrantes detentos nas Ilhas Canárias, da Agência AP

2 comentários:

mara* disse...

Quem foge não escolhe o caminho. Que frase magnífica!

Um grande abraço companheiro

Janaina Amado disse...

Que texto maravilhoso, Juan! E a Espanha, que tanto enviou os seus mundo afora, hoje fecha suas fronteiras aos que lá querem ficar...