sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Pra que discutir com madame?


Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba,
Madame diz o que samba tem pecado
Que o samba é coitado e devia acabar,
Madame diz que o samba tem cachaça, mistura de raça mistura de cor,
Madame diz que o samba democrata, é música barata sem nenhum valor,
Vamos acabar com o samba, madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame.

No carnaval que vem também concorro
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na Avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno meu Deus que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.

Pra que discutir com madame, de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida

Foi discotequista, roteirista dos quadros de humor que ele mesmo representava na rádio, autor de televisão e, na década de quarenta, Haroldo Barbosa começou a fazer versões para Francisco Alves. Entre elas, várias de tangos clásicos como Adiós pampa mía e El día que me quieras.
Ilustre morador da Vila Isabel, a ele pertencem as letras de grandes sambas como esse que está aqui, cheio de humor irónico, uma das suas bem sucedidas parcerias com Janet de Almeida.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Bandido de 40 anos




"Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e esculhamba."
Do filme de 1968 O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla

Paulo Villaça e Helena Ignez numa cena do filme e reprodução do cartaz original

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

León Ferrari





"Eu achei a alma de Picasso num vasilhame".
León Ferrari, artista plástico argentino que depois do golpe de 76 foi morar em São Paulo, aonde permaneceu até 1991. Aos 88 anos continua lutando sua guerra contra o poder da igreja católica e o poder militar, contra qualquer poder que use o poder para matar e submeter às pessoas através do medo. O ano passado ganhou a Biennale de Veneza e os seus trabalhos são agora cobiçados no mundo inteiro. Nada disso apaciguou seu espírito e ele continua indo à luta com a mais poderosa das armas nucleares que é a beleza

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A rainha e a princesinha



Em visita ao Rio em 1985, o guitarrista do Queen, Brian May, saiu ao encontro dos fãs que estavam de plantão na praia em frente ao Copacabana Palace.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Camarón, el de la Isla


Custou a vida mesmo gravar Potro de rabia y miel, Camarón por momentos ficava inconsciente e não havia quem o fizesse reagir. O cantaor ia pro estúdio sem saber o que tinha que cantar, colocavam uma folha na frente dele com uma estrofe escrita em letras bem grandes e ele tentava memorizar.
- Vamos fazer um breque, né? -pedia o cantaor-. Descansavam um pouco, fumavam, tentavam inútilmente relaxar e a tortura recomeçava.
No último disco, chegaram a gravar os versos finais por separado e depois os uniram ao resto da música. Gravavam um o, ele cantava aquele oooooooo e depois misturavam com o resto da bulería.

Paco (de Lucía) repetia vinte vezes as bases da canção e vinte vezes Camarón errava. "Mais uma, Camarón" -pediam e mais uma ele errava. Quando todos, os técnicos do som, os irmãos Lucía, os músicos e até os faxineiros do estúdio achavam que Camarón não fosse conseguir, ele soltava um tom que não era o que Paco nem Pepe tinham lhe-mostrado, mas ultrapassava todos em beleza e tensão rítmica.

Do livro "Camarón de la Isla, El dolor de un príncipe", de Francisco Peregil.
Versão para o português de Juan Trasmonte
Foto das mãos de Camarón de Jean-Marie Tinarrage

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Todos os santos dias


Você quer dormir
todos os dias
com minhas palavras
achar que é possível
enquanto os verbos
escorregam nos lençois
substantivos sustentam
seus cabelos
pronomes te confortam
pronomes pessoais
Você quer dormir
todos os dias
todos os santos dias
com minhas palavras
eu queria apenas dormir
eu queria que você quisesse
dormir comigo e silêncio
um dia.

Todos os santos dias, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto polaroid de Tethered Tothesun, da série Fifty Rooms

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Mishima


"Para mim, a ação era algo esplendoroso que devia ir acompanhado de uma linguagem esplendorosa".

Yukio Mishima, extraído do O Templo do Pavilhão Dourado

Coney Island


You know, man, when I was a young man in high school
You believe in or not, that I wanted to play football for the coach
All those older guys, they said he was mean and cruel
But you know, I wanted to play football, for the coach
They said I was to little too light weight to play line-back
So I say I'm playing right-in
Wanted to play football for the coach
Cause, you know some day, man, you gotta stand up straight
Unless you're gonna fall
Then you're gonna die
And the straightest dude I ever knew
Was standing right for me, all the time
So I had to play football for the coach
And I wanted to play football for the coach

When you're all alone and lonely in your midnight hour
And you find that your soul, it has been up for sale
And you getting to think about, all the things you done
And you getting to hate just about everything
But remember the princess who lived on the hill
Who loved you even though she knew you was wrong
And right now she just might come shining through

and the glory of love, glory of love
Glory of love, just might come through
And all your two-bit friends have gone and ripped you off
They're talking behind your back saying, man
you are never going to be a human being
And you start thinking again
About all those things that you've done
And who it was and who it was
And all the different things you made every different scene

Ah, but remember that the city is a funny place
Something like a circus or a sewer
And just remember, different people have peculiar tastes
And the Glory of love, the glory of love
The glory of love, might see you through
Yeah, but now, now
Glory of love, the glory of love
The glory of love, might see you through
Glory of love, ah, huh, huh, the glory of love
Glory of love, glory of love
Glory of love, now, glory of love, now
Glory of love, now, now, now, glory of love
Glory of love, give it to me now, glory of love see you through
Oh, my Coney Island baby, now (I'm a Coney Island baby, now)
I'd like to send this one out for Lou and Rachel
And the Lord appeared and he has one made of two
Coney Island baby
Man, I swear, I'd give the whole thing up for you.

Coney Island baby, de Lou Reed
Foto de Coney Island de Robert Polidori


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Obrigado Max


Após oito anos na verde e rosa, o carnavalesco Max Lopes, conhecido também como Mago das cores, deixou a Mangueira.
Ele é também o primeiro representante da cultura popular que sentou numa cadeira da Academia Brasileira de Letras. Virou imortal.
Na foto de baixo, o "trem bão", carro lindo do desfile de 2004.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Jane e a dupla moral


Os Estados Unidos são campeões do mundo da dupla moral e os eufemismos. Ninguém tira esse título deles.
Mais uma mostra. Semana passada, a atriz Jane Fonda, uma das protagonistas da versão estadounidense da peça Monólogos da vagina, dava entrevista ao vivo para o programa Today, da NBC. Quando lhe-perguntaram como ela tinha conhecido a peça, ela disse que foi chamada pela autora Eve Ensler -também presente na entrevista- "para fazer um monólogo chamado Cunt (buceta)". Ao que ela respondeu "Acho que não, já tenho problemas demais". Bom, esse "cunt" ao vivo, no meio de uma entrevista onde o asunto era teatro, pode lhe-custar um processo à emissora, parecido ao que a CBS vem arrastando há anos por causa do peito de fora da Janet Jackson.
Depois veio a saia justa da mídia e todos os eufemismos pra tentar explicar o que a Jane disse sem reproduzir o que disse. Entende-se? Vamos aos exemplos: "c----"; "the Cword"; "the C-word that refers to the most private part of the female anatomy."
Haja paradoxo. Eles ficam horrorizados com uma palavra ou -vamos conceder- um palavrão, muito mais que com as notícias que vêm -ou não vem na verdade- do Iraque.
Quando Jane participa de algum protesto contra a guerra não tem esse circo todo.

Sem Fidel


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Mariano Mores 90


Como un fantasma gris llego el hastío
hasta tu corazón que aun era mío...
Y poco a poco te fue envolviendo.
¡Y poco a poco te fuiste yendo!

Si grande fue tu amor cuando viniste
más grande fue el dolor cuando te fuiste...
¡Triste tañido de las campanas
doblando en mi soledad!

Cada vez que me recuerdes
la noche amiga me lo dirá
y donde el cielo y el mar se pierden
cuantas estrellas me alumbrarán...
Cada vez que me recuerdes
tu pensamiento me besará
y cuando el fin de tu vida llegue
junto a tu vida me sentirás.

Mi corazón se fue tras de sus pasos...
El pobre estaba hecho pedazos!
Y entre mis manos... mis manos yertas,
las esperanzas quedaron muertas!

Si hay algo que jamás yo te perdono
que olvidaste aquí, con tu abandono,
eso tan tuyo... ese algo tuyo
que envuelve todo mi ser!

Cada vez que me recuerdes, de Mariano Mores e José María Contursi

Esse tango de 1943 é só uma das muitas obras maravilhosas do compositor Mariano Mores, que hoje faz 90 anos. Ele fez a música de Cafetín de Buenos Aires, Gricel, Cuartito Azul, Uno, Taquito militar e muitos outros clássicos. Continua tocando por aí. É o último dos grandes compositores de tango vivos.

Martinho 70



O grande Martinho da Vila fez setenta anos e comemorou pra valer. Na primeira foto ele aparece com Paulinho da Viola e Ferreira Gullar e na segunda com Haroldo Costa.
Isso é o que eu chamo de convidado vip.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Profanos


Vamos comprar queijo.
Pegamos trem.
Damos voltas ao quarteirão
pra passeiar o cachorro.
Lemos jornal.
Bebemos água com cloro.
Cantamos o hino nacional
nas cerimônias da escola.
Escolhemos um lençol
da pilha perfumada.
Andamos em círculos.
Levamos tombos.
Não sabemos para qué,
não sabemos para quem
vivemos.

Profanos, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Na belíssima foto de Jaro Muñoz, uma mulher passeia seu cachorro com o fundo dos pinheiros incendiados em Conil de la Frontera, Cádiz, Espanha. A cena é de julho de 2006

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Sexta-feira non sancta (VI)


Volta às aulas, por fim

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Anna Kahn



Andava a toa por Botafogo e resolvi entrar no complexo de cinemas que fica na praia para ver a programação e dar uma olhada na livraria.
Numa das paredes me deparei com uma série de fotos noturnas, urbanas, de paisagens unívocamente cariocas. Os textos descritivos eram como este: "André, 23 anos, estudante, na Avenida Brasil, dentro de um ônibus."
Minha primeira impressão foi que tratava-se de algum projeto social em que tinham dado câmeras para pessoas que não são fotógrafos e tinham convidado eles pra escolher pontos da cidade sob os próprios olhares.
Mas logo descartei essa idéia, as fotos eram boas demais para terem sido feitas por amadores. Ao mesmo tempo, uma ponta de angústia provocou-me um certo desconforto corporal. E logo na terceira ou quarta fotografia descobri a ausência total de rasgos humanos nas fotos. Fora os traços implícitos nas cenas que revelam a existência do homem (orelhão, propaganda, poste de luz) não havia outro vestígio humano.
Com a angústia indo do peito pra garganta cheguei na última foto e no texto em que a fotógrafa Anna Kahn explica seu trabalho.
A mostra “Retratos da Ausência” documenta episódios de violência da longa lista de mortos por balas perdidas, desde o ponto de vista das vítimas.
No meio do barulho das vozes daquele entra-sai dos corredores do cinema, do cheiro de pipoca e da fútil algazarra, meus olhos encheram d’água.
Voltei a percorrer as fotografias, em sentido contrário e nessa nova dimensão do sentido, tão abrumado pela dor de estar assistindo ao ultimo instante de luz e à dessolação dos mortos quanto pela beleza das imagens de Anna que, parafraseando Lacan, descorre o último véu, aquele que separa à beleza do horror.Foi um dos momentos mais marcantes dessa minha última viagem ao Rio.
Aliás, Anna Kahn nasceu no Rio de Janeiro e já experimentou a violência na própia pele. E é através do olhar artístico dela que isso transparece.

Foto de Anna Kahn, da série Retratos da Ausência
Ainda em exposição no Unibanco Arteplex e no Instituto Moreira Salles

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Andalucía na alma


Reprodução de Alegrías, de Julio Romero de Torres
Entre muitos, esse quadro, que tem como modelo a bailaora Julia Borrull, mostra que este pintor espanhol captou como ninguém a alma da Andalucía, que atravessa a sua obra inteira.

Henri Salvador


"Para mim cada dia é uma festa. Só gosto do amanhã. O passado não me interessa".
Henri Salvador (1917-2008)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Vó Rita


"O que talvez transpareça em mim, aos olhos de quem me vê é o prazer que tenho em trabalhar com música."
Rita Lee, em entrevista à revista Rolling Stone

A Rita sempre foi uma grande declarante. Outra mostra está aqui.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Tata Güines


E lá foi se Tata Güines, "el rey de los tambores"...
Fez seus primeiros bongoes com duas latas, uma de lingüiça e outra de leite condensado. Criou um estilo único de tocar as tumbadoras, onde até unha valia, sempre com as mãos perto do couro, com uma batida firme e a mão esquerda levemente mais rápida, o que fez crer a muitos que ele era canhoto. Isso lhe rendeu seu apelido.
Foi sapateiro, tocou por trocados, levou pra Nova Iorque seu talento, ganhou a admiração do Dizzie Gillespie e Josephine Baker, entre muitos. Voltou para sua Cuba, onde percussionistas do mundo todo foram procura-lo para aprender com ele.
Partiu no dia 4 de fevereiro e foi despedido como corresponde, com rumba, por Omara Portuondo, Pancho Terry, o génio do chekeré, e outros mestres da ilha, nos rituais da santeria.



"Soy cubano nacido en Güines y moriré aquí"
Tata Güines

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Dicionário da saudade


Longe Penha e Madureira
longe vivo a céu aberto
longe está o Flamengo
e os olhos cintilantes
das mulheres da Marquês
um chão de mar desperta
com seus peixes
que traçam diagonais
nas brincadeiras
longe daqui as desencantadas
vaidades de Ipanema
e as cantadas rodoviárias
dos caminhonheiros
os trocados perdidos
os temperos ganhos
aquí é uma imensidão azul
que nunca viu o Rio de Janeiro
só as nuvens talvez
sejam levadas
para virar pancadas
no Canal do Mangue
passaram os instantes
poucos mansos
e o que era chão e palco
voltou pro dicionário da saudade
cheiros e santos fortes
carros e adereços
silenciosos
estacionados na concentração
placas de rua
suspensas nos mistérios das esquinas
longe pierrô e colombina
e todos os pudores
que as máscaras minimizam
assim com cada véu
sumiu o espanto
aqui outro tempo azul
uma cadeira no espaço
e a ensolarada pista de dança
para encarar de novo
as folhas de papel de arroz
do velho dicionário da saudade.

Dicionário da saudade, de Juan Trasmonte (Creative Commons)
Foto do meu pé e a calçada do Bar Picote, no Flamengo