segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A noite em que vimos os Reis Magos


A noite do 5 de janeiro era sempre única. A véspera da chegada dos Reis Magos despertava em mim uma ilusão incomparável, porque o mistério de Melchior, Gaspar e Baltazar era mais atraente que o do próprio Papai Noel.
Segundo a tradição, deviamos escrever as cartas com os nossos pedidos depois do Natal, e na noite esperada, colocar os sapatinhos na sala e deixar as janelas abertas.
Também era aconselhável colocar água fresca em uma vasilha ou balde e um pouco de capim que os garotos como eu, que morávamos em apartamento, precisávamos colher em alguma praça. Pois os camelos certamente estariam com sede e fome apôs a longa viagem.
Depois seguia a parte mais difícil, a de tentar conciliar o sono. Crianças que são usinas de energia, naturalmente cansadas, ficam nesse dia excitadas como se tivessem bebido dois litros de café. Porque o desejo oculto de todos nós era ver os Reis.
Uma noite, com meu irmão Jorge, resolvemos ficar acordados até eles aparecerem. Quando mamãe mandou todo mundo dormir, fizemos aquela comédia, disfarçamos a situação e quando ela foi embora, ficamos os dois de joelhos sobre a cama dele, debruçados na janela.
Se bem que não havia tanto céu para enxergar -cidade grande é assim- ficamos por horas olhando e jogando conversa fora, tecendo palpites.
“Será que eles entram por essa janela?”
“Qual é o mais alto deles?”
“Para onde é que eles vão primeiro?”
Nem sei o tempo que ficamos formulando essas perguntas retóricas, inventando histórias.
Deve ter sido uma estrela fugaz ou a força do desejo, mas até hoje meu irmão e eu juramos que essa noite vimos os Reis Magos atravessar o céu.
Não lembramos do que aconteceu depois, mas com certeza o sono nos venceu e na manhã seguinte achamos os presentes que meu pai tinha colocado junto aos nossos sapatos.
Depois a gente cresce e a verdade vem implacável: os Reis Magos não existem, são os pais que dão os presentes.
A gente cresce mais e vem o revisionismo histórico: os tais Reis nem eram três, ninguém sabe a certo quantos eles eram. Parece mesmo que eram astrólogos que vinham do Oriente para conhecer o rei dos judeus nascido; que uma estrela guia os conduziu até Belem e que traziam presentes à altura de um deus: ouro, incenso e mirra. São diferentes versões narradas sobre o nascimento de Jesus, na verdade o único que contou a tal visita no evangélio foi Mateus.
O outro mistério pra gente também foi develado: um dos reis era negro porque eles vinham de muito longe, de países diferentes.
E os camelos? Só criança para acreditar que esses camelos podiam voar. Mas também se eles eram Magos mesmo bem podiam fazer os camelos voarem.
Mas como a gente continuou crescendo, depois descobrimos que aqui era bem dificil achar um negro para ficar fantasiado de Baltazar na porta de alguma loja de brinquedos. Depois da febre amarela e a Guerra do Paraguai, os negros viraram uma raridade.
Nos meus anos no Brasil, senti falta desse ritual do 5 de janeiro, de ver as crianças com os rostos acessos pela emoção. Em troca, conheci no interior do Rio as folias dos Reis.
Mas a tradição cultural não é brincadeira. Nos países hispano-falantes os Reis Magos têm mais ibope que Papai Noel, que é de raiz anglo-saxona.
E na medida do que fomos crescendo, fomos perdendo a inocência. Quando uma pessoa é ingênua por aqui costuma se dizer que “acredita nos Reis Magos”.
Meu irmão e eu já sabemos que os Reis Magos não existem, mas que naquela noite nós os vimos, disso temos certeza.

Reprodução do óleo La adoración de Los Reyes Magos, de El Greco (1568)

6/1: Deixo aqui meu agradecimento a Letícia Castro, do Babel.com, que reproduziu esse texto no seu popularíssimo blog.

E as surpresas dos Reis continuam. A querida Maria Guimarães Sampaio, como só ela sabe, escreveu no seu Continhos para cão dormir um texto lindo sobre o Ciclo Natalino no interior da Bahia.

7 comentários:

LETÍCIA CASTRO disse...

¿¿¿Qué te trajeron los Reyes, Ju???
Eu ia colocar uma tirinha da Mafalda e explicar tudo sobre o dia. Aí, não sei por que, mas alguém deve saber, resolvi fuçar no Nemvem e encontrei o teu post. Fiz uma travessura, não quero nem saber e dê-se por agradecido, pois poderia ter sido pior!!! (Ia colocar tua foto, ficha completa, etc)rs
Se não vc não gostar, me pondré una trompita enoorrme, mas espero de coração que vc goste.
Ah, e como vc faz aniversário no dia 26, pertinho do Natal, resolvi comemorar a data com vc hoje de novo, o que acha? Estouramos um prosecco? hehehe
Vai lá no Babel ver o que eu aprontei. Tenelo como un regalito de los Reyes. :D
Besos, hermano!

Anônimo disse...

Juan, claro que no Brasil a palhaçada natalina veio dos americanos. Em nossa tradição eram os autos de natal, os ternos de reis e/ou folia de reis. Há poucos dias vi em um documentário na TV: o Papai Noel como o conhecemos hoje é invenção de uma propaganda da: tchan tchan tchan! COCA-COLA.
Beijos de Maria

Anônimo disse...

Olá, meu amigo Juan!
Bem procedente o texto, tudo a ver com a data. Eu nunca me liguei muito nessa data específica de Dias de Reis. Fui sempre fissurada pelo Natal, embora, hoje em dia, não represente mais nada pra mim. Mas esse seu blog representa muito, muito, muito pra mim.Beijos, querido! Lu

Juan Trasmonte disse...

Valeu Lu! Muito obrigado pelos comentarios, mais ainda agora que Floripa deve estar invadida pelos argentinos rsss.
bjs

Juan Trasmonte disse...

Maria! Não sabia essa história do Papai Noel com a Coca-Cola!! Mas lembro de vários anúncios da Coca (e de brinquedos também) com o velho Santa.
Obrigado por estar aqui sempre, bjs

Juan Trasmonte disse...

Lelê, muito obrigado pelo reconhecimento, já coloquei no finalzinho do texto uma chamada.
Valeu, bjs

Daniela Figueiredo disse...

Oi, Juan. Li teu texto lá no Babel. Acho muito bonito estes costumes de comemorar, cria um encanto. Para não dizer que não comemorei o Dia de Reis, teve um ano que minha tia fez o Bolo de Reis, com vários apetrechos escondidos dentro do bolo: aliança, moeda, avião, etc. A sorte estava lançada, para quem comesse o pedaço que tivesse um dos apetrechos. Aliança = casamento/namoro, moeda = dinheiro e fartura, avião = viagens, e assim vai. Bons tempos aqueles! Beijos.